Contra números não há argumento. Em 2018, o Brasil reciclou 757.000 toneladas de um total de 3,4 milhões de toneladas de resíduos plásticos, aferiu pesquisa da consultoria MaxiQuim encomendada pelo PICPlast. Do volume recuperado, PET reluziu na dianteira com participação de 43%. No compartimento específico do poliéster, os indicadores afloram do 11º Censo da Reciclagem de PET no Brasil, realização da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet) e traduzem um setor em alta voltagem, contabilizando mais de 310.000 toneladas recicladas no ano passado, equiparáveis a 12% acima do saldo anterior e representativas de uma receita orçada pela entidade em R$ 3,6 bilhões. O pente-fino da Abipet percorreu 160 empresas entrevistadas, das quais uma parcela de 22% cabe a recicladoras; 70% a aplicadoras (empresas que compram e usam PET reciclado em seus produtos) e 8% a transformadores do poliéster verticalizados na reciclagem. De acordo com o censo, limitações na coleta explicam a ociosidade acima de 30%, aferida na média entre as plantas recicladoras de PET, deixando subentendido o vigor do setor para dar conta de um volume maior de poliéster pós-consumo nos próximos anos, à sombra do esperado aumento da coleta seletiva e do contingente de cooperativas de catadores e centrais de triagem de resíduos, perspectivas tornadas factíveis pelo engajamento da sociedade no oratório da economia circular. 2020 já é dado como ano perdido para a economia e não há como a reciclagem de PET no país escapar de um recuo pontual . Mas o fluxo de investimentos no setor e a pressão de indústrias finais adeptas da sustentabilidade pelo emprego crescente da resina recuperada de qualidade em suas embalagens deixam claro que o antevisto declínio na atividade este ano tende a ser um acidente de percurso e, como demonstra nesta entrevista Auri Marçon, diretor executivo da Abipet, a reciclagem de PET caminha para entranhar-se na vida brasileira – haja o que houver na conjuntura econômica.
Em 2009, o Brasil reciclou 262.000 toneladas de um consumo de PET virgem estimado em 522.000 toneladas. Em 2019, qual o volume total de consumo de poliéster virgem do qual foram geradas 311.000 toneladas de reciclado?
O volume de PET virgem, direcionado no Brasil à produção de embalagens descartadas pelos consumidores e disponibilizadas para reciclagem, foi de 566.000 toneladas em 2019. Essa é a base para o cálculo do índice de reciclagem de garrafas PET, que atingiu 55% no ano passado. Cabe esclarecer que a demanda total de PET virgem é um pouco maior, pois existem outras aplicações, tais como peças injetadas, envase de produtos químicos controlados, óleos lubrificantes, agroindústria, remédios etc. Embora em quantidades menores, esses segmentos somados variam ano a ano entre 4% e 8%. Eles constituem embalagens controladas em circuitos fechados e não podem ser descartadas junto com resíduos sólidos urbanos.
Entre 2009 e 2019, o volume de PET pós-consumo reciclado no Brasil aumentou em torno de 50.000 toneladas. A timidez desse desempenho é explicada apenas pelos clássicos argumentos dos altos e baixos da economia nacional?
Quem acompanha de perto o setor sabe que os produtos comercializados em embalagens de PET, assim como os fabricados com material reciclado, estão inseridos num contexto macroeconômico que não pode ser desconsiderado numa análise séria de desempenho. No caso específico da reciclagem, o período entre 2009 e 2019 foi turbulento e vários segmentos consumidores de PET reciclado sofreram impactos, em especial os setores automotivo, têxtil e químico. Apesar desses altos e baixos, o segmento do PET e, principalmente, do poliéster reciclado, não ficou parado. Além de promover completa renovação tecnológica, cresceu quase 20%. Em 10 anos, muitas empresas quebraram e segmentos inteiros foram quase dizimados. Ao mesmo tempo, o desempenho do segmento do PET reciclado pode ser considerado muito positivo e poderia, inclusive, ter sido muito melhor. Como em 2011, 2012, 2013, 2018 e 2019, por exemplo, não fosse a restrição na coleta.
