Cantando na chuva

conjuntura 671

Os números vão direto ao ponto. Está lá no relatório Platt’s de 12 de agosto: o governo brasileiro estima que as importações de polietileno de baixa densidade (PEBD) saltaram 25,9% de janeiro a julho último, enquanto as exportações da resina local cairam 26,9% no mesmo período. Amarrando-se as pontas, PEBD e seu irmão siamês, o polietileno de baixa densidade linear (PEBDL), andam algemados aos filmes. Por tabela, a balança comercial de PEBD deixa implícito um clima para embalagens flexíveis bem mais ameno do que para qualquer outro segmento de transformação de plástico no azedume da atual crise sanitária e econômica.

Ao sair do primeiro semestre, o reduto de embalagens flexíveis acumulava produção de 967.000 toneladas, importação de 31.000 e exportação de 54.000, configurando consumo aparente de 944.000 toneladas. Os indicadores foram esquadrinhados pela consultoria W4Chem, por encomenda da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Flexíveis (Abief). A produção de 480.000 toneladas no segundo trimestre foi bem de leve (-1,3%) inferior aos três primeiros meses de 2020, sendo repartida pela W4Chem entre 347.000 toneladas para PEBD e PEBDL; 55.000 para polietileno de alta densidade (PEAD) e 78.000 para polipropileno (PP). A propósito, a Abief atribui a polipropileno biorientado participação de 8% da produção anual de embalagens flexíveis, indicador traduzido em 150.000 toneladas.

Única produtora de poliolefinas no país, a Braskem exibe capacidade de 2.260 milhões de t/a para PEAD/ PEBDL; 795.000 para PEBD e 1.850 milhão para PP. No primeiro semestre, a produção de polietilenos e PP atingiram, respectivamente, 1.289.726 e 725.513 toneladas. No mesmo período, as vendas internas de PE da empresa atingiram 839.692 toneladas, enquanto as de PP fecharam em 528.018. Américo Bartilotti, diretor do negócio de embalagens e bens de consumo da Braskem, atribui às embalagens flexíveis participação entre 40% e 50% do mercado interno de PE e entre 10 e 20% no caso de PP.

Show nos bastidores da embalagem
A pane sanitária e monetária não tirou ímpeto do jorro de desenvolvimentos da Braskem que debutam em flexíveis nesta metade final do ano. Américo Bartilotti, diretor do negócio de embalagens e bens de consumo, destaca, na seara de polipropileno (PP), a chegada de um terpolímero, por ora sob codinome DP187X, para camada de selagem de filme (biorientado ou cast), alcançando temperatura inicial de selagem mais baixa em 105°C. Outra novidade, sob identificação provisória DP228A, consta de um homopolímero para produção em alta velocidade de filme biorientado (BOPP) com melhor balanço de propriedades mecânicas e ópticas, acena o diretor. “Do lado de PE, a inovação é o grade Braskem Flexus 9213S, cuja principal característica é prover condições especiais na superfície do polietileno, de forma a controlar a migração de aditivos, atuando para redução do bloqueio e na manutenção mais duradoura do tratamento corona”.

Nadando de braçada
Para este segmento que aloja cerca de 3.500 empresas com capacidade total arredondada pela Abief em 2.8 milhões de t/a, a salvação da lavoura está em sua cadeira cativa em produtos essenciais. “O desempenho do primeiro semestre é mérito, em especial, da indústria de alimentos”, reconhece Rogério Mani, presidente da entidade. “Sob a quarentena, a população destinou mais capital para esse tipo de consumo e, por força da perda de poder aquisitivo, migrou para marcas de menor valor agregado”. Pela calculadora do dirigente, alimentos abocanharam 41% do consumo de embalagens flexíveis na primeira metade do ano. Bons degraus abaixo, ele segue, vieram as aplicações industriais, com 18%; bebidas, com 19%; descartáveis, com 12% e produtos de higiene/limpeza e demais nichos mobilizaram respectivas participações de 10%. “Como tratam-se de mercados maduros, não há grandes alterações entre os quadros do primeiro semestre de 2020 e 2019”, considera Mani.

