Muito além do teto da meta

O arranque dos compostos de PP não engasga

Responsável por mais de 50% do peso dos plásticos nos carros nacionais, os compostos de polipropileno (PP) prosseguem nas berlindas de todas as frentes das obsessões das montadoras, seja a redução de peso, o apuro estético, a economia de combustível ou a vida útil da autopeça. Nesta entrevista, os avanços e próximos passos em termos de desenvolvimentos do material são dissecados por uma asa delta mineira em componentes de PP como painéis de instrumentos, o engenheiro mecânico Douglas Antunes Gonçalves, pós-graduado em Engenharia de Plásticos e Processos Metalúrgicos de fabricação (e-mail para contatos: douglasantunes@bol.com.br)

Antunes: aumento de teor da fibra complica injeção.
Antunes: aumento de teor da fibra complica injeção.

PR – Quais os requisitos técnicos em compostos de PP mais difíceis de serem atendidos pelos fornecedores da indústria automobilística?
Gonçalves – Eficiência energética e resistência às intempéries e ao risco. Sob chuvas cada vez mais ácidas e temperaturas mais elevadas no planeta, os materiais plásticos aplicados na indústria automobilística devem evoluir para atender às novas condições climáticas e de uso. Resistência ao risco, por sinal, embute o intento de alcançar a excelência nesse quesito sem prejuízo de outras propriedades, principalmente a tenacidade. Acredito que o maior desafio seja o da eficiência energética. Afinal, cada grama economizado conta para o veículo ficar mais leve e consumir menos combustível independente.

PR – Pela sua estimativa, qual é, em média hoje, o consumo de compostos de PP para um automóvel?
Gonçalves – No momento, os carros brasileiros empregam cerca de 40 a 45 kg de plásticos, dos quais calcula-se que  35 kg correspondam a compostos de PP. A indústria automobilística consome mais de 70% do movimento desse material. O percentual de plásticos em geral no peso dos carros deve subir de atuais 15% para 25% a 30% em 2030. Com o avanço tecnológico de suas composições, PP se põe ao lado do ABS em uma zona de transição entre os plásticos de grande consumo (commodities) e os de engenharia. Os dois compostos de PP mais comuns nos carros nacionais são: homopolímero com 20% de talco e copolímero de PP – etileno com 25 a 30% de talco.

PR – Em termos de redução de peso, segurança, estabilidade, resistência, vida útil e no visual, quais os principais aprimoramentos e progressos recentes que percebe nas peças injetadas pelo setor automobilístico, caso dos revestimentos internos?
Gonçalves – Conforme já assinalei, o aumento da resistência às intempéries e ao risco são áreas de foco para a evolução do material. Por isso, compostos de PP vêm recebendo melhorias nessas duas propriedades para suportar as novas condições impostas. No meio acadêmico, porém, há diversos estudos relativos à matriz polimérica de PP acrescida de fibras naturais como de bananeira, coco, madeira e juta. Espera-se, assim, desenvolver tecnologias e materiais para viabilizar estas aplicações em larga escala, em prol do desenvolvimento sustentável. Mas sempre reina um grande impasse quanto a introduzir novos conceitos no mercado brasileiro, principalmente devido à falta de apoio do governo à pesquisa e ao fato de haver poucas empresas atuantes no mercado de resinas, dificultando as aquisições de formulações menos convencionais.

PR – Quais os componentes automotivos de maior complexidade para injetar hoje em dia?
Gonçalves – Podemos citar quatro exemplos mais comuns: produtos moldados por sobre injeção, que utilizam processo a gás (nitrogênio), de alta concentração de fibras abrasivas e itens estéticos. Os componentes sobre injetados e resultantes da injeção de resina e gás utilizam ferramentais de maior complexidade, além de seu processamento exigir periféricos. Em decorrência, esse tipo de componente requer o envolvimento de pessoal mais qualificado de ferramentarias, de processo/ produção e manutenção. Produtos de alta concentração de fibras abrasivas, como fibra de vidro, exigem muito da injetora e da matriz. Afinal, sua característica abrasiva os degrada. O que reduz a vida útil, além de permitir maiores variações de processo, pois as condições ideais não serão mantidas. O processo de injeção ganha complexidade com o aumento do teor da fibra, mas é compensado pelo crescimento da resistência mecânica. Por seu turno, defeitos superficiais são obviamente inadmissíveis nos produtos automotivos estéticos – denominados Classe A, a partir de contato visual do cliente. Sem contar que o produto estético pode requerer um ou mais dos processos complexos de injeção já citados, além de modalidades de acabamento especial como pintura, cromação ou hot stamping.

PR – Como avalia a hipótese do uso de compostos de PP reciclado (100% ou em blend com composto de PP virgem) em painéis de carros brasileiros zero km?
Gonçalves – Para painéis ficaria um pouco inviável, pois as características mecânicas e visuais (cor, tonalidade e brilho) devem seguir rigorosamente as especificações. Para tanto, deveriam ser utilizados materiais a ser reciclados mais próximos do desempenho ideal evitando contaminações, além de um controle rígido para atender as especificações técnicas. Isso resultaria em grande de aditivação do material polimérico reciclado, tornando seu uso inviável, do ponto de vista econômico. Esses tipos de reciclados já são aplicados em peças menos nobres como revestimentos de vão de roda, protetores de assoalho e do motor. A meu ver, ainda falta, no plano geral,  apoio governamental à aplicação de polímeros reciclados, a exemplo de estímulos fiscais  para transformadores de médio e grande porte reciclarem e reutilizarem os próprios resíduos. •

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