Como sabe quem acompanha o mercado de perto, vários projetos que propiciariam o uso do PET reciclado ficaram engavetados porque as empresas (investidores de diversos segmentos) avaliavam o risco de ficar sem matéria-prima para abastecer suas fábricas. É provável que os consumidores e quem não é do setor não saibam, mas, desde 2009, apesar de todas as turbulências, houve uma enorme transformação na indústria do PET e, em particular, na do poliéster reciclado. O Brasil duplicou sua capacidade produtiva de resina virgem (1 milhão de t/a), com potencial para abastecer a América Latina e garantindo o abastecimento de toda a cadeia de suprimentos para novos crescimentos na injeção e sopro da embalagem (transformação). Nos processos de produção de pré-forma e garrafa, o parque industrial passou por uma enorme atualização, com significativo aumento de produtividade, em especial em termos de diminuição da gramatura das garrafas. Estudos da Abipet mostram que essa modernização permitiu a redução do peso da ordem de 25 a 30% nos últimos 10 anos, mesmo com o uso do PET reciclado. Nenhum outro material de embalagem chegou perto desse patamar.
No campo da reciclagem não foi diferente. A evolução da qualidade do produto acabado (RPET) foi fantástica. Uma referência: em 2009, menos de 10% do PET reciclado voltava a ser embalagem novamente. Hoje, esta é a destinação que mais cresce, consumindo 23% do PET reciclado em 2019. Isso não aconteceu por acaso: mais de US$ 100 milhões de dólares foram investidos em hightech.
Neste contexto, como vê a evolução da reciclagem bottle do bottle (B2B) de PET no país?
Partimos de apenas um caso, em 2009, para mais de 10 empresas hoje homologadas como produtoras de RPET grau alimentício pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Várias outras estão em processo de avaliação. Vale também ressaltar, a propósito, o papel exercido pelas embalagens termoformadas. Munidas de tecnologia moderna, vários transformadores de chapas e bobinas foram homologados pela Anvisa e já produzem embalagens de alto nível para alimentos sólidos, com a vantagem de contarem com sistemas flexíveis que permitem o uso de resina virgem ou reciclada em mono ou multicamada. Segundo a nova edição do nosso censo de reciclagem, esse segmento consumiu 17% do PET recuperado em 2019.
O ímã da pegada verde
“O Brasil reciclou 55% do PET consumido no ano passado, prova da capacidade de coleta e transformação da sua indústria”, interpreta Luis Bittencourt, gerente de vendas de ácido tereftálico purificado e PET da PQS, maior produtora da resina virgem no país. “PET é 100% reciclável e a pegada de carbono de uma embalagem de bebida produzida com o poliéster recuperado pode ser de 15% a 50% menor que a similar à base de outros materiais”, ele assinala. “Daí porque acreditamos que a decisão de usar PET reciclado é estratégica para grandes indústrias de produtos finais e não deve ser influenciada sobre movimentos pontuais de preços como o do mercado atual e que decerto vai passar”.
Qual a participação% de PET BTB no volume total de 311.000 toneladas recicladas aferido em 2019? E qual era esta mesma participação no volume total de 262.000 toneladas recicladas em 2009?
Uma parcela de 23% do PET reciclado é utilizado para produção de embalagens rígidas (BTB). Em 2009, essa participação era de aproximadamente de 10%. O grande crescimento se deveu aos investimentos em tecnologia de ponta que transmitiram segurança e estimularam os grandes players de refrigerantes a utilizar mais PET reciclado em sua composição de matéria-prima. Os altos volumes mobilizados por esses players fizeram crescer o consumo de reciclado BTB.
O que tem faltado para esse desempenho se intensificar?
Fato já muito debatido, a coleta de garrafas é o gargalo para a cadeia de suprimentos da reciclagem. A situação só pode ser revertida com investimentos em sistemas robustos de recolhimento e separação, como coleta seletiva e centros de triagem. Do ponto de vista lógico, crescer de um patamar de reciclagem de 5% para 10% ou de 20% para 30% já é difícil, mas ainda se encontra muito materiais (garrafas) disponíveis para coleta. Mas, crescer de 40 para 45% é muito mais duro, pois a disponibilidade diminui muito e a logística fica muito mais cara e complicada. O material não flui no que se conhece como logística reversa e não chega às recicladoras. No fim das contas, é frustrante, pois as garrafas PET, com um bom valor de mercado, acabam sendo enterradas.
