A guerra na Ucrânia introduz um pretexto até então encostado, a insegurança no suprimento europeu de petróleo e gás pela Rússia, para acentuar o senso mundial de urgência, instaurado pelas mudanças climáticas, na transição energética. Mesmo capenga de raciocínio lógico, a rejeição generalizada aos plásticos derivados de fonte fóssil reflete este sinal dos tempos.
Para acelerar a chegada à neutralidade de carbono (net zero), o presidente Joe Biden mal sentou na cadeira do salão oval e assinou, em 20 de janeiro de 2021, o retorno dos EUA ao acordo climático de Paris e traçou a meta de baixar no mínimo a 50% as emissões de carbono do país até 2030, mediante a união das forças do mercado e intervenção com mão pesada do governo via regulações, incentivos, subsídios e dinheiro a rodo. A União Europeia já abraçara a meta net zero em 2019 e, fora do bloco, Boris Johnson prometeu tornar tão logo possível o Reino Unido uma Arábia Saudita eólica. Na Ásia, Coreia do Sul e Japão firmaram compromissos net zero até 2050 e a China, geradora de 30% do dióxido de carbono mundial e ultra dependente do poluente carvão, fixou seu prazo para até 2060.
Verdes de carteirinha da noite para o dia, trilionárias instituições financeiras acrescentaram o quesito do risco climático à tomada de decisões de crédito ou investimentos. Mais de 30 bancos centrais já calibram com suas posições com os repentes do clima e a governança ambiental, social e corporativa (ESG) virou sinônimo de ficha limpa para companhias sôfregas por acertar o passo com a nova música do universo.
Ocorre, no entanto, que a premência hoje cobrada para se chegar ao mundo amigo da energia limpa encontra um monte de lombadas e alagamentos na pista. Entre eles, a enorme escala do sistema de energia que suporta a economia mundial, a necessidade de suprimento seguro das alternativas fora das fontes fósseis, a demanda por recursos minerais para energias renováveis (lítio, grafite e cobalto, por exemplo) e os inescapáveis conflitos advindos da conclamada celeridade para o planeta virar a página do petróleo, argumenta Daniel Yergin, oráculo da energia global em seu novo livro The New Map. “No topo desses obstáculos temos o alto custo de uma transição rápida e a pergunta: quem vai pagar por isso?”, ele coloca. Exemplo que ele solta: para lutar contra as consequências sanitárias e econômicas da covid, países desenvolvidos acumularam dívidas zilionárias. É a deixa para um perrengue entre ministros do meio ambiente sequiosos por acelerar a mudança energética e ministros da economia ansiosos por sanar o déficit, desemprego e estagflação. Noves-fora, evidencia o analista, o petróleo permanecerá por bom tempo o que muita gente não quer ouvir: uma commodity global e combustível primário que faz o mundo rodar, pois nele estão baseados os investimentos já feitos, as cadeias de suprimento e os plásticos, elementos essenciais para o mundo moderno. “O petróleo continuará no centro dos debates ambientais, da estratégia das nações e de conflitos entre elas”.
Política à parte, a experiência histórica revela que o ritmo de mudanças energéticas depende de tecnologia e inovação e sua concretização não acontece a galope, assinala Yergin. “Energia não é software”, ele diz, exemplificando com a bateria de lítio, células solares fotovoltaicas e indústrias de energia eólica surgidas nos anos 1970 e cujas escalas só deslancharam a partir de 2010. Em contrapartida, ele pondera que a agenda climática e o esforço conjunto de governo e iniciativa privada, além da convergência de tecnologias de digitalização para novos materiais e de inteligência artificial para avanços como novas modelos de negócios contribuem para uma andadura inédita rumo a tecnologias capazes de redesenhar o mapa da energia e da geopolítica. “Mas não é um progresso em linha reta, pois disrupturas não vislumbradas mudam com frequência o trajeto”, ele pondera. Falam por si, ele conclui, a revolução do petróleo e gás de xisto, a quebra financeira de 2008, o corona vírus e, exemplo da hora, as tensões e choques entre nações numa ordem global fragmentada. •
Reciclagem perde fôlego na União Europeia
Tendência de redução nos investimentos e no número de indústrias