Pente fino da consultoria Icis crava em 106.489 toneladas as importações brasileiras apenas no terceiro trimestre. O volume não só bate em 7,32% os desembarques no mesmo período em 2022, como desnuda a extrema dependência do Brasil de, sem investimentos petroquímicos locais, recorrer ao vinil internacional para satisfazer sua demanda da resina – mesmo em tempos de mornidão na construção civil nacional, maior campo do polímero, reprimido por dívidas nas contas públicas, juros indigestos e expressivo nível de rejeição bancária a pedidos de financiamento imobiliário. A elucidação para contraste entre uma conjuntura cinzenta e importações radiantes está no estrelado potencial embutido para PVC em seus principais mercados, todos eles atrelados visceralmente aos humores do governo. Não fosse assim, o poder de fogo da transformação não superaria com folga a capacidade nominal da resina doméstica, hoje da ordem de 1 milhão de t/a. Mas, pela voz corrente no ramo, os sinais em cena são de volta por cima em 2024, nas pegadas da versão definitiva da regulação do saneamento e da intenção do governo de irrigar mais verbas em programas sociais para atacar a insuficiência de moradias para a população carente, como deixam claro nesta entrevista os porta-vozes dos produtores locais de PVC, Fábio Barbosa, diretor do negócio de vinílicos da Braskem e Alexandre de Castro, diretor de negócios da Unipar.
Pelas suas estimativas, qual seria a capacidade instalada da transformação de PVC no Brasil? E qual o desempenho que espera, respectivamente, dos seguintes mercados em 2024 x 2023: lançamentos imobiliários, reformas residenciais, irrigação e infraestrutura?
Fábio Barbosa: Historicamente, há no Brasil uma capacidade instalada de transformação de PVC maior do que a demanda. Além disso, houve novos investimentos em capacidade instalada em 2023, em nível superior ao crescimento da demanda interna do vinil notadamente em tubos e compostos, e perfis rígidos para forros, esquadrias, rodapés, perfis técnicos e outros. Os anúncios de oportunidades em saneamento, irrigação e o programa Minha Casa, Minha Vida estimularam um maior investimento na transformação de PVC, para além do crescimento orgânico habitual.
Houve ainda investimentos relacionados a inovações tecnológicas, caso do tubo orientado PVC-O (nota: para adução e distribuição de água), que vem expandindo o mercado de PVC no que diz respeito a aplicações para infraestrutura e construção civil, inclusive em versões de maiores diâmetros e pressões.
A síntese destes investimentos leva o mercado brasileiro a uma capacidade instalada superior a 1,5 milhão de t/a (base resina de PVC), com taxa de utilização próxima a 75%. Temos informações de novos investimentos em 2024, inclusive com decisões já tomadas por alguns transformadores, o que deve manter uma saudável taxa de utilização para a retomada prevista de demanda em infraestrutura.
Os segmentos imobiliários e de infraestrutura tiveram uma boa recuperação em relação a 2022, ano que observamos uma retração na demanda. No plano específico do segmento imobiliário, este crescimento deveu-se a lançamentos passados, pois os produtos transformados em PVC entram mais tardiamente nas obras. Para 2024, contamos com o surgimento de oportunidades decorrentes do programa Minha Casa, Minha Vida. Em infraestrutura, houve crescimento modesto este ano, em razão de todas as discussões de regulação do marco do saneamento, mas o mercado está otimista para 2024. No segmento de irrigação, no que diz respeito a tubos e conexões, temos observado taxas muito grandes de expansão.
Alexandre de Castro: Segundo o Instituto Brasileiro do PVC (IBPVC), a capacidade de transformação de resina no Brasil alcançou 1.024 milhão de toneladas em 2022. Há uma expectativa de incremento na demanda de PVC, especialmente impulsionada pela adoção de políticas como Programa Minha Casa, Minha Vida, Marco do Saneamento, Programa de Aceleração do Crescimento e o Novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo. O desempenho do agronegócio, que vem crescendo de forma produtiva e consistente, é outra frente relevante porque consome tubulações para irrigar plantações.
Vale ressaltar que, em 2023, o setor imobiliário apresentou uma perda de fôlego dos lançamentos para os segmentos de médio e alto padrão, fortemente afetados pela alta taxa de juros, pois encarece o crédito para financiamento imobiliário. Mas a possibilidade de redução da taxa Selic no horizonte, bem como a retomada do Programa Minha Casa, Minha Vida com teto atualizado para R$ 350.000, devem impulsionar a recuperação da construção civil ao longo de 2024.
