Na contramão da praxe do aquecimento da economia no segundo semestre, a indústria brasileira teve avanço pífio de 0,1% em setembro pela métrica do IBGE. Em Pernambuco, esta foi a quarta taxa mensal negativa consecutiva, acumulando déficit de 17,5%. Em São Paulo, maior parque fabril nacional, a retração em setembro chegou a 1,1% da produção, recuo puxado pelos setores alimentício e automotivo. A indústria automobilística determina o balanço dos plásticos de engenharia e, além do mercado mal das pernas e da ociosidade da ordem de 50% na capacidade produtiva de 4,5 milhões de unidades/ano, o setor hoje se ressente do afastamento do consumidor de carros sem acesso ao crédito. Prova disso é que, na projeção setorial ventilada no início de novembro, as pessoas jurídicas (em especial, locadoras), têm respondido por metade das vendas diretas de carros pelas montadoras no exercício corrente. A travessia da zona de turbulência deste ano pelo reduto de polímeros nobres é descrita na entrevista a seguir, concedida pelos porta-vozes dos líderes no segmento brasileiro de PA 6 e 6.6: Gentil Boscolo, head de plásticos de engenharia da Basf na América do Sul, e Jane Campos, diretora geral das Radici Plastics na região.
Na mão oposta do que acontece em resinas commodities, nenhuma representação brasileira de matérias-primas ou produtos transformados pesquisa, para compilar dados públicos oficiais, a produção, consumo aparente, quantidade de componedores e segmentação dos mercados de plásticos de engenharia. Quais as justificativas para esse desinteresse?
Gentil Boscolo: Tendo a dizer que não seja necessariamente uma ‘falta de interesse”’pela obtenção dos dados, mas justamente por ser um mercado de tamanho muito menor do que aqueles de commodities e, portanto, com menos capacidade de estruturação das informações, além de ter uma diversidade de aplicações. Algumas publicações especializadas até trazem dados da capacidade de produção regional das poliamidas (6 e 6.6), porém são indicadores ainda limitados e baseados apenas sobre os principais players da América do Sul.
Jane Campos: Resinas commodities sempre dominaram a preferência e a gestão nas associações, talvez pela representatividade ou pelo fato de a maioria dos plásticos de engenharia não possuir sua cadeia integrada localmente e não entram em pauta nas discussões.
A mais jovem associação que podemos usar como referência é a Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast). Ela consegue informar, através dos distribuidores, um número bastante confiável sobre os volumes de plásticos de engenharia. A parte faltante é a dos produtores de compostos locais. Outras fontes confiáveis são os institutos de pesquisa, Wood Mackenzie e ICIS, pelos quais verificamos os volumes importados de cada polímero. No mais, temos que fazer os cálculos e usar o know-how para chegar aos números em vista.
O maior mercado mundial e local de plásticos de engenharia é o setor automotivo. A Abiplast o segue de perto com sua câmara setorial de autopeças. Como é possível acompanhar o mercado de autopeças plásticas sem dados oficiais e confiáveis sobre a produção e demanda dos principais polímeros/especialidades nobres que são os tipos de plásticos dominantes em carros?
Gentil Boscolo: Particularmente ao mercado automotivo, do ponto de vista de estruturação e possibilidade de compreensão da utilização de plásticos de engenharia em seus componentes, talvez seja o setor que melhor possibilite uma adequada rastreabilidade. Há dados oficiais e disponíveis sobre a produção de veículos, produção por modelo, produção de motores etc. Ao cruzarmos esses dados com o consumo estimado de plásticos por veículo, é possível ter um número bastante acurado da demanda de plásticos de engenharia no setor automotivo. Por óbvio, não se espera ter um grau de 100% de acurácia nessas análises, mas tendo a dizer que é possível estimar com alto grau de precisão cerca de 70-80% do mercado. Vale dizer, também, que os maiores volumes de plásticos de engenharia, sobretudo quanto às resinas PA 6 e 6.6 em aplicações automotivas, são gerados pela produção de peças originais (OEMs), sendo que o aftermarket (reposição) corresponde apenas a uma fração deste volume. Evidentemente que algumas aplicações, como filtros de combustíveis, têm uma demanda bastante representativa no aftermarket, mas são casos muito especiais. Não é esperado um alto volume de reposição para coletores de admissão, por exemplo.
Anfavea divulgou em outubro a projeção de que a produção de veículos fecha o ano 0,1 % acima de 2022, totalizando 2,37 milhões de unidades ou 50% da capacidade das montadoras no país. Qual o impacto dessa estagnação sobre a demanda nacional de plásticos de engenharia este ano?
