O efeito estufa do bem

O clima está ficando cada vez mais propício para a plasticultura germinar

A Americanas trombeteou em agosto a compra por R$2,1 bilhões da rede Natural da Terra, maior varejista de hortifrútis do Brasil, com 73 lojas em quatro Estados e média mensal de dois milhões de clientes. Como ninguém são rasga dinheiro, a transação ilustra que, de forma gradativa e apesar da inflação e dólar salgando preços, a ainda comedida demanda por folhas, legumes, verduras e frutas frescas vem florescendo no país, reflexo também da insistente catequese do consumo de alimentos saudáveis pelos apologistas da qualidade de vida e até de e-commerce. A plataforma da foodtech Raízs, por exemplo, garante a horticultores previsibilidade da demanda, ao conectá-los sem intermediários a consumidores finais de alimentos orgânicos entregues em casa.
Mesmo considerando-se as travas da penúria de crédito e de políticas de apoio à agricultura familiar, pivô central do plantio de hortifrútis, a atual conjuntura fundamenta a previsão de chuva criadeira em todas as hortas da plasticultura – desde o cultivo protegido (estufas, recobrimento do solo/mulch, etc) ao ensaque de grãos (ráfia) e irrigação por gotejamento. Na era pré-pandemia, por exemplo, a área nacional de cultivo protegido em 2005 era projetada por especialistas em 13.000 hectares, já subia para 30.000 em 2019, mesmo ano aliás em que o Brasil produziu cerca de 100.000 silos bolsas, volume que se estima ter crescido 36% em 2020, à sombra do crônico déficit brasileiro de armazenagem estática de grãos. Outra boa nova: a expansão do cultivo protegido fora de seu maior mercado, São Paulo e o Sul. O governo do Ceará, por exemplo, se empenha em implantar em Barbalha, na região do Cariri (a 504 km de Fortaleza), o Centro de Tecnologia em Cultivo Protegido, o primeiro no gênero do Nordeste e idealizado para apoiar a agricultura familiar no cultivo de hortifrútis e flores. Uma panorâmica dessas expectativas azuis é desfraldada na entrevista a seguir de Paolo Prada, secretário do Comitê Brasileiro de Desenvolvimento e Aplicação de Plásticos na Agricultura (Cobapla).

Diante da grave estiagem em curso no Centro-Sul, como a plasticultura pode ajudar a aumentar a economia e a eficiência no uso de água no cultivo protegido e irrigação?
A plasticultura oferece soluções para irrigar o solo economizando água. Estufas, coberturas do solo (mulching) e sistemas de fertirrigação por gotejo contribuem para uma veiculação dosada da água nos cultivos. Plantios sem solo, em canteiros, hoje permitem ao agricultor cultivar plantas dosando exatamente a quantidade mínima necessária para elas crescerem. Na realidade, não há desperdício de água no cultivo protegido. Existe, sim, nos grandes cultivares de grãos – aquele agronegócio com tanto espaço nas mídias e nas mãos de poucos fazendeiros.

As mudanças climáticas estão tornando os invernos brasileiros mais rigorosos, como ilustra a incidência de nevascas e geadas no plantio de hortaliças no Sul e São Paulo, a maior área do cultivo protegido. Qual o papel dos agrofilmes neste cenário?
As estufas agrícolas (“invernadero” em espanhol, a palavra diz tudo) nasceram para proteger os cultivos do frio no inverno europeu. A típica situação climática da Europa é de verãos tórridos e invernos rígidos. Aqui no nosso hemisfério sul, abençoado por um clima tropical e sem variações térmicas tão grandes entre verão e inverno, as estufas se tornaram uma medida mais para proteger o plantio contra o excesso de chuva e pragas do que contra baixas temperaturas. Não é à toa que pesquisadores da plasticultura da parte mais tropical da América Latina preferem chamar, em espanhol, as estufas de “casa de cultivo” e não “invernadero”. Pois bem, a tecnologia para melhorar a retenção do calor nas estufas é bem conhecida. Aditivos que deixam passar as frequências da radiação infravermelha no dia, que aquece o terreno e o interior da estufa e reflete a reemissão desta frequência à noite, impedindo o calor de sair da estufa. São bem conhecidos dos produtores de agrofilmes, aliás também chamados de filmes térmicos. Desse modo, a pouca exigência dessa tecnologia sob as condições climáticas do Brasil leva os agricultores a optarem pelo exato oposto da praxe europeia. Ou seja, recorrem a coberturas de estufas que reflitam o calor (radiação infravermelha) do dia e tornem o interior da estufa mais fresco durante as horas mais quentes. Vale lembrar, a propósito, que acima da faixa de 35ºC as plantas param a atividade fotossintética e deixam de crescer. Daí, por sinal, a necessidade de se evitar nas estufas os picos de temperatura de dia.

