A gasolina reencontra o tanque

Reação nas vendas insinua saída do brejo para o setor automotivo, tão ansiada por injetoras e materiais nobres
Autopeças

De crista baixa desde 2015, a indústria automobilística brasileira aferra-se ao pensamento positivo para fechar este ano com vendas embicadas para cima, para alívio das injetoras top e polímeros nobres com a perspectiva de seu maior mercado se safar enfim do atoleiro. O sentimento de que alguma coisa pode mudar transpira do balanço de julho último desvendado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Aos números: nos sete meses iniciais de 2018 foram montados 1.680 milhão de autoveículos (leves + pesados), o maior segmento em vendas e o principal usuário de peças injetadas e materiais de engenharia dessa indústria. A quantidade, compara a Anfavea, bate em 13% o mesmo período em 2017. Ainda de janeiro a julho último foram exportados 430.400 unidades ou -2,8% face aos primeiro sete meses do ano passado, culpa do ferrão da crise na Argentina e México, maiores importadores de carros brasileiros. Em contrapartida, os licenciamentos nos sete primeiros meses no Brasil alcançaram 1.384 milhão de autos novos, volume 14,9% acima do igual período no ano passado. Com base nessa performance, mesmo refreada pela greve dos caminhoneiros e pela frequência menor de público nas concessionárias durante a Copa do Mundo, eis a Anfavea de volta às boas com a futurologia. Pelas suas previsões refeitas na garupa dos sete meses iniciais, a produção de veículos deve culminar em 2018 em 3,02 milhões de unidades (2.906 milhões leves + 115,4 pesados) ou 11,9% acima do balanço anterior. Antes da parada dos caminhoneiros e da piora da economia argentina e mexicana, a previsão da entidade era de superar a produção de 2017 em 13,2%, mas o índice agora revisto para baixo não esfria o otimismo das montadoras, após três anos de mercado com freio puxado.

Ainda assim, cruzados os dados, a indústria automobilística nacional ainda está a léguas de uma ocupação razoável da sua capacidade anual para montar 5 milhões de unidades de todas as categorias – autoveículos, caminhões, máquinas agrícolas e rodoviárias. De fato, ninguém sai de um atoleiro já engatado em quinta marcha e, na realidade, a expectativa da Anfavea para 2018 trafega em meio a buracos, curvas fechadas e óleo na pista, a exemplo de 63,8 milhões de inadimplentes no primeiro semestre, pela calculadora da Serasa, 13 milhões de desempregados, juros na lua para compra de bens duráveis como carros, a instabilidade do dólar e petróleo pisoteando o custo de vida e, sal grosso na chaga viva, a relutância do consumidor em se endividar sem saber o mínimo sobre o que lhe reserva o governo vencedor nas urnas de outubro. Uma coisa leva a outra: pesquisa entre 10 e 20 de julho último empreendida em cerca de 500 empresas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) constatou risco de inadimplência em 44% e dívidas bancárias em atraso em 12,4% das companhias, apunhaladas nas margens por ociosidade projetada acima de 30% em suas fábricas nos últimos anos.

Complexidade faz a diferença
É um clima nefasto para o balcão de injetoras avançadas, nicho de cordão umbilical com autopeças. “O mercado mudou muito, assim como o modo de o transformador investir”, percebe Cássio Luis