No caso das reformas residenciais, as vendas no varejo de material de construção recuaram 2,8% em agosto de 2023 ante o mesmo período do ano passado. No entanto, existe uma forte atuação dos players do setor em prol da reativação do Construcard, linha de crédito imobiliário da Caixa Econômica Federal para construção ou reforma.
Já para o segmento de infraestrutura, recentemente a Unipar participou da FENASAN 2023 (Feira Nacional de Saneamento e Meio Ambiente). Os lançamentos apresentados traduzem o claro interesse da iniciativa privada em atender às necessidades da população por abastecimento de água e esgotamento sanitário. Por sinal, a Unipar e o Instituto Unipar iniciaram a implantação de um projeto de saneamento em Ribeirão Pires, que fica no entorno da nossa fábrica em Santo André (SP), com o objetivo de preservar o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida da comunidade local. O projeto visa a instalação de um sistema alternativo de coleta e tratamento de esgoto que beneficiará cerca de 130 moradores.
2023 foi o terceiro ano de vigência do marco do saneamento. Por que até agora as obras iniciadas para universalizar os serviços de água e esgoto não impactaram significativamente na procura por tubos vinílicos para infraestrutura?
Fábio Barbosa: Em 2023 já foi percebido um crescimento na demanda de tubos de PVC para saneamento, quando comparado a 2022. Muitos projetos já estão em andamento e com investimentos em curso. É fato que a rediscussão da legislação trouxe uma apreensão e atrasou um pouco os investimentos, mas não somente isso. Colocar todos estes projetos de pé leva tempo, pois, após o marco regulatório, é preciso considerar toda uma organização da cadeia produtiva, projetos, modelagem de financiamento. São etapas dependentes de muito esforço e tempo de maturação. Nossa expectativa é de ver já em 2024 uma curva de crescimento na demanda de tubos para saneamento, que seguirá ascendente por alguns anos.
Alexandre de Castro: É importante destacar que o marco do saneamento passou por idas e vindas no congresso. Além disso, o nível de confiança sobre o cenário econômico foi particularmente afetado pelo contexto eleitoral e pela mudança de governo. Todavia, segundo a Pesquisa industrial Mensal – IBGE, houve aumento de 13% em agosto último ante o mesmo mês em 2022 da fabricação de tubos e acessórios de plástico para construção.
Em 2022, a construção civil consumiu 633.000 toneladas de PVC, atesta o IBPVC. Como reparte este volume entre lançamentos imobiliários e reformas residenciais? E qual a expectativa para o consumo do vinil na construção civil este ano versus 2022 e em 2024?
Fábio Barbosa: Falando da demanda brasileira de PVC, nossa expectativa é de que 2024 esteja algo como 15% acima de 2022, ou seja, com um volume em torno de 720.000 toneladas de PVC no segmento de construção civil. Atenção: essa expectativa de volume refere-se ao total da demanda de PVC para todas as aplicações no segmento, como tubos e conexões, fios e cabos, forro, esquadrias, portas, rodapés, sistema construtivo, pisos vinílicos, telhas etc.
A construção civil como um todo tem representado algo em torno de 65% da demanda brasileira de PVC e deve manter esta participação ou eventualmente crescer, em razão dos investimentos acenados para saneamento, irrigação e programas como Minha Casa, Minha Vida. A propósito, vale destacar duas novidades nas aplicações de PVC: as telhas de PVC, que continuam com demanda crescente, embora numa taxa menor do que imaginávamos; e os pisos vinílicos, cuja produção nacional desfruta de excelente momento de investimento, movido pela substituição dos contratipos importados.
Alexandre de Castro: A maior parte do consumo de PVC na construção civil, cerca de 70%, é destinada à edificação de moradias. Isto é, se considerarmos tubos, conexões, fios e cabos como itens de fundação de uma casa. Já para reformas residenciais, pensando na substituição de itens como janelas, portas, pisos vinílicos ou produtos de decoração podemos atribuir cerca de 30% de demanda de resina. Deve haver um incremento no consumo de PVC para construção civil em 2024 ante 2022. •
Veja cobertura completa na edição especial de Plásticos em Revista 701. Clique aqui.