Com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS- lei 12305), o Ministério Público, alguns legisladores e, óbvio, políticos do poder executivo, parecem mais preocupados em cobrar as ações do setor privado, mas não cumprem suas obrigações. Como exemplo, temos o adiamento constante do Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos, que as prefeituras deveriam ter entregue há anos ao Ministério do Meio Ambiente, delimitando os avanços da coleta seletiva desse refugo. No momento, nossa esperança está voltada para a implantação de sistemas profissionalizados conhecidos como MRFs (Material Recovery Facilities). Trazem robustez e constância ao abastecimento de materiais recicláveis para as indústrias do setor.
Das mais de 160 empresas entrevistadas no censo da Abipet, quantas delas produzem PET reciclado pelo sistema BTB?
Para um melhor entendimento, é importante esclarecer que existem empresas aptas a fornecer PET reciclado BTB (embalagens de detergentes, produtos de limpeza, etc) e outras BTB Grau Alimentício, possuidoras da carta de não objeção da Anvisa. Estão aptas a fornecer para embalagens de produtos alimentícios e cosméticos. Hoje em dia, cerca de 15 unidades estão aptas a fornecer material para BTB e pelo menos oito delas estão certificadas para suprir PET reciclado para embalagens alimentícias, sejam garrafas ou bandejas termoformadas.
Qual a atual capacidade instalada no Brasil de PET reciclado convencionalmente? E qual a atual capacidade de PET reciclado BTB?
A capacidade total de reciclagem de garrafas PET é de 400.000 t/a. Mas, infelizmente, não foram disponibilizadas para a compilação do nosso censo as informações sobre capacidades de reciclagem BTB.
Como avalia a influência e o impacto da capacidade brasileira de 1 milhão de t/a de PET virgem sobre o consumo nos últimos anos de PET reciclado convencionalmente? E sobre o consumo de PET BTB?
Do ponto de vista dos transformadores, existe sempre a expectativa de que o excedente de capacidade de PET virgem venha a aumentar a competitividade, o que de fato traz um dinamismo sadio às operações dos dois produtores da resina no Brasil. Já o PET reciclado, tem uma estrutura operacional e de custos dependente de catadores, sucateiros, cooperativas, transporte rodoviário de grandes distâncias etc. Isso é completamente diferente da estrutura dos derivados do petróleo. No passado, o PET reciclado era tratado com um produto secundário e por ele era pago um valor muito inferior aos da resina virgem. Isso acabou. O RPET melhorou e atingiu um padrão alimentício o que, no mínimo, igualou seu valor de mercado ao da resina virgem e, em alguns períodos, pode até ser maior. Algumas empresas que compram e consomem PET recuperado ainda tentam ignorar essas diferenças básicas, uma postura cada vez mais relegada ao passado. Em suma, a dinâmica do consumo do material para segundo uso é regida por suas características técnicas, custo competitivo e compromisso com o meio ambiente.
Não basta sorrir para a economia circular
As lacunas na sustentação econômica da reciclagem de PET
A omissão do poder público e o contágio dos preços deprimidos da resina virgem ajudam a explicar, ao lado da insuficiente e instável cadeia de suprimento de resíduos, porque o volume de PET reciclado no Brasil cresceu com acanhamento, de 262.000 para 311.000 t/a, entre 2009 e 2019. Luca Geronimi, CEO da CPR, produtora de PET reciclado grau alimentício do conglomerado ValGroup, percebe esse avanço discreto refreado por um tripé. “A timidez da expansão nos últimos 10 anos decorre da falta de obrigatoriedade no uso de resinas recicladas na composição final das embalagens; preço baixo da resina virgem e falta de incentivo tributário na venda do plástico recuperado”.
A ausência de imposição do emprego da resina reciclada, ele reitera, a empurra para concorrer com o super ofertado PET virgem. “Do ponto de vista comercial, portanto, não se cria um mercado independente de resinas recuperadas com sua lógica econômica de precificação”, ele constata. “Junto com a inexistência de incentivo tributário, ao menos na esfera federal, esse cenário tira o atrativo do retorno do capital a ser aplicado para incrementar a reciclagem no país, o que também depende de ajustes na cadeia, desde a coleta à produção da resina para segundo uso”.