Como fica o cultivo protegido diante de ondas de ar frio cada vez mais frequentes no país?
Diante das repentinas e inesperadas geadas dos últimos tempos, os agricultores, que não têm (nem precisam) filmes térmicos, são obrigados a recorrer a sistemas de aquecimento improvisado para evitar a morte de mudas ou cultivos em fases iniciais de crescimento, quando estão sensíveis ao extremo a temperaturas abaixo de zero. Assim, aquecedores elétricos ou churrasqueiras improvisadas, por exemplo, são instaladas dentro da estufa para se tentar evitar que a temperatura próxima do solo passe do zero. Quem é mais acostumado a temperaturas invernais, pela latitude do seu cultivo, terá estufas equipadas de filmes térmicos e sistemas de aquecimento em regime permanente.

Por mais que sejam exaltados na mídia como alimentos saudáveis, o consumo brasileiro de hortifrútis sempre foi baixo. Diante desse quadro, o que falta para o cultivo protegido tomar corpo?
Infelizmente, não temos estatísticas de uso de cultivo protegido segmentadas por tipo de plantio. As iniciativas do Cobapla para monitorar (por satélite, por exemplo) as áreas de cultivo protegido no pais sofrem do desinteresse dos atores do mercado da plasticultura, que enxergam atividades de cooperação dos elos da cadeia em prol do crescimento da informação sobre a realidade do cultivo protegido como um perigo de perda de market share. Sem um esforço nacional coeso de produtores de matérias-primas, transformadores de plástico e construtores de estufas vamos para sempre nos perguntar quanto e como cresce (e cresce) a plasticultura no Brasil. A verdade é que o cultivo protegido, em especial no tocante a hortaliças, permite cultivar sem impactos dramáticos do clima (pouco ou muito calor e chuva) e oferece condições para preços estáveis dos produtos no mercado. Quem passou pela situação de pagar em agosto último de R$ 8 a R$ 27 pelo quilo de um pimentão amarelo deve entender qual seria o benefício de mais plasticultura no cultivo de hortaliças.

Sobram créditos e incentivos fiscais para a produção de commodities agrícolas. Por que permanece insuficiente a oferta de financiamentos e subsídios para cultivos de menor escala, caso dos atendidos pela plasticultura?
Existem programas do governo para financiamento de cultivos protegidos, como a iniciativa estadual do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista – o Banco do Agronegócio Familiar (Feap/Banagro) ou o programa Inovagro do BNDES. Todos eles esbarram no mesmo problema: condições de empréstimo que não aceitam o valor da colheita (o valor mais valioso de um agricultor) e papelada ultra complexa para o pedido de crédito. A verdade é que nossos políticos estão mais a fim de mostrar no papel ações de incentivo, para fim de eleições vindouras, do que realizar de verdade alguma coisa boa para a sociedade. O agricultor familiar, o verdadeiro homem da agricultura brasileira, tem enormes dificuldades para acessar programas de financiamento do governo. Agora, o rico latifundário de soja não terá dificuldade para obter, às custas da sociedade, crédito da ordem de milhões de reais para comprar máquinas agrícolas de altíssima tecnologia.

Por que o Cobapla, junto com representações do plástico, não apresenta a fintechs o potencial da hortifruticultura e para desbravar opções menos convencionais de crédito?
Veja minha resposta anterior. Não lutamos contra moinhos de vento.

Agrofilmes são dominados por filmes de uma e três camadas. Por que películas mais avançadas, de cinco camadas em diante, consolidadas no cultivo protegido internacional permanecem em posição minoritária por aqui há tantos anos?
O número de camadas serve para proporcionar ao filme propriedades adicionais – mecânicas, anti gotejo, antivirus, anti-poeira etc. Tratam-se de características não essenciais à pura proteção física do cultivo. Portanto, muitos agricultores devem continuar a optar pelos filmes de cunho básico, à parte a questão da carência de recursos dominante entre eles para adquirir coberturas mais sofisticadas.

O Cobapla considera economicamente aceitável a vida útil média de três anos para filmes de estufa e mulching?
Três anos para o cultivo protegido é uma média razoável de duração. Uma duração maior é tecnicamente possível, devido à tecnologia de estabilização dos filmes plásticos. Mas esse aumento da vida útil esbarra no acúmulo de sujeira na superfície do filme e, portanto, isso contribui para reduzir a transmissão de luz necessária para o cultivo. Existe um equilíbrio entre transmissão de luz e duração do filme em estufas. Filmes de estufas precisam ser lavados regularmente para tirar amontoados de poeira e algas na face externa da película que afetam a transmissão de luz e, por tabela, a produtividade do plantio. Até o momento, aditivos anti-poeira não se mostram tão eficientes para permitir que filmes de estufas não sejam lavados.

Como avalia a procura por silo fardo e silo bolsa?
Silo bolsa e silo fardo (ou stretch feno) são tecnologias relativamente recentes no Brasil. O silo bolsa teve crescimento exponencial, depois do sucesso na Argentina, e permanece valiosa solução para armazenamento de grãos por aqui, frente ao déficit nacional de capacidade de estocagem tradicional (silo metálico). A tecnologia nacional do silo bolsa amadureceu e serve de forma adequada ao mercado, deixando, eventualmente, espaço para desenvolvimento nas propriedades mecânicas dos grades de polietileno específicos para esta aplicação. Considerando o altíssimo custo das sementes armazenadas, as propriedades mecânicas são condição primordial para o desempenho a contento do silo bolsa. E vale o mesmo para o silo fardo, pois requer filmes multicamada (quatro a sete) e multimaterial, dependentes de considerável alongamento, propriedades adesivas e resistência à tração, perfuração, acidez e à radiação UV. Tudo para fornecer feno de alto valor nutritivo ao gado.

“Horticultores”

Filmes de arte

O casal de horticultores Thiago e Mariana Badauy cultiva tomates orgânicos em seu Sítio Videira, no município goiano de Bela Vista, O plantio requer a aquisição anual de mulching para recobrir 1.500 m² de solo em estufas na área total de 13 hectares da propriedade. Nesta entrevista, eles discorrem sobre seu bem sucedido uso de agrofilmes.

Agrofilmes têm em média vida útil de três anos. Este período é de custo/benefício aceitável para seu plantio de tomates?
A produção de minitomate sweet grape em estufa apresenta um alto custo de produção, devendo-se atentar para a maximização dos componentes fertilizantes e mão de obra, para otimizar os gastos e aumentar a rentabilidade. Mulching é filme de baixa espessura e acessível e sua proteção do solo melhora consideravelmente a produtividade. No nosso caso, a substituição do mulching acontece a cada safra – 11 meses em média. A opção pelo tempo de uso do filme pode variar em função do manejo dado à cultura e a consequente conservação do revestimento do solo.

Pelas suas estimativas, qual o reajuste total em 2020 e no semestre passado no preço dos agrofilmes que utiliza?
Assim como os filmes de polietileno, o tomate, como produto comercial, tem fortes variações de preço ao longo do ano. A cultura do tomateiro é, por natureza, muito volátil e de alto risco, portanto, os retornos devem ser altos para suportar os momentos de baixa. Em uma semana é comum observarmos oscilações de 10% a 15% no preço da caixa de 20 quilos de tomate, em função da demanda e oferta e das condições climáticas que influenciam a produção e consumo. Com os agrofilmes, observamos em 2020 variações nos preços em torno de 38%. Na primeira metade deste ano, aferimos leve queda nos preços, mas ainda em patamares acima das cotações pré-pandemia. Entretanto, a alta produtividade conseguida na produção do sweet grape, aliada à segurança de sua comercialização sob forma de contrato, torna seu cultivo atraente, pois atende a um nicho específico que paga pelo valor adicionado ao mini tomate, de modo que a absorção do gasto com mulching não afeta de forma significativa a geração da receita esperada.

Quais as características técnicas dos filmes que adquire para estufas que mais exigem melhorias?
O objetivo de todo agricultor é aumentar o rendimento, a qualidade da cultura e a satisfação do cliente. Existem diversos fatores agronômicos que podem influenciar isto, entre eles as condições do clima e do solo. O tomateiro é cultura de estação quente, muito sensível à geada em qualquer estágio de crescimento. Se expostas a temperaturas abaixo de 10°C, as plantas podem ser prejudicadas por demora na germinação e crescimento inicial menos vigoroso. De outro ângulo, temperaturas frias também reduzem o pegamento dos frutos e atrasam a maturação. O tomate é sensível a condições de baixa iluminação, exigindo no mínimo seis horas de luz solar direta para florescimento. No entanto, se a intensidade dessa radiação for muito alta, podem ocorrer rachamentos, escaldaduras e coloração desigual nos frutos maduros. Por essa razão, nos cultivos em estufa, o sombreamento dos frutos é muito benéfico. Nesse sentido, considerando as condições do solo e climáticas da região Centro-Oeste, onde está nosso sítio, as principais oportunidades de melhoria que notamos para os filmes de PE virgem para estufas estão na difusão de luz no ambiente interno; propriedade antiestática, reduzindo o acúmulo de poeira, e a proteção contra UV.

Terra firme

Perdas na entressafra não freiam aumento da produção de hortaliças este ano, sustenta dirigente da CNA

Após dois anos de recordes, a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) projeta queda de 1,2% para atual safra brasileira de grãos, culpa da estiagem e do inverno atípico. A transposição desse infortúnio para a horticultura perde em impacto porque as ondas de frio transcorreram em períodos de entressafra, de modo que, em essência, a produção não foi atropelada pelas rasteiras climáticas, argumenta Manoel Oliveira, presidente da Comissão Nacional de Hortaliças e Flores da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Mas quem plantou durante o inverno, caso de culturas como pepino e pimentão, vai tomar prejuízo”, ele julga. “O plantio só começa em meados de agosto para a temporada da primavera/verão”.
Oliveira reconhece que a escassez de água está retardando o cultivo de hortaliças em várias localidades, devido à trava imposta na irrigação. “Não há como fazer projeções com precisão, mas digamos que ocorra de 20% a 30% de perdas na produção na entressafra”, ele situa. “Mas isso não deve comprometer o balanço do ano, pois o consumo tende a aumentar com o progresso da vacinação e a flexibilização de funcionamento do comércio, fazendo a economia girar com mais desenvoltura”. Nos últimos cinco anos, calcula Oliveira, “a produção nacional de hortaliças evoluía à média anual de 5% a 7% e a pandemia a fez cair -8% em 2020, uma queda que não deve ser inteiramente recuperada sob a retomada deste ano”.
Duas dificuldades para se retratar com acerto a produção brasileira de hortifrútis, lista o dirigente, são a aguda diversidade de produtos e áreas e o cálculo impraticável do pulverizado contingente de produtores, a maioria pertencente à agricultura familiar. “Tomate de mesa, por exemplo, é produzido em 4.000 municípios e 200 deles são os polos de referência desse fruto em 34 regiões”, ilustra Oliveira.
Apesar do discreto consumo doméstico de hortifrútis e de entraves da sua cadeia, como lacunas na infra de distribuição e o uso de caixaria de madeira para o transporte do plantio aos entrepostos, a produção de hortifrútis tem conseguido crescer, atesta o porta-voz da CNA. “ Nesse ponto, também pesam os estímulos para a população zelar pela qualidade de vida comendo alimentos saudáveis”. Outra referência animadora que ele levanta: a expansão do uso de estufas e mulching em culturas como alho ou tomates especiais, tipo cereja. “Na fruticultura, o cultivo protegido é bem mais discreto, pois o grosso das frutas é para plantio em campo aberto”.
Calculadoras setoriais atribuem a hortaliças 60% do mercado do cultivo protegido, sendo o restante fatiado por igual entre frutas e flores. Oliveira é floricultor adepto de estufas com plástico em Andrada, sul mineiro. Segundo afirma, 2020 e o semestre passado massacraram a venda de flores de corte, como rosas, pois as restrições sanitárias ferraram a realização de eventos. “Já as flores de vaso se deram bem”. Para a metade final deste ano, ele confia em reação das flores de corte a reboque da volta de festividades e solenidades sem intromissão da variante Delta. A propósito, Oliveira revela empregar em suas estufas apenas filmes de polietileno importados da israelense Ginegar. “Entre as opções que conheço, são os únicos que entregam o que prometem”.

 

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