Apenas nos primeiros quatro dias úteis do ano, os preços do petróleo Brent subiram 5,4% e em 6 de janeiro acumulavam alta de 12,4%. No pano de fundo, caem por terra expectativas de declínio do barril justificadas com a economia mundial rateando com a propagação do ômicron. Pelo visto, o temor de piora do caos na cadeia de produção e suprimentos leva países consumidores de peso a aumentarem seus estoques de petróleo, o que amplia e encarece a demanda imediata. O clima de incertezas quanto ao comportamento dos preços do Brent e a eficácia no enfrentamento da nova cepa da covid põe o setor plástico numa enrascada, minando as margens de lucro da petroquímica justo num momento em que ela entra em cena com capacidade mundial ampliada. Na entrevista a seguir, Paul Hodges, dirigente da consultoria New Normal e analista blogueiro do portal Icis, deixa claro que, mais do que uma crise econômica, a indústria plástica enfrenta uma crise de identidade e uma renovação de valores que a estão reconfigurando para garantir sua sobrevida enquadrando-a entre as forças do desenvolvimento sustentável.
Os preços internacionais do petróleo, gás e resinas petroquímicas devem manter o viés de alta durante 2022?
Os mercados do petróleo são pautados por dois elementos: o balanço de oferta e demanda e a geopolítica. Quanto ao primeiro fator, parece altamente evidente que a economia global caminha para a recessão, devido também ao alto patamar atual dos preços do petróleo e gás. Hoje em dia, os preços do petróleo correspondem a cerca de 3% do PIB global, um nível que, no passado, levou o mundo à depressão econômica, exceto numa ocasião. Na primeira metade da década de 2010 (sob efeitos da crise financeira mundial de 2008), a recessão foi evitada pelo bombeamento do estímulo monetário da ordem de US$ 25 trilhões pelos bancos centrais. Mas, ainda assim, os preços do petróleo colapsaram – o barril despencou de US$115 em junho de 2014 para US$28 um ano depois. De volta à conjuntura atual, um novo relatório de monitoramento da Agência Internacional de Energia (IEA, sediada em Paris) assinala que China e Europa estão prestes a ultrapassar suas metas atuais de adesão às energias solar e eólica. O governo alemão, por exemplo, planeja reservar 2% do território a parques eólicos. No tocante aos polímeros, também estão sendo postos na linha de fogo pelo consumo final enfraquecido pelo ingresso na recessão, enquanto novas capacidades ainda estão vindo à tona na Ásia e, em especial, na China.
Qual o peso da geopolítica nesse quadro?
A leitura do cenário ficou mais complicada. Manda a lógica que a Opep deveria manter o barril em preços baixos, de modo a desencorajar investimentos na capacidade de fontes renováveis de energia. Hoje em dia, porém, os preços altos do petróleo tornam mais atraente esse tipo de investimento. Pelo visto, a Opep decidiu focar por enquanto no lucro a curto prazo comprimindo os mercados através de seu esquema de cotas de suprimento de petróleo, uma manobra que, no último trimestre de 2021, privou a demanda mundial de seis milhões de barris diários, estima IEA. No mais, é claro que o erro da China em parar de comprar carvão australiano e o fracasso da Europa em construir um estoque adequado de gás natural antes do último inverno resultou na subida dos preços desse derivado, ferindo com um golpe duplo no bolso dos consumidores locais de energia. Infelizmente, alguém precisa assumir o dano perpretado, haja ou não mudança no posicionamento geopolítico da Opep. Portanto, amarrando-se as pontas, o cenário para a indústria petroquímica não é promisssor, pois os altos preços correntes do barril já destruiram efetivamente este ano a demanda mundial de resinas. Nesse ciclo, a capacidade recém ampliada de termoplásticos chega ao mercado na pior hora, aumentando a pressão sobre as margens do setor, situação inalterável mesmo que os preços do petróleo retornem a níveis mais razoáveis.
O desarranjo logístico global, com alta escassez e encarecimento do frete marítimo continua em campo até dezembro?
Acho que esses problemas já se movem para serem vistos pelo retrovisor. A indústria química é o melhor indicador do cenário econômico global e, a propósito, minha consultoria, New Normal, enfatizou em relatórios desde o início de 2021 os riscos de inflação e gargalos na cadeia mundial de suprimentos. Mas, voltando ao presente, já percebo declínio nos preços dos containers (preço médio de US$ 22.000 no final de novembro último para frete de container da Ásia ao Brasil) e um afrouxamento no caos logístico. E, como sempre, os fabricantes dos bens transportados começam agora a ‘descobrir’ que muito da ‘demanda aparente’ existente devia-se a compradores construindo estoques logo antes da esperada alta dos preços e disponibilidade insuficiente dos produtos em questão, caso de microchips, resinas, produtos químicos etc. O histórico nos mostra que essa ‘demanda aparente’ efetuou um acréscimo aproximado de 10% à demanda real. Desse modo, o relaxamento da pane logística vai evidenciar um doloroso período de ajuste para baixo da cadeia de valor tão logo se regularize o abastecimento de todos esses produtos antes em falta.
