O estímulo que faltava

Economia circular põe o filme biorientado de PE na pista de decolagem

Virou praxe diária na imprensa o recebimento de uma enxurrada de releases de gigantes das marcas de produtos de consumo (brand owners) trombeteando a obsessão por aboletar, num esforço conjunto com a cadeia de fornecedores, suas embalagens no figurino da economia circular. Em flexíveis laminados essa febre incendeia devido a um flanco exposto: a reciclagem encarecida e dificultada pela necessária separação prévia de materiais da estrutura incompatíveis entre si. Por essas e outras, a cadeia plástica mundial hoje corre atrás de um recipiente de um único material, dotado dos mesmos predicados de uma embalagem de vários componentes e mais simples de reciclar do que o laminado flexível contendo polímeros inconciliáveis. Entre os caminhos palmilhados no exterior, tem sobressaído o surgimento de resinas lapidadas para a produção de filmes biorientados de polietileno (BOPE), de atributos físicos e visuais suficientes para deslocar de laminados elementos como PET biorientado (BOPET), tornando a embalagem 100% monomaterial (PE). Única produtora de poliolefinas no país, a Braskem não só está antenada na tendência como já tateia experimentos nessa direção, adiantam nesta entrevista Fábio Agnelli, líder de engenharia de aplicação de polietilenos em flexíveis, e o engenheiro especialista Francisco Carlos Ruiz.

Aumentam as notícias sobre desenvolvimentos no exterior, de grades de polietileno linear (PEBDL) e de alta densidade (PEAD) para filmes biorientados (BOPE). Quais as motivações para este esforço, tanto em termos de mercados a serem conquistados como de materiais passíveis de substituição por BOPE em filmes monomaterial e laminados?
A produção de BOPE segue dois caminhos que se confundem em algumas aplicações, pois deve-se entender que toda a orientação do polímero confere ao filme melhor performance mecânica e/ou óptica. A biorientação proporciona ganho maior de propriedade mecânica quanto mais alta for a densidade do polímero, sendo assim fortemente influenciada pela cristalinidade. Dessa forma, no âmbito de polietileno, o uso de grades de PEAD confere rigidez elevada ao filme biorientado, enquanto o emprego de PEBDL garante à película boas características ópticas e mantém a alta força de selagem desse termoplástico na embalagem, mas sem igualar o desempenho de PEAD na esfera dos atributos mecânicos.
As motivações para o atual esforço de desenvolvimento de soluções em biorientação de PE decorre do grande foco do setor de embalagens na economia circular, buscando maior facilidade de reciclagem dos resíduos pós-consumo. Assim, cresce o desenvolvimento de embalagens flexíveis usuárias de soluções monomaterial de PE e de PP, visando substituir BOPET, filme biorientado de poliéster empregado nos laminados multimaterial.

Em geral, esse trabalho de petroquímicas para desenvolver grades de BOPE tem levado a parcerias com fabricantes de máquinas cast. Em linhas gerais, quais os encargos no âmbito do equipamento nessa busca por grades adequados à produção de BOPE?
O processo de orientação submete o polímero a níveis altíssimos de deformação, de simulação impraticável em equipamentos de laboratório. Isso se observa, em especial, em relação a máquinas de biorientação que operam em altas velocidades (450 a 625 m/min), por meio do processo denominado tenter frame. Dessa forma, a parceria de petroquímicas com o fabricante de máquinas é essencial, tanto no ajuste do melhor desenho de resina, como no melhor controle das condições da linha, traduzido como janela de processabilidade para alcançar a qualidade e produtividade desejada para o filme.

Filmes de BOPE exigem máquinas específicas ou podem ser produzidos nas linhas existentes destinadas a  BOPP?
A principal característica dos grades de PE para filmes biorientados é a viscosidade superior à das resinas de PP utilizadas para este mesmo processo. Isso implica uma significativa redução de produtividade, caso se utilize PE nas linhas atuais dedicadas a BOPP, devido principalmente ao desenho da rosca da extrusão. No entanto, já existem máquinas híbridas, capazes de produzir filmes biorientados de PP e PE em altas taxas de produtividade.

