A globalização esvaziou

Novo excedente de PE dos EUA terá mais dificuldades para ser desovado

A guerra na Ucrânia demonstra em definitivo que o modelo de globalização de mercados como a do plástico precisa ser repensado para não sucumbir. A proximidade do conflito no Leste Europeu com a entrada, a partir do segundo semestre, de nova rodada de excedente norte-americano de PE para escoamento internacional vai deparar com uma conjuntura em tudo diversa de quando essa expansão era apenas um brilho nos olhos dos seus planejadores. Da crença pura e simples em aumentos da produção para acompanhar a demanda da resina, o negócio de PE passou, nos últimos anos, a ter seu futuro decidido por quatro vetores – sustentabilidade, pandemia, demografia e geopolítica – essa ficha não caiu para petroquímicas como as que investiram em PE com olhos fixos apenas na ilusória solidez da demanda e no custo imbatível do gás natural norte-americano. Na entrevista a seguir, Paul Hodges, blogueiro do portal londrino Icis e analista da consultoria suiça New Normal, comenta os entraves e desafios para a diluição mundial do novo excedente da poliolefina norte-americana e, no bojo das mudanças em curso, as oportunidades acenadas pela circularidade à América do Sul.

Como avalia o impacto da guerra na Ucrânia sobre os planos de petroquímicas norte-americanas de exportarem seu novo excedente de PE a partir do segundo semestre?
A guerra está focando a atenção para as fragilidades da cadeia global de suprimento de energia, tal como a pandemia ressaltou a fraqueza da cadeia global de suprimento de produtos. Há duas maneiras de se olhar essa questão. Uma é em termos de como manter os negócios do jeito de sempre. Ou seja, como fazer para continuar a botar band-aids no nosso modelo existente de negócio baseado na globalização? Isso depende das cadeias de suprimentos que ligam produtores com plantas de escala mundial aos clientes. Pois este modelo de globalização que nos atendeu tão bem nos últimos 40 anos estourou o prazo de validade; precisamos repensá-lo e a saída passa pela volta a um modelo baseado em produção local e operação sustentável. O problema para os produtores de PE dos EUA é que eles representam o velho modelo de negócio. Pior, seus planejamentos originais para a leva de investimentos na resina baseados no gás de xisto (shale gas) foram hiper otimistas, pela crença no eterno crescimento de dois dígitos do PIB chinês e na contínua necessidade de aumentar os volumes de importações chinesas. Acontece que, quando as novas plantas vingaram, as dinâmicas de suprimento e demanda do mercado seguiram mudando numa direção não prevista naqueles planos?

O que deu errado?
Do lado da demanda, o fato é que, para crescer, a China permanece dependente mais de exportações que do consumo doméstico. Do lado do suprimento, a guerra comercial deflagrada por Trump levou a China a focar na sua capacidade instalada para elevar sua autonomia em PE e outros produtos petroquímicos. Deu no que os dados confirmam: importações em queda e aumento do excedente da capacidade.