O estado da arte na seleção de materiais e cores
Nos últimos oito anos, a norueguesa Tomra Sorting contabiliza cerca de 15 recicladores de PET usuários de seus sistemas de seleção, tanta na etapa de purificação do flake como na triagem de garrafas pós-consumo, informa Carina Arina, executiva da base de vendas da empresa no Brasil.
Entre as tecnologias da Tomra mais adequada às peculiaridades da reciclagem de PET no Brasil, Carina distingue, na etapa da pré-lavagem, a atuação do sistema Autosort na seleção de garrafas em linha com as especificações do cliente. Na mesma trilha, ela destaca a recente introdução da geração de equipamentos Autosort com sensores de infravermelho próximo (NIR) e sensores visuais (VIS), respectivamente destinados a identificar polímeros e cores. “O equipamento também conta com o aprimoramento da tecnologia Flying Beam associada à solução Sharp Eye, resultando na melhora da iluminação e redução acentuada de ruídos de leitura dos objetos”, descreve Carina, acrescentando como novidade para seleções mais complexas sistema Deep Laser. “É baseado na identificação por sensor de laser com inteligência artificial”, ela assinala. Na esfera da purificação de flakes de PET, Carina ressalta os méritos das soluções Autosort Flake e Innosort. “Ambos os sistemas exibem a combinação de NIR com câmara RGB de alta resolução, sendo o Autosort Flake direcionado a produtos especiais dependentes de pureza muito alta, enquanto Innosort, de cunho mais econômico, efetua a separação de cores e realiza a retirada de contaminantes de cada tipo de material e cor”. Munida da tecnologia Sharp Eye a nova geração Autosort também sobressai na separação de garrafas em meio a bandejas de PET, complementa Carina.
Precificação independente
Geronimi reconhece o apoio à expansão da reciclagem dado pelos mandamentos da economia circular, mas isso não é meio caminho andado. “Para a produção de PET reciclado crescer de fato é preciso desvinculá-lo do mercado da resina virgem e embarcar num caminho independente de precificação por meios como a adoção obrigatória do material nas embalagens”, esclarece o dirigente da CPR. “Com a resina reciclada mais valorizada, surgirão mais recursos na cadeia para viabilizar o crescimento do setor”. Na selfie atual da praça, o consumo brasileiro de PET virgem há bons anos estaciona na metade da capacidade instalada de 1 milhão de t/a. É um ponto importante para a reciclagem se firmar, insere Geronimi, pois a resina recuperada é de livre escolha e seu crescimento depende de um preço competitivo perante o poliéster 0 km. Ele chama a atenção, a propósito, para a conjuntura de PET na União Europeia (EU). “Embora o preço da resina virgem tenha caído bastante, o de PET reciclado segue estável a níveis pré-pandemia, mantendo assim a cadeia viva e expansão”, comenta o reciclador. “Esse comportamento do preço do reciclado foi possibilitado pela diretiva 2019/904 ao prescrever medidas incentivadoras do uso do material (plásticos recuperados) na UE e cuja eficácia será aferida a partir de 2026. O impacto da diretiva já é sentido e a precificação do PET reciclado já transcorre desatrelada da resina virgem”.
O atalho perfeito para a reciclagem
Processo contínuo de cristalização e secagem de flakes de PET a serem convertidos em reciclado grau alimentício, o sistema IR-Clean® introduzido em 2019 pela alemã Kreyenborg faz sua segunda aparição na América do Sul na fábrica da recicladora paulista Resilider, que fechou a compra do compacto equipamento no último trimestre do ano passado. “Apostamos no sistema por ser uma tecnologia de ponta e revolucionária que nos proporcionará melhores resultados no tempo e facilidade no processo de cristalização de PET”, justifica Lucas Quintale, diretor de operações da Resilider.