Quais as principais diferenças no processamento de PE e PET na produção de filmes biorientados?
As características físicas do PET e PE são muito diferentes, de modo que os equipamentos para extrusá-los também destoam de modo considerável. PE possui ponto de fusão abaixo de 135°C, a depender de sua cristalinidade, enquanto PET funde por volta de 250°C, requerendo assim uma potência do motor de extrusão, zonas de cisalhamento e transporte da massa fundida dentro da rosca da extrusora diferentes do processo com PE.

Quais as principais vantagens e diferenciais proporcionados pelo filme de BOPE em termos de propriedades ópticas?
Como já disse, a orientação do polímero eleva as características mecânicas do filme produzido, mas a propriedade óptica deve ser melhor avaliada, pois depende do nível de cristalinidade do PE utilizado, ou seja, sua densidade.

Como avalia a possibilidade de BOPE competir com BOPP e BOPET?
As propriedades mecânicas e ópticas de BOPE ainda não atingiram o mesmo patamar de BOPP. Com base na economia circular, o desenvolvimento de uma embalagem monomaterial, de melhor reciclabilidade que a embalagem multimaterial, é um segmento em que BOPE e BOPP deverão alcançar cada vez mais aplicações. Pelo fato de a biorientação melhorar significativamente a rigidez do filme, parece clara a tendência do deslocamento de BOPET por BOPE ou BOPP nas embalagens.

Num comparativo entre BOPP e BOPE, quais as vantagens e desvantagens de cada filme?
BOPP é um filme de melhores propriedades mecânicas, térmicas e ópticas, aliadas à alta processabilidade, mas com uma resistência ao rasgo e força de selagem que BOPE consegue se sobrepor. A solução de embalagens monomaterial irá proporcionar oportunidades para esses dois tipos de filme e assim atender os principais requisitos de reciclabilidade hoje cobrados pelos grandes brand owners.

Quais as possibilidades de BOPE reduzir ou zerar a presença de uma resina de barreira num laminado integrado também por outras camadas de polietileno, de modo a possibilitar a formação de um laminado monomaterial?
PEAD possui ótima barreira à umidade, mas limitada a gases, a exemplo do oxigênio. A utilização de BOPE em estruturas laminadas dependentes de barreira deve ainda requerer o emprego de algum material que promova tal qualidade à embalagem, a depender do shelf life estabelecido para o produto envasado. Segundo novos requisitos expostos pelo CEFLEX (consórcio da cadeia europeia de flexíveis), pode-se incorporar até 5% de copolímero de etileno e álcool vinílico (EVOH) ou poliamida (PA) à estrutura do filme e, ainda assim, manter sua reciclabilidade. Lógico que a incorporação desses componentes, auxiliada pela maior rigidez da estrutura poliolefínica biorientada, deverá trazer soluções mais interessantes para o mercado.

Os esforços internacionais para introduzir BOPE no mercado de flexíveis e laminados remontam ao início do século. Por que até hoje esse desenvolvimento transcorre com tanta morosidade?
A evolução da necessidade de uma embalagem monomaterial desponta como uma alternativa mais viável ao processo de reciclagem. A película mais rígida de BOPE que permita a substituição de BOPET, mesmo utilizando uma espessura mais alta, é uma solução sustentável que trouxe de volta a força do desenvolvimento desse tipo de filme.

Como a Braskem, com centros de P&D no Brasil e EUA, enxerga a possibilidade de desenvolver resinas talhadas para a produção de BOPE?
A Braskem já trabalha em parceria com o fabricante de máquina do processo tenter frame (estiro de filme plano na direção de máquina e transversal) para produzir BOPE. Os resultados dos ensaios são interessantes e promissores para o mercado brasileiro. Com resinas especialmente desenvolvidas para a biorientação, a Braskem espera suprir o mercado com soluções economicamente viáveis. A empresa também considera a opção de utilizar resinas de fonte renovável, de modo a contribuir para baixar a emissão dos gases do efeito estufa ao longo da cadeia. •

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