Em torno de 250 milhões de toneladas de plástico pós-consumo são descartadas por ano no planeta e, desse total, apenas 30 milhões são recicladas. Mesmo em medalhões do I Mundo a coleta de resíduo plástico ainda engatinha, como ilustra o magro índice de 30% de recolhimento de PET descartado nos EUA. Roberto Ribeiro, dirigente da consultoria Asterisk Advisors, sediada em Houston, não enxerga nesses números um sinal de estagnação, mas de uma revolução ainda no nascedouro, mas já em andamento, puxada pela economia circular. Na mesma trilha, o analista chama a atenção para fatos como o reduto da reciclagem mecânica buscando desvencilhar-se da imagem de sinônimo de material de segunda e desvalorizado e, sob pressão das indústrias de produtos finais (brand owners), voltando-se cada vez mais para reciclados de melhor padrão e rentabilidade. Nesta entrevista, Ribeiro abre uma panorâmica das tendências que fervilham na reciclagem global, mudanças que prometem transbordar assim que a pandemia passar.
Suas análises defendem a necessidade de mudanças, após a pandemia, nos mercados finais para produtos de plásticos reciclados pela via mecânica. Quais são essas alterações e por quais motivos?
Hoje em dia, a maioria dos produtos a partir de resinas 100% recicladas é de baixo valor agregado e, portanto, muito sensível a preço. Isso vem de longa data, devido até àquela antiga percepção de que produto reciclado era produto barato. Pois na atualidade temos uma noção exata sobre dois pontos:
a) Um produto reciclado tem custo alto por conta do processo (coleta, separacão, limpeza, peletizacão, transformação e venda).
b) Ele tem um valor alto por trazer circularidade ao resíduo plástico.
Retomando o fio, existe, ao mesmo tempo, uma pressão pelo lado da procura, com um número crescente de brand-owners carecendo de resina reciclada. Com isso, evidencia-se uma grande oportunidade pelo lado da demanda e um grande risco pelo lado do custo, ainda mais nesse momento de baixa de preços da resina virgem.
Em termos práticos, portanto, o custo de resina reciclada é muito caro para um produto acabado de baixo valor, como um vaso preto de jardinagem. O problema reside na qualidade da resina reciclada produzida, nas suas condições e características necessárias para sair deste mercado de baixo valor para um de alto, capaz de atender as grandes marcas de indústrias de bens de consumo que prezam esses materiais com apelo de sustentabilidade nos seus portfólios. Tudo vai depender, reitero, da qualidade e consistência do reciclado.
Você sustenta que os investimentos no desenvolvimento e produção de bioplásticos devem voltar a encorpar em 2022. Mas qual o atrativo para isso se a capacidade mundial de resinas petroquímicas é infinitamente maior, o que as torna mais baratas pela escala, sem falar que pandemia e recessão geram um mega excedente de resinas virgens, em especial poliolefinas e PET, depreciando ainda mais seus preços?
O que deve voltar a crescer são os investimentos em tecnologias de produção de bioplásticos, tecnologias que podem encontrar alguma vantagem no mercado, não necessariamente substituindo apenas resinas virgens, mas outros materiais. Também constituem uma alternativa para uma indústria complementar seu portfólio de produtos sustentáveis ou de base sustentável.
O que sugere para evitar que o mega excedente de resinas virgens esvazie a competitividade dos preços dos plásticos reciclados? E mais: como viabilizar economicamente a reciclagem química num cenário de preços depreciados de resinas virgens em superoferta?
A resposta tende a ser longa e complicada mas aqui vai um resumo de tópicos para fugir dessa armadilha com base na resina reciclada versus resina virgem. O primeiro ponto tem a ver com estratégia: um reciclador nunca será competitivo contra um produtor de resina. Perde em volume, capacidade de investimento, penetração de mercado e assim por diante. Então, devemos parar de enxergar o produtor de resina como competidor mas como complementador da capacidade de um reciclador para atuar na praça. Hoje, o brand owner busca uma solução completa; portanto, é possível criar uma simbiose entre as duas partes. O produtor de resina necessita de materiais reciclados e o reciclador precisa de acesso ao mercado de maior valor. O segundo ponto tem a ver com tecnologia: produtos de maior valor agregado requerem qualidade e consistência. Por tabela, o reciclador não pode passar sem criar canais de coleta e processos internos que garantam essa duas condições básicas. O terceiro postulado enfeixa concentração e qualificação. Em suma, o mercado de reciclagem é ultra pulverizado e, muitas vezes, pouco profissional. Infelizmente, um punhado de suas empresas deve desaparecer nos próximos anos. Quarta ação para o reciclador: trabalhar na formação de alianças, pois reciclagem é um esforço de cadeia de valores. Quinto e último toque: o reciclador deve esquecer a boa vontade de governos ou de ansiar por soluções mágicas vindas de cima para sustentar seu negócio. Uma referência prática: o resíduo plástico mais coletado é o de PET por sua facilidade na identificação e coleta e pela viabilidade econômica assegurada por mercado finais para o poliéster recuperado. Tudo isso converge para a geração de renda/valor na sua cadeia de reciclagem. Enquanto não dispusermos de fatores similares para outros termoplásticos, não veremos seus volumes de reciclagem crescerem de forma substancial. Daí a importância dos pontos que listei aqui.
A incidência de normas de proibição ou restrição ao uso e comercialização de descartáveis plásticos e embalagens plásticas de uso único tende ou não a atenuar depois da pandemia, sob influência dos comprovados benefícios desses produtos no setor médico-hospitalar e no delivery/take away de comida pronta?
Estamos vivendo apenas uma trégua sob a vigência da pandemia. A rejeição ambientalista pode piorar porque o volume de descartáveis e embalagens plásticas de uso único tem crescido e tende a continuar assim se pensarmos que viveremos nesse “novo normal” instituído pelo surto do corona por algum tempo ainda. Mesmo em mercados como o médico-hospitalar, a quantidade acumulada de resíduos plásticos caminha para tornar-se um ponto de conflito. Ao mesmo tempo, o quadro gera uma oportunidade para um reciclador que pode coletar esse lixo e, de forma segura e limpa, fechar o loop (ciclo) em relação a este tipo de refugo.
Quais ações concretas sugere para o setor plástico aproveitar a pausa da ira ambientalista este ano para sair da pandemia com um a imagem bem melhor do que antes?
Engajamento com os diferentes grupos de interesses (stakeholders) atuantes em cada cadeia de valor. Soa muito genérico? Sim, mas no fundo é isso mesmo. Todos os participantes adjacentes à cadeia de valor, integram hoje o negócio do plástico, entre eles a mídia, consumidores, ONGs e assim por diante. E esses players devem ser “engajados”, cativados para o setor. Ao mesmo tempo temos que tratar do chamado bode na sala, ou seja, o plástico descartado que, infelizmente, se torna sucata e acaba na praia ou entupindo bueiro de rua. O contra-ataque efetuado no mundo inteiro tem a forma de alianças, investimentos em tecnologia e educação, programas de geração de renda e ações que impeçam esse resíduo plástico de virar lixo. Temos que atacar o problema e suas causas direto e de frente. •