Contemplado com carta de não objeção da agência regulatória norte-americana Food and Drugs Administration (FDA) e em conformidade com os critérios para uso de reciclados prescritos pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), o sistema IR-CLEAN® , proporciona excelência na descontaminação sem depender da tecnologia de vácuo e períodos prolongados de pré-aquecimento. “O método de descontaminação mais convencional é o do grande reator a vácuo baseado em lentos processos de polimerização no estado sólido”, esclarece Marcus Voght, gerente comercial da Kreyenborg, representada no Brasil pela Techfine. “Ele não só ocupa espaço demasiado na fábrica como requer do operador maiores conhecimentos do processo complexo e sua manutenção é onerosa”. Em determinados casos, ele assinala, a pré-cristalização é necessária e transcorre com morosidade na tecnologia a vácuo”. No âmbito da cristalização e secagem, prossegue o técnico, os sistemas de secagem por ar quente disponíveis na praça perdem em eficiência energética e tempo de execução para a tecnologia de aquecimento direto com luz infravermelha da Kreyenborg. “Além do mais, desconheço qualquer secador de ar quente aprovado pela FDA”, arremata Voght. Com baixo custo de manutenção, o sistema pode ser ativado diretamente com material frio, ressalta o gerente. O sistema IR-CLEAN® possibilita que cristalização e secagem (até 50 ppm) transcorram num único processo contínuo e o recurso do tambor rotativo com hélice interna garante um fluxo definido de materiais, repassando-os à etapa de extrusão após curto tempo de residência. “Mesmo indústrias munidas de extrusoras monorrosca podem obter PET reciclado grau alimentício empregando o IR-Clean®”, conclui Voght.
Mudança de mentalidade
Larissa Quintale Mizukami, diretora administrativa da Resilider, fornecedora de PET reciclado grau alimentício, concorda que a resina virgem baliza o preço do reciclado, mas pondera que os usuários do material para segundo uso não abrem mão dele. “O mercado continua de pé, ainda que empresas consumidoras de PET virgem disponham no momento de melhores ofertas de matéria-prima”, ela avalia. “Em geral, quando se fala em reciclado se associa o material a produto de baixo custo. Desse modo, quando transformadores deparam com o preço de PET reciclado grau alimentício, sua expectativa de valor é outra e muitas vezes acabam preferindo seguir com a resina virgem, o que explica a discrição do crescimento do consumo desse poliéster recuperado mais nobre”. A saída para minar essa reação, ela defende, é mudar a mentalidade do mercado consumidor do plástico reciclado. “Nosso olhar deve extrapolar a questão do custo da matéria-prima, considerando-a não só um meio de redução de custo, mas, em especial, um produto que beneficia a economia circular e com o qual ganham as empresas, os consumidores e o meio ambiente”.
A diretora da Resilider reconhece que o crescimento da reciclagem de PET no país poderia ser intenso se houvesse maior participação do poder público em prol da coleta seletiva e da sensibilização da sociedade quanto ao descarte responsável. “Se queremos mais PET para reciclar, dependemos de uma coleta seletiva de âmbito nacional e que o resíduo recolhido siga para depósitos que saibam armazenar o material de forma correta, facilitando assim a operação do reciclador”. Na mesma trilha, Larissa defende que curadores de embalagens sejam informados sobre os processos de reciclagem. “A concepção da embalagem deve estender-se ao pós-consumo, requerendo assim noções como a seleção de materiais que possam ser misturados sem inviabilizar a reciclagem, o tipo de rótulo adequado a ela e cores possíveis de serem recicladas e reutilizadas em grandes volumes”.
Triagem no piloto automático
Verbete global em soluções para automatizar uma fábrica de triagem de garrafas pós-consumo de materiais como PET, a alemã Stadler trabalha para abrir caminho na cadeia da reciclagem do poliéster na América Latina. As indicações dos equipamentos dependem de peculiaridades dos clientes como capacidade de tratamento, material de entrada ou a área ocupada pela unidade. “Em linhas gerais, porém, uma recicladora que recebe em fardos os lotes do refugo de PET pode abrigar um contingente de componentes automatizados da Stadler”, coloca Sergio Atienza, diretor da empresa responsável pela América Latina. Ele abre a lista com o equipamento de alimentação com quebra-fardos, peneira para retirar partículas de materiais (areia, vidro,pedras etc) presentes nos fardos e um removedor de rótulos. “A relação também engloba o equipamento de separação magnética, para remoção de ferrosos, e o de separação balística, para desagregar e separar garrafas, rótulos e finos”, assinala Atienza. A listagem, fecha com separadores ópticos de tipos de plásticos e cores; um triturador e, ao final da linha, uma prensa para diminuir o volume do material de saída transportado para o processo de reciclagem. “Para um reciclador com capacidade a partir de 2 t/h já começa a ser economicamente interessante automatizar seu sistema de triagem de garrafas”, ele avalia.
