Essa ficha vai ter de cair

Rodrigo Guglielmi Piazza

Os princípios da sustentabilidade já integram o planejamento da maioria das grandes marcas e a reciclagem é o principal mecanismo de apoio desse movimento irreversível. Fala por si a ascensão do único plástico reciclado permitido no Brasil para uso direto em embalagens de alimentos: PET reciclado grau alimentício. Sua produção nacional vem aumentando em linha com uma demanda que cresce ainda a taxas muito modestas por duas razões principais:

  1. A visível resistência de grandes indústrias alimentícias à presença do material recuperado em suas embalagens.
  2. A preferência de um considerável efetivo de fabricantes menores de alimentos, menos submissos à regulamentação da saúde pública, que utilizam PET reciclado convencional em seus recipientes.

A Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) tem homologado transformadores de embalagens de alimentos à base desse reciclado mais nobre. Tratam-se de indústrias dotadas das mesmas tecnologias e controle de qualidade prescritos pelas principais entidades regulatórias mundiais, a exemplo da agência americana FDA e do instituto europeu Fraunhofer. Tanto é assim que algumas dessa empresas já exportam as embalagens em questão.

Apesar do consumo ascendente e da imagem ambiental positiva, temos que admitir que o PET reciclado grau alimentício é um segmento ainda longe de atingir o potencial esperado. Embora os aportes para a realização desses investimentos sejam bastante elevados, tal como o rigor das boas práticas de fabricação requeridas, o que realmente acontece é que o candidato a empreendedor precisa considerar que o setor alimentício ainda é conservador quanto ao uso de material reciclado nas embalagens, mesmo ciente dos compromissos ambientais e das leis vigentes de logística reversa.

Outro entrave para os investidores é a infraestrutura deficiente. A coleta seletiva ainda é muito limitada no Brasil. Em geral, os contratos dessa atividade pagam pelo volume recolhido e isso leva a sucata coletada ao despejo incorreto nos lixões. Assim, o que poderia vir a ser uma ótima solução, resulta em enorme problema ambiental.

A competitividade do preço de PET reciclado grau alimentício perante o do polímero virgem também merece atenção. A atual crise mundial achatou a cotação do barril de petróleo e derrubou os preços em dólar do setor petroquímico, um choque amortecido no Brasil pela desvalorização do real e das políticas de sobretaxas antidumping; estes fatores compensaram em boa parte a queda no preço internacional das resinas virgens. Apesar destes sobressaltos para o preço de PET reciclado grau alimentício, vale notar que grandes marcas andam antenadas na nova geração de consumidores engajados no desenvolvimento sustentável. O mundo enveredou por este caminho e, cedo ou tarde, a indústria alimentícia terá de aceitar melhor a importância da contribuição ambiental do material reciclado em seu processo produtivo.

Uma pergunta recorrente na cadeia plástica é: por que indústrias de bebidas e alimentos que aderiram ao PET reciclado grau alimentício não divulgam massivamente seu uso nas embalagens?

A meu ver, elas ainda têm dificuldade em aceitar a embalagem reciclada, por recearem que o consumidor associe seus produtos a embalagens de material recolhido no lixo. É uma contradição, afinal múltis de bebidas gastam bilhões de dólares em marketing para valorizar suas marcas e estas embalagens acabam mal vistas pelo público, pois são descartadas incorretamente em locais abertos, a exemplo de praias ou margens de rios e lagos, frequentados pelos mesmos consumidores que tanto criticam a falta de conscientização ambiental. Em suma, a indústria alimentícia aparenta enxergar o fim de sua responsabilidade no momento da venda do produto ao consumidor. A partir daí, o descarte correto passa a ser encargo da população. Uma visão limitada para um problema gigantesco.

As questões que a indústria de alimentos realmente precisa saber responder são:

  1. O que sobra do meu produto consumido agride o meio ambiente?
  2. O consumidor pode ser prejudicado pela poluição ambiental gerada pelo resíduo descartado do meu produto?
  3. Consigo fazer o consumidor entender que o uso de material reciclado é uma contribuição à sustentabilidade digna de ser valorizada?

As respostas nos parecem bem óbvias.

A indústria que desprezar esta nova geração de consumidores e não perceber as mudanças em andamento vai perder mercado, com reflexos negativos em sua imagem. Não adianta apenas pregar a sustentabilidade. É preciso convencer o consumidor de que, ao mesmo tempo que trazem praticidade ao cotidiano, os produtos descartáveis recicláveis podem contribuir tanto para uma economia circular quanto para a melhora de vida das camadas de baixa renda, através da eficiência de sua complexa e integrada cadeia de reciclagem. •

*Rodrigo Guglielmi Piazza é sócio executivo da SanPet Laminados Plásticos e presidente do Sindicato das Indústrias Plásticas da Amurel, integrado por transformadores e recicladores sediados no sul de Santa Catarina.

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