Tempestade perfeita
Mas nem tudo é bola na rede, como evidenciam os custos de matéria-prima. No primeiro semestre, o real desvalorizou 30% frente ao dólar, causando aumento médio na faixa de 12% nos preços das poliolefinas no mercado interno, calcula o presidente da Abief.
Para esta última metade do ano, ele antevê grande possibilidade de mais reajustes, a tiracolo dos arrancos do câmbio, preços internacionais subindo no estribo da oferta global diminuída de materiais nas pegadas de paradas de refinarias ou plantas petroquímicas. Nos EUA, por exemplo, o aumento da demanda interna e a declaração de parada por força maior da produtora Formosa, anunciada em 8 de agosto, encolheram a disponibilidade de PP para exportar, o que encareceu a resina. Ainda nessa pegada, o governo brasileiro divulgou em 10 de agosto que as importações de copolímeros de PP recuaram 12,9% de janeiro a julho e as de homopolímero, 1,4%, informa relatório do Platt’s. “Ou seja, produção internacional reduzida, aumento nos preços, queda na oferta global das poliolefinas e, também aqui no Brasil, incremento da demanda de embalagens. É a tempestade perfeita, sem saída para os transformadores senão o repasse imediato dos reajustes aos clientes”, sintetiza Mani.

Vento a favor
O pé bem mais enfiado na canoa dos produtos essenciais que na dos bens duráveis assegura vento a favor para as indústrias de embalagens flexíveis, um ponto fora da curva dos escombros nos resultados que a pandemia deve causar em uma multidão de setores este ano. “Se considerarmos que 40% dos nossos produtos destinam-se a alimentos; 10% para higiene/limpeza e 10% para bebidas, fica nítida uma proporção que contrabalança o volume estimado para bens duráveis”, pondera Mani. A propósito, ele assinala que a procura por flexíveis (shrink e stretch) para bebidas deve crescer a partir de outubro, efeito do preparo para a entrada do verão. “Além disso, desde julho aumenta a demanda por embalagens flexíveis para a construção civil e linhas branca e marrom”, completa.
Por essas e outras, Mani confia que o setor deve rodar este ano com um índice de ocupação digno de ponto de exclamação nesses tempos bicudos, na faixa de 85%, e com consumo aparente ao redor de 2.050 milhões de toneladas. “Estamos passando pela pandemia com menor impacto em volumes do que outros segmentos do plástico e ainda há espaço para crescermos em 2020”.

Revendas recuam
Transformadores de embalagens flexíveis constam entre os principais supridores de revendas autônomas de poliolefinas nacionais e importadas, um reduto hoje bombardeado pelo corona, recessão, dólar alto e difícil disponibilidade de frete internacional, sem falar na oferta menos folgada de grades do exterior. Resumo da ópera: a distribuição autorizada de PP e PE nacionais tem avançado sobre o terreno das revendas. “Os distribuidores garantem o fornecimento das poliolefinas locais a seus clientes mais fiéis com um atendimento cuja qualidade faz a diferença no varejo”, ressalta Laércio Gonçalves, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast) e CEO da Activas, trem bala da rede de agentes da Braskem. “A revenda vem tendo que reformular sua atuação com a falta de fontes e materiais importados, um cenário que tende a perdurar mesmo depois deste ano”.

Na selfie atual, a Adirplast atribui à distribuição oficial 60% do varejo nacional de termoplásticos e 40% aos revendedores independentes. “O acesso facilitado, direto, seguro à matéria-prima, permitindo ao cliente planejar seu abastecimento, é um diferencial dos agentes autorizados”, repisa Gonçalves. “Eles ganharam relevância no varejo correspondendo às expectativas com portfólios completos e soluções financeiras, de TI e logística desenhadas para os transformadores”. Nas pegadas desses predicados dos agentes e do recuo da resina rival importada, o dirigente acredita que, mesmo num cenário de atordoamento com a covid-19 e anemia do consumo final, os distribuidores devem fechar 2020 com volumes bem próximos do saldo de 2019. •

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