Entre os pontos altos da tecnologia da Stadler, Atienza distingue o sistema de remoção de rótulos de corpo inteiro, a cargo dos modelos DL-1600 (capacidade até 4-6 t/h) e DL-2000 (capacidade de até 8-9 t/h). O equipamento dispõe de lâminas de aço presas por um lado de maneira suspensa no rotor e, do outro, fixadas na parede interna da carcaça. “A máquina consta de um cilindro, eixo central, braços móveis e facas de corte”, detalha o especialista. Movido através de correias em alta velocidade, o eixo reponde pelos movimentos dos braços móveis. “As garrafas entram pela parte superior do cilindro e são pressionadas contra as facas devido à rotação do eixo com os braços móveis”, explica Atienza. “Com rotação em velocidade elevada, as garrafas recebem repetidos golpes que removem os rótulos e, ao final do processo, tanto eles como as garrafas saem pela abertura inferior do equipamento”.
Brand owners dúbios
O excedente global e brasileiro de PET virgem não sai de cena tão cedo e a pandemia e recessão contribuem para depreciar mais ainda os preços do polímero, analisa Irineu Bueno Barbosa Junior, sócio e diretor comecial da recicladora Global PET. “No ramo de PET reciclado bottle to bottle (BTB), teremos que nos adaptar à realidade nacional e produzir resinas melhores e mais baratas”. A propósito, ele ressalta que só no Terceiro Mundo o preço de PET reciclado só tem relação com o da resina virgem. “Essa barreira já foi quebrada em países desenvolvidos por entendimentos com base na economia circular entre governos e empresas”, ele nota. “ Esses acordos resultaram em valorização das resinas recicladas, pois seu consumo contribui para a proteção ambiental e, em apoio à sustentabilidade, surgem, em especial na Europa, movimentos defensores da taxação sobre o consumo de resinas virgens”.
O 11º censo de reciclagem da Abipet evidencia que PET BTB mobilizou 23% das 311.000 toneladas do poliéster recicladas no país em 2019. Para Barbosa, esse indicador demonstra a crônica ociosidade elevada desse segmento. “As recicladoras habilitadas para operar a tecnologia BTB totalizam capacidade acima de 154.000 t/a e atuam em outros mercados para melhorar seu nível de ocupação. “Elas sofrem com o Custo Brasil, que inibe exportações e anima importações de PET virgem, e com brand owners que se dizem defensores do meio ambiente mas sujeitam o poliéster reciclado às regras de precificação da resina virgem. Nesse contexto, as recicladoras de PET BTB são heroínas por estar vivas e, apesar das dificuldades, conseguiram crescer muito nos últimos anos”. Barbosa arremata que o segmento exige investimentos em sistemas de coleta mais eficientes; revisão tributária da cadeia, dos depósitos de sucata ao compartimento dos produtos finais e, por fim, o reciclador salienta a necessidade de brand owners entenderem que a precificação da resina reciclada difere da aplicada ao polímero virgem.
Na contramão de boa parte dos analistas, Bueno não considera modesto o aumento ao redor de 50.000 toneladas na produção brasileira de PET reciclado nos últimos 10 anos, passando de 262.000 para 311.000 toneladas, conforme o censo da Abipet. “A de grrafas PET recicladas cresceu cerca de 20% entre 2009 e 2019, mas a quantidade dessas embalagens subiu muito mais que isso”, destaca o dirigente da Global PET. Ele encaixa que na última década a evolução tecnológica da transformação de PET foi digna de nota. “Foi grande o avanço na redução do peso das embalagens e significativo o aumento da demanda de porções menores de bebidas como refrigerantes e água mineral, acondicionadas em frascos pequenos e mais leves”, expõe Barbosa. “Daí a minha estimativa de que, hoje em dia, as recicladoras trabalham com quase o dobro do número de garrafas com que operavam há 10 anos e, por extensão, a diminuição do volume de frascos de PET desovado em aterros é muito maior do que o aumento de 20% na produção de PET reciclado calculado pelo censo da Abipet”.
