O aperto do gargalo

Insuficiência de coleta seletiva freia avanço da reciclagem de PET
Insuficiência de coleta seletiva freia avanço da reciclagem de PET

Termoplástico mais reciclado no Brasil (praxe mundial) e o mais brindado com investimentos maciços em sua recuperação, PET só não alarga esta sua liderança no Brasil por motivos que escapam da alçada de sua cadeia produtiva. Uma referência do fascínio exercido sobre empreendedores: investimentos recentes já asseguram que, até 2025, a capacidade brasileira para reciclar PET grau alimentício atingirá 305.000 t/a, confirma Irineu Bueno Barbosa Junior, dirigente da recicladora Global PET e diretor da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet). Apesar desse esplendor, a reciclagem nacional do poliéster convive há décadas com um flanco vulnerável e que a reprime: o gargalo no suprimento de matéria-prima. O ataque a esta lacuna, via implantação em alta escala da coleta seletiva, foi assegurado na lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), homologada em 2010 e até hoje permanece um avantajado déficit do país nessa maneira sustentável mais adequada para o descarte de lixo. Na entrevista a seguir, Auri Marçon, presidente executivo da Abipet, comenta indignado este descompasso que impede a reciclagem do poliéster de expandir bem mais e com rapidez.

Auri Marçon: nível excelente de reciclagem para um país com poucas cidades com coleta seletiva.
Auri Marçon: nível excelente de reciclagem para um país com poucas cidades com coleta seletiva.

No ano passado, segundo dados setoriais, o Brasil gerou 785.000 toneladas de resíduos pós-consumo de PET e produziu 420.000 toneladas do poliéster reciclado. Como avalia a magnitude dessa lacuna e suas causas?
Por termos contato direto e quase diário com o setor de reciclagem e com as empresas usuárias do PET pós-consumo reciclado (PCR), podemos dizer com muita segurança que os melhores números sobre a reciclagem nacional da resina são os que a Abipet obtém através do Censo da Reciclagem de PET no Brasil. Como o próprio nome diz, trata-se de um verdadeiro censo anual e não uma pesquisa estatística. Isso posto, chegamos aos seguintes números para a reciclagem de PET: em 2021 foram recicladas cerca de 360.000 toneladas de garrafas pós-consumo, diante de um consumo de PET para embalagens descartadas nos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) de 635.000 toneladas. Isso equivale a dizer que reciclamos 56,4% das embalagens descartadas nos RSUs, ou o equivalente a aproximadamente 12 bilhões de garrafas. É um nível considerado excelente para um país com menos de 10% de suas cidades cobertas por coleta seletiva, o que permitiria mais acesso ao material para reciclagem.
Em suma, só não se recicla mais PET por não haver coleta suficiente para abastecer as recicladoras. Aqui, sim, a ociosidade tem um motivo definido: falta de coleta seletiva!

O Brasil fecha 2023 com capacidade instalada para reciclar 480.000 t/a de PET pós consumo. Qual a sua estimativa para a produção de rPET este ano e como avalia os respectivos fluxos de investimentos atuais na reciclagem convencional e na reciclagem do poliéster grau alimentício para a necessária ampliação da capacidade nacional de reciclagem de PET, quase esgotada?
O cenário do PET PCR grau alimentício (ou BTB, bottle to bottle), é de elevação da capacidade no Brasil, haja vista a onda recente de anúncios de diversas ampliações ou plantas novas em diversas regiões. Só não temos mais investimentos devido ao gargalo na coleta.
As leis apertam os empresários para investimentos em reciclagem e aliviam o poder público municipal da obrigatoriedade de implantar sistemas de coleta seletiva. As metas das cidades vêm sendo adiadas desde a publicação da PNRS há 13 anos! No caso do PET, isso é absolutamente conflitante!
Cabe esclarecer que a capacidade de PET PCR não está esgotada, mas existe um gargalo por falta de matéria-prima (pós-consumo) para abastecer as plantas.

Por que brand owners tanto determinam o uso de PET reciclado e tão pouco divulgam ao público a presença do material em suas embalagens, como prova de apoio à sustentabilidade?
Sobre divulgar ou não o uso do conteúdo reciclado em suas embalagens, penso que as empresas podem estar em níveis diferentes de maturidade em relação aos seus planos de ESG e nas definições de prioridades para seus relatórios de materialidades. Não vejo pessimismo nesse caso. Nos últimos 10 anos, houve uma enorme evolução nesse sentido e, hoje em dia, os grandes brand owners fazem até publicidade de seus projetos envolvendo conteúdo reciclado. Acho que o PET reciclado está na moda e pode, sim, ser fator de orgulho das empresas. Mas cada empresa escolhe seus caminhos de comunicação.

Como a Abipet avalia a possibilidade de atrair brand owners usuários de PET para seu quadro de associados?
Diversos brand owners já solicitaram associar-se à ABIPET, mas nosso estatuto, infelizmente, não permite. As empresas precisam estar vinculadas à produção da resina, virgem ou reciclada, ou serem transformadoras, produtoras de pré-forma, lâminas, bobinas etc. Enfim, precisam ter como foco de suas atividades o PET ou a embalagem PET.
É alto o índice de PET pós-consumo coletado e desperdiçado no Brasil. Poderia dar exemplos de falhas no design da embalagem e de contaminação da resina PET pós-consumo que inviabilizam a reciclagem mecânica? O que a Abipet pretende fazer em 2024 para combater esse alto desperdício do resíduo do poliéster?
Ótima pergunta. Temos muito a evoluir nesse ponto. Pelo nosso Censo da Reciclagem, identificamos que há, no Brasil, um desperdício médio de cerca de 25% do material coletado durante o processo de reciclagem. Boa parte (quase a totalidade) advém de imperfeições no design da embalagem. Além de determinados rótulos e cores, a formação do fardo para transporte gera uma quantidade razoável de outros materiais que não podem ser reciclados junto com PET e que se transformam em prejuízos para o reciclador.
Aliás, essa é a palavra correta – prejuízo. Não se trata de resíduo da reciclagem ou de desperdício ambiental, mas, sim, de prejuízo ao reciclador. Os materiais que chegam nos fardos e que não podem ser reciclados junto com o PET acabam por ter também uma destinação ambientalmente correta. PET colorido, tampas e rótulos e até embalagens de outros plásticos são também reciclados e vendidos ao mercado, mas não têm o mesmo valor comercial que o PET (transparente ou translúcido). O reciclador acaba por absorver essa diferença, ou seja, compra a sucata como PET, mas vende o reciclado como outros plásticos menos valorizados que o poliéster, daí o prejuízo.
A ABIPET produziu, em 2010, o Guia da Reciclabilidade da Garrafa PET (integra regulamentação da Associação Brasileira de Normas Técnicas) e atualizou seu conteúdo em 2023. Em breve, lançaremos essa versão renovada no mercado. •

 


 

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