Essa crise de suprimento causada pela pandemia questiona a estratégia de produção concentrada num local para atender os mercados mundiais?
O caos logístico também pesou para iniciar uma mudança de paradigma: a substituição da globalização pela estratégia de economias mais regionais e, com isso, boa parte da antiga demanda não volta mais. A China, por exemplo, se acerca da autossuficiência em polipropileno (PP) e ácido tereftálico purificado (PTA, componente de PET) e da redução dramática de importações de outros materiais e o mesmo tende a ocorrer em mercados de polietileno (PE) com o passar do tempo. Além disso, é notório que as embalagens plásticas caminham rápido para serem baseadas em resina reciclada, exigência da demanda de brand owners e consumidores finais, o que diminuirá a procura por plástico virgem. Veja que 50% do consumo de PE e perto de 20% do de PP seguem hoje para embalagens. Ou seja, fica claro um substancial declínio pela frente dos volumes de poliolefinas virgens em embalagens ainda antes de 2025 e 2030.
Acha que as promessas de zerar emissões de carbono (Net Zero) alardeadas na Cop 26 por governos e empresas serão mesmo colocadas em prática?
Eu concordo com a visão de John Kerry, Secretário de Estado do governo dos EUA, de que as dinâmicas de mercado, em termos de negócios e finanças, têm oscilado em favor das estratégias de Net Zero. Kerry diz que o ex-presidente Trump se empenhou em revogar essa política no tocante à produção norte-americana de carvão, mas isso ocorreu mais nos estertores do seu mandato que no começo. Na conjuntura atual, o posicionamento pró Net Zero é ilustrado, por exemplo, pela conquista de três assentos no conselho da petrolífera ExxonMobil pelo fundo privado e ativista ambiental Engine No.1. Isso mostra que os investidores preocupam-se cada vez mais com a desvalorização de ativos se continuarem a aplicar em projetos ligados a combustíveis fósseis. Também vemos essa mudança de paradigma na indústria automobilística, por exemplo. As montadoras praticamente pararam de investir em motores a explosão de gasolina ou diesel e aceleram o congresso em veículos elétricos e autônomos. Da mesma forma, petrolíferas começam a fechar refinarias na presunção da existência de poucos mercados para suas capacidades de gasolina e diesel por volta de 2030.
Há bom tempo não se noticiam investimentos petroquímicos na América Latina, mercado secundário no consumo global de plásticos e não formador de preços internacionais.
Diante disso, a região tende a se tornar, a médio prazo, mais importadora do que produtora de resinas e produtos transformados?
Pelas razões já expostas, o mundo não precisa de mais produção de plástico virgem e, dessa maneira, a América Latina não sofre desvantagem com a recente ausência desse tipo de investimento. No entanto, precisa mover-se rapidamente para desenvolver modelos de negócios que habilitem os plásticos reciclados a desempenhar um papel-chave na futura demanda, em particular no tocante às embalagens. Nesse quadro, o Brasil se coloca melhor que a maioria dos outros mercados devido à disponibilidade de materiais de fontes renováveis para apoiar a esta exigida adequação na transformação de resinas. Um relatório recente do Nova Institute (sediado na Alemanha) para a Unilever traça um trajeto no qual prevê para o reciclado a parcela de 2/3 da produção mundial de plásticos até 2050, com polímeros não oriundos de fontes fósseis respondendo pela fatia restante. Em suma, companhias que começam a focar em áreas relacionadas à reciclagem têm agora uma fantástica oportunidade para aumentar o faturamento e lucratividade.
Quais as consequências da crescente autossuficiência buscada em PE para as estratégias de exportação do excedente da resina dos EUA?
Nunca fez muito sentido o foco dos EUA na suposta vantagem do shale gas (petróleo e gás natural extraídos do fraturamento hidráulico do xisto) para suportar o incremento de sua capacidade de PE. A demanda norte-americana da resina não aumenta há 20 anos canalizando assim a nova capacidade implantada para exportações, sendo a China o único mercado de maior porte. Claro que a guerra comercial iniciada por Trump contra a China em nada ajudou e, inevitavelmente, levou o governo de Pequim a medidas preventivas para proteger seus mercados. Por causa disso, os produtores de PE dos EUA hoje encaram uma decisão complicada. Ou reconhecem seu erro e, tal como age hoje a indústria automotiva, partem em busca de um novo modelo de negócio, baseado obviamente na reciclagem, ou continuarão no estado de negação que resultará no seu desmantelamento por concorrentes que compreendem a nova oportunidade de negócios desenvolvendo materiais reciclados. •