O caminho sem volta da economia circular começa enfim a acordar investidores brasileiros para a exigência crescente por plásticos reciclados de alto padrão, movimento aliás global e iniciado aqui pelas marcas líderes em bens de consumo de maior valor agregado, como cosméticos. É esta a leitura que perpassa do balanço de estreia da recicladora paranaense Clean Plastic. Sem alarido, ela completou em janeiro um ano de entrada em cena com ações de aproximação e homologação de materiais em potenciais interessados em suas resinas de polietileno (PE) e polipropileno (PP) recuperadas com não revelada tecnologia europeia. “Nosso foco é atender empresas que necessitam de toda a cadeia de reciclagem mapeada e pedem um material top, de qualidade similar à do polímero virgem”, delimita o acionista e diretor industrial Jadir Voltaline Jr.
Com essa declaração de princípios, ele encaixa a Clean Plastic no time, ainda modesto por aqui, de recicladoras avessas a conviver num setor dominado por guerra de preços, defasagem, baixas escalas e incidência de informalidade em torno de um plástico pós-consumo reciclado cujo desempenho o relega a aplicações pouco valorizadas. “Importamos equipamentos que, aliados a aditivos, praticamente suprimem as impurezas dos resíduos descartados e elevam a qualidade padronizada do nosso reciclado, já contemplado com projetos em curso de suprimento a grandes indústrias de produtos finais”, delineia o dirigente. “Firmamos parcerias com diversas cooperativas, de modo que os fardos de resíduos pós-consumo são identificados por lote e fornecedor, garantindo sua rastreabilidade”.
Sem abrir cifras, Voltaline Jr. Informa que a Clean Plastic conta com sede própria, com área construída de 12.000 m² em terreno de 25.000 m², em Curitiba, local escolhido pelo acesso à malha rodoviária que interliga a região sul, pela presença local de potenciais clientes e pela proximidade do porto catarinense de Itajaí. O sócio executivo enfatiza que sua unidade roda com todas as etapas do processo integradas − moagem, lavagem, secagem, aglutinação e extrusão. “A capacidade atual de reciclagem é de 1.500 t/mês e pretendemos chegar a 5.000”.
Sem imediatismo
A produção de reciclado do nível hoje cobrado pelos gigantes de bens de consumo, foco da Clean Plastic, requer tecnologia importada, concorda o consultor Amarildo Bazan. Com o dólar refestelado nas alturas de R$ 5, de onde aparenta não sair tão cedo, o apelo de investir no maquinário internacional pode empalidecer numa análise imediatista. “Mas as decisões de investimento no recuperado de alta qualidade não devem ser tomadas com base no curto prazo”, ele contrapõe. “Com uma estrutura composta de catadores, cooperativas, coleta seletiva e separação mecanizada, hoje reciclamos apenas 10% de todo o resíduo plástico gerado, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), o que evidencia um imenso mercado por explorar”. Além disso, assinala, a procura crescente pelo valorizado reciclado de primeira linha anima a implantação de projetos de plantas geradoras desse material. “O grande problema pendente é a coleta do resíduo e sua disponibilização para a reciclagem”, aponta Bazan.
No consenso dos analistas, o estrago do coronavírus na economia nacional e global levará anos para ser superado e, no âmbito do plástico, desponta o aumento drástico na já obesa oferta de PE e PP virgens. Em tese, esse excedente causa depreciação nos preços e suscita o questionamento do seu efeito sobre as margens de lucro vislumbradas para reciclados top de linha por fornecedores como a Clean Plastic. Bazan não embarca nessa linha de raciocínio. “A decisão de uma indústria de produtos finais utilizar plástico reciclado não deve estar atrelada ao custo da resina virgem, mas ao compromisso de reduzir o impacto ambiental de suas embalagens e peças pós-consumo, evitando seu descarte em aterros e lixões”, defende Bazan. “Os custos envolvidos na reciclagem de plástico pós-consumo não guardam linearidade com os da produção da resina de primeiro uso e, portanto, é comum que os dois preços não tenham ligação. Em muitos países e agora também no Brasil, o reciclado de primeira classe não raro é vendido mais caro que o polímero virgem”. A economia circular, repisa o especialista, é uma atitude responsável das empresas. “Embora os custos de coleta, separação, moagem, lavagem, aditivação e extrusão possam onerar o processo, elas não deixarão de utilizar o reciclado de alta qualidade nas suas embalagens”.•