Alguma coisa deve mudar – para melhor
Nº1 global em PET virgem, Indorama ingressa na reciclagem da resina no Brasil
Dois anos após debutar como produtora de PET virgem no Brasil, efeito da aquisição global do Grupo M&G, a Indorama Ventures estende o braço na reciclagem da resina grau alimentício ao formalizar em 8 de junho, a compra da indústria mineira AG Resinas. Ela soma-se a uma operação de reciclagem do conglomerado no planeta que alinha unidades na matriz tailandesa, México, EUA, França e Holanda e, conforme assegura em seu site, a companhia, reciclou 50 bilhões de garrafas de PET nos últimos 10 anos e conta com clientes múltis do peso da Coca-Cola. “Por se tratar de um líder mundial de resina PET, a expectativa desse novo investimento da Indorama no Brasil é muito boa, pois decerto proverá o mercado com reciclado de alta qualidade e com volumes compatíveis ao seu porte e abrangência de operações”, pondera Auri Marçon, diretor da Associação Brasileira da Indústria de PET (Abipet). “Vale frisar que esse investimento está sendo feito num Brasil de economia desgastada e com demanda de baixo perfil, o que significa que não se trata de oportunismo de negócios, mas de planos de longo prazo. Além disso, projetos desse tipo se encaixam muito bem com o plano dos grandes brand owners que anunciaram expandir o uso de conteúdo reciclado em suas embalagens”. O dirigente assinala que a planta adquirida estava parada e seu retorno à ativa configurará um jogo de ganha-ganha. ”Para o investidor, que passa a ter PET reciclado no seu portfólio de produtos; para os clientes de embalagens PET, que terão mais opções de fornecedores e, por fim, para a indústria de reciclagem como um todo, com a retomada de uma capacidade instalada com qualidade”.
Maximilian Yoshioka, diretor comercial da Indorama Ventures Brasil, racionaliza a transação assinalando as taxas de reciclagem de PET no Brasil estão em estágio de grande maturidade, com índices acima de 50% do material consumido. Com esse perfil, a robustez do mercado interno de resina virgem e a política global de endosso da Indorama à economia circular, a compra por montante da recicladora AG Resinas, já rebatizada como Indorama Ventures Soluções Sustentáveis Brasil, complementará os negócios de PET virgem e fibras de poliéster da empresa no Brasil.
Sediada em Juiz de Fora, a quinta recicladora da Indorama disõe de capacidade instalada na faixa de 9.000 t/a, volume equiparado à reciclagem anual acima de 400 milhões de garrafas PET de água mineral e refrigerantes. Yoshioka retoma o fio assinalando o atrativo logístico da localização da unidade. “Fica próxima de fontes de suprimento de garrafas pós-consumo: os centros urbanos de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo”.
Outros chamarizes para a Indorama incorporar a Ag Resinas, encaixa Yoshioka, foram a certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a produção de PRET reciclado grau alimentício e a tecnologia de ponta da planta, a cargo de equipamento da austríaca Starlinger. “Trata-se de um modelo recostar PET 125 HC IV+, com potencial para produzir até 1.000 kg/h), especifica Tobias Jungblut, diretor do escritório comercial da Starlinger no Brasil. “A máquina dispõe de um processo que permite a completa rastreabilidade do material, desde a entrada do flake à saída do granulado pós-condensado, garantindo assim o mesmo nível de contaminação e elevação da viscosidade para toda a matéria-prima”, Ou seja, ele acentua, o equipamento garante ao reciclador um índice de viscosidade com máxima precisão e ausência absoluta de contaminantes no processo, incluso acetaldeído. Jungblut enfatiza que o processo de rastreabilidade permite ao reciclador interromper a produção ou desviar o material afetado por eventuais problemas como queda de energia ou falta de alimentação de água ou de ar comprimido. “Se determinada quantidade de PET não passar pelas mesmas condições de tratamento, apenas o volume afetado pode ser reconduzido a uma estação separada de big bags, para aproveitamento em outra destinação”. Junglubt arremata as virtudes da tecnologia Starlinger com a possibilidade de um reaproveitamento térmico da energia injetada no sistema, trunfo para economizar eletricidade ao longo do processo.
A Indorama já implanta mais um turno de produção em Juiz de Fora, para atingir a capacidade nominal disponível, adianta Yoshioka. “Temos um plano de investimentos já aprovado para dobrar o potencial da unidade em 24 meses”, frisa o diretor. •