Como fica então o novo excedente de PE dos EUA nessa situação?
O mercado chinês de PE caiu em torno de 4% em 2021 enquanto a produção doméstica pulou 59% e deve subir à medida que novas fábricas entrem em operação. Por sua vez, a demanda norte-americana de PE não se alterou com relevância nos últimos 30 anos, não tendo como absorver o novo PE sobrante. Sem chances de desovar resina na Ásia, já ultra abastecida no rastro das expansões da capacidade chinesa, e o Oriente Médio é exportador regular de PE. Já a Europa assumiu a dianteira mundial nos banimentos de plásticos de uso único – responsáveis por mais de 50% da demanda global da resina. Os compromissos de múltis donas de grandes marcas de bens de consumo (brand owners) são globais e, como os legisladores, estão respondendo ao veto a plásticos descartáveis reivindicado pelo consumidor final.
Tudo isso conta pontos para afunilar as opções de desova do excedente norte-americano de PE na América do Sul. Claro que a a primeira reação dos compradores na região será esfregar as mãos e tratar de negociar descontos polpudos. Mas precisam ser bem cautelosos, ensina a experiência do caos logístico mundial vivida em 2021. Afinal, pouco adianta conseguir corte de preço se o prazo de entrega da mercadoria não é cumprido. A invasão russa vai impactar a segurança dessas transações e elevar o risco de crédito. No mais, os compradores sul-americanos estarão cientes de que esses riscos para exportar vai estressar os vendedores dos EUA sem ter para onde ir. Em suma, já vemos o impacto a curto prazo da guerra nos altos preços petroquímicos e crescente disruptura no comércio exterior, com a economia global caminhando para a recessão, com a demanda em queda e superoferta resultando em guerras de preços. A médio e longo prazo, desenvolvimentos para escapar da dependência de combustíveis fósseis serão acelerados e abrem, aliás, uma chance de ouro para a América do Sul, com seu agronegócio, liderar a produção sustentável de bioplásticos.

O que pode resultar para a cadeia plástica da Europa com sua dependência de gás da Rússia?
A agressão russa tem unido a Europa em torno da necessidade de acelerar a mudança ara fontes renováveis de energia e materiais reciclados. A curto prazo. não vai ser fácil, mas a direção é clara e a União Europeia já providenciou fundo de €1.8 bilhão para tanto. Para assegurar sua futura prosperidade, a indústria de polímeros deve tratar de conceber um modelo operacional que possibilite a substituição de combustíveis fósseis por óleo de pirólise para craqueamento de matérias-primas, com base na coleta e triagem crescentes de plástico pós-consumo.

A que ponto as altas taxas de juros aplicadas por bancos centrais para atacar a inflação podem prejudicar a demanda internacional de PE?
Duvido desse impacto. O ponto chave é que os preço da energia já superam a marca de 3% do PIB global que, em geral, conduz à recessão. Por sua vez, o custo alto da energia já encolhe a renda disponível na praça e bancos ficam mais arredios a conceder financiamentos e mais preocupados com o retorno do capital em vez do retorno sobre o capital. Preços em alta das commodities encarecem alimentos e bens duráveis, deprimindo assim sua demanda por consumidores empobrecidos, o que também prejudica economias direcionadas para exportações, como a China.

A petroquímica norte-americana mantém seus custos competitivos com preços do petróleo sete vezes acima dos do gás natural originário de jazidas de xisto e do petróleo do Golfo dos EUA. Essa vantagem na matéria-prima deve atenuar para os produtores de PE no país o dano nas margens causado pela queda de preços forçada pela superoferta?
Num mundo super abastecido, curvas de custo tornam-se menos importantes quando as margens estão abaixo delas. Petroquímicas integradas, como as dos EUA, ficam mais expostas a riscos se concentram o foco nos ganhos da margem no elo upstream (da produção de gás) e têm de absorver perda com a mudança de etano para derivados como PE. A integração é ótima quando se roda no auge da capacidade, mas é problemática para os elos mais fracos da cadeia quando mercados downstream nadam em hiperoferta. Vimos isso na década de 1980, quando a maioria das petroquímicas perdeu dinheiro anos a fio devido aos altos preços do petróleo resultante das restringidas cotas de vendas pela Opep, o que levou à necessidade da globalização. Hoje em dia, a maioria das principais economias do planeta têm populações a caminho da aposentadoria e sua renda diminui neste estágio de inatividade. Em contrapartida, esse quadro pesa para incrementar a atual sobra na capacidade de PE dos EUA. Infelizmente, petroquímicas voltadas para o suprimento do mercado tendem a ignorar fatores demográficos e sustentam como se vê entre exportadores norte-americanos, que o super ciclo da demanda do polímero prossiga dourado para sempre. Em decorrência, sua rentabilidade declinará e já é negativa, afinal, para outros fornecedores, como petroquímicas de partes da Ásia. •

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário