Lutando com a guarda baixa
Quando José Ricardo Roriz Coelho debutou na presidência da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), nos idos de 2010, verde era alusão a dólar e reciclagem era coisa de indústria de fundo de quintal alérgica a nota fiscal. Corte para hoje: é bem provável que, em seu terceiro mandato à frente da maior representação da transformação plástica, as querelas e ações em torno do plástico e sustentabilidade mobilizem grande parte do cotidiano do dirigente. Com a ascensão dos volumes de resinas recicladas e a busca de qualidade crescente desse material, sob pressão dos apoiadores da sustentabilidade, não só a Abiplast passou a representar e monitorar o desempenho desse setor como Roriz se firmou como defensor do alinhamento da imagem do plástico à economia circular e como principal megafone das reivindicações ao poder público colocadas pela cadeia da reciclagem para fechar seus flancos vulneráveis e livrar do caminho entraves como os que ele descreve na entrevista a seguir.
Se na Europa a pressão da sustentabilidade valoriza o plástico reciclado, no Brasil ele continua visto principalmente como meio de baixar custo de produção, pois mais barato que resina virgem. A nossa realidade econômica e ambiental condena o reciclado premium, mais caro, a ser material de nicho para sempre?
É fato que a preocupação de custo é uma realidade ao longo da indústria, mas, como todo processo de mudança, tal visão vem gradualmente se modificando, como indicam as demandas cada vez maiores por uso de plástico reciclado em aplicações mais nobres e por empresas preocupadas em atender metas e critérios ESG. Vale frisar que essa evolução deve partir da oferta de resíduos e reciclados de qualidade crescente e, além de leis estimuladoras do seu uso, o mercado final deve adotar o mote do consumo consciente, ativando a demanda do recuperado superior.
O volume de plástico alvo de descarte incorreto cresce no Brasil e continua insuficiente a disponibilidade de resíduo plástico para reciclagem. Qual a saída?
Essa lacuna é um fato. De um lado temos o volume de resíduo descartado; do outro, uma indústria recicladora ociosa por carência de matéria-prima perante brand owners e transformadores à espera por mais plásticos reciclados. A saída passa pela coleta, separação e disponibilização do resíduo para recicladores. É uma rota necessitada de aportes estruturantes para selecionar e disponibilizar maiores volumes de refugo com a qualidade requerida para viabilizar a reciclagem, o que envolve pontos como investimentos em maquinário atualizado e a inclusão de maneira justa e digna dos catadores individuais na gestão de resíduos.
A inclusão social, defendida para respaldar com filantropia a categoria dos catadores autônomos, favorece ou prejudica a regularidade do suprimento de refugo reciclável e a transparência fiscal da cadeia recicladora?
É um grande desafio resolver o gargalo relativo à necessidade de maior disponibilidade de resíduos recicláveis e, ao mesmo tempo, atender a demanda social. Pesquisas apontam que mais de 90% dos resíduos recicláveis vem dos catadores. É fundamental os enxergamos como fornecedores, inserindo-os numa política de qualificação. A organização em cooperativas e o treinamento dos cooperados são importantes para trazer essa formalização e maior produtividade na coleta. Entretanto, nem sempre para o catador independente se associar às cooperativas é uma realidade, apesar de ser um caminho viável. Por isso, é preciso pensar em alternativas que incluam essas pessoas como atores da cadeia produtiva. Eis uma sugestão apresentada em nosso projeto elaborado com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e intitulado “Modelos de Negócios para Aprimoramento da Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil’. Trata-se de oferecer ao catador um cartão no qual seria creditado o valor vendido por ele dos resíduos plásticos entregues em pontos específicos da cidade, possibilitando um cadastro mínimo dessas pessoas para, aos poucos, inseri-las no processo produtivo.
Do lado da legislação e do respaldo político, quais são lacunas mais prementes que refreiam a expansão da coleta e reciclagem de plástico pós-consumo no Brasil?
Fico com a bitributação ao longo da cadeia de reciclagem e a falta de incentivos tributários (preconizados na Política Nacional de Resíduos Sólidos/PNRS) e de mobilização para se criar instrumentos identificadores e estimuladores do uso de materiais reciclados. Defendemos a extensão de benefícios como a Suspensão de PIS/COFINS ao longo da cadeia de reciclagem, retirada do IPI nas operações com materiais reciclados, isonomia de tratamento de ICMS em operações com reciclados e isenção de impostos sobre serviços de coleta prestados por cooperativas e organizações de catadores.
A Europa é formadora mundial de normas e políticas para coleta, reciclagem e reúso do plástico. Suas determinações podem ser transpostas de pronto para a realidade do Brasil? O que é preciso fazer para essa transposição vingar?
Compreender as soluções vigentes na Europa importa como fator inspirador. Elas oferecem mais condições de pensar e buscar saídas adequadas às nossas particularidades. Para essa transposição de soluções ser benéfica, é preciso considerar ajustes com base nas dimensões continentais do Brasil, os diferentes perfis de consumidores, a distribuição geográfica da indústria e seus impactos na escala e logística das soluções, assim como questões sociais, caso da inclusão dos catadores na gestão dos resíduos.
Conceder a uma resina exclusividade para determinada embalagem seria uma saída plausível para facilitar e aumentar a reciclagem de plásticos no Brasil?
Difícil estabelecer critérios de uso de uma resina específica em determinados artefatos transformados por meio de regulamentações, por conta das diversas características, aplicações e performance requeridas das embalagens. De outro ângulo, enfatizamos muito, para simplificar a reciclagem, a necessidade do redesign de artefatos transformados. Pode-se, então, pensar em aplicações monomaterial, amparadas em estudos a fundo sobre os impactos das substituições de vários componentes por um único polímero na performance funcional e sustentável do produto submetido ao redesign.
Apesar do seu fundamento científico e imparcial, a ferramenta das Análises de Ciclo de Vida (ACVs) costuma ser desconsiderada como argumento da sustentabilidade do plástico em decisões de banimento do material ou de suas embalagens. Isso tem lógica?
ACVs conferem uma compreensão sistêmica dos impacto dos produtos em seu ciclo de vida. Justo por conta dessa visão sistêmica, aumenta o grau de complexidade para o entendimento de legisladores e políticos a respeito dessas variáveis do estudo e suas relações. Por vezes, esse tecnicismo conflita com a necessidade, no debate público, de ‘explicações rápidas’ ou ‘soluções fáceis’, ambas pouco eficazes, aventadas em iniciativas como as de banimento. Qualificar o debate com a ACV é relevante para evitarmos a edição de normas prejudiciais para as cadeias produtivas em questão, em lugar de conceber propostas mais sinérgicas com as pautas ambientais e socioeconômicas. •
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