Gentil Boscolo: Considerando que o mercado automotivo é, sem dúvida, o grande direcionador dos plásticos de engenharia, sobretudo em poliamidas (PA 6 e 6.6), o fraco desempenho apresentado por essa indústria nos últimos anos na América do Sul impõe uma pressão demasiada pela busca de outras aplicações e/ou mercados. A Basf tem buscado expandir a presença na região e o crescimento através de novas aplicações no mercado de veículos pesados e no agronegócio, ambos com forte apelo em substituições de metais. Outros mercados, como a chamada linha marrom (áudio e vídeo), praticamente não demandam por poliamidas. A linha branca já é um mercado mais estabilizado quanto ao uso desses materiais e, portanto, não se identifica ali muita oportunidade de crescimento que não seja pela própria evolução orgânica desses equipamentos. Por fim, podemos mencionar equipamentos utilizados nas novas e crescentes tecnologias de geração de energia sustentável (eólica e fotovoltaica, sobretudo). Sua produção nacional ainda é tímida mas tendem a se consolidar na região com potencial de substituição dos atuais componentes importados por fabricação local. Resta saber quando, e se, isso irá ocorrer, haja vista que a China permanece o grande fornecedor desse tipo de componente.
Jane Campos: Como explica a própria pergunta, o mercado automotivo está estagnado. Os preços dos carros infelizmente não caíram em linha com a redução de preços das matérias-primas e, somados às taxas de juros, inviabilizam a venda. Dessa forma, a manutenção dos carros usados fica cada vez mais em evidência e vem crescendo. Vale lembrar que as matérias-primas utilizadas em peças de reposição nem sempre seguem a mesma qualidade apresentada em peças originais; não é um mercado direcionado totalmente para produtores de matéria-prima virgem. Este mercado não chega a ser maior, pois a maioria das peças injetadas com plásticos de engenharia são estruturais e/ou com resistência térmica e não têm cunho de manutenção. Mas, ainda assim, é um segmento de grande representatividade.
Quais os seus compostos de plásticos de engenharia mais demandados este ano e para quais aplicações no Brasil? Poderia adiantar os principais produtos que planeja nacionalizar em 2024 e explicar suas vantagens e principais mercados?
Gentil Boscolo: Quanto ao tipo de compostos que o mercado brasileiro demanda, não identificamos grandes diferenças de perfil de produto ao longo dos últimos anos, se pensarmos em volumes. Por óbvio, novos materiais são solicitados e desenvolvidos frequentemente, mas, ao olharmos para os campeões de nossas vendas, não há grande alteração em suas posições de procura e oferta. Nos mercados onde a transição para a eletrificação veicular está mais acelerada, pode-se observar a demanda por novos compostos de maneira a atender aos requisitos térmicos e elétricos das aplicações em veículos sem motor a combustão ou mesmo híbridos. Entretanto, essa realidade ainda está um pouco distante de acontecer no Brasil, pois entendemos que, num primeiro momento, a lógica das peças originais será pela sua importação até haver uma demanda razoável que justifique a localização e produção regional.
Por outro lado, uma demanda que já se faz latente, sobretudo no mercado automotivo, é a busca por materiais com conteúdo reciclado, mas que atendam aos altos requisitos técnicos deste tipo de peça de engenharia. O tradicional material reciclado de baixo custo (e qualidade) parece que não terá o apelo desfrutado no passado. A busca tem sido com foco em sustentabilidade e circularidade e, portanto, o binômio baixo custo/baixa qualidade não encontra mais espaço nesse novo ambiente transacional. Neste sentido. a Basf lançou no ano passado seus primeiros materiais sustentáveis na região, com conteúdo de polímero reciclado, e tem expandido esse portfolio para atender às demandas que a cada dia se apresentam. Estamos confiantes de que os principais stakeholders das organizações almejam, verdadeiramente, uma sociedade mais responsável e comprometida com o meio-ambiente e, sem dúvida, hão de encontrar cada vez mais vozes que respondam a tais anseios. A Basf visa participar ativamente desse processo.
Jane Campos: Mudo a sua pergunta para: ‘Como a Radici justifica o crescimento constante neste mercado de consumo em queda nos últimos anos?’ Aí vai a resposta: a Radici é uma empresa muito flexível em oferecer aos clientes inovação e material sob medida. É fato que estamos crescendo em todos os segmentos ano após ano, mas isso não está relacionado ao consumo do produto e sim à nossa capacidade de adaptação neste mercado em fornecer produtos muitas vezes substitutos. Por exemplo, a linha Renycle, com teores de reciclado (pós-consumo e aparas); Mixloy, soluções de PA/ABS para aplicações no interior dos carros; Nextreme, compostos de PA 6 e 6.6 para aplicações submetidas a altas temperaturas em PA6 e PA66; a série de compostos de PBT Raditer e nossa vasta linha de produtos antichamas.
Se o mercado não cresce, não adianta insistir em vender sempre os mesmos produtos e esperar um resultado melhor. Precisamos ser criativos, adaptar e pensar em soluções inovadoras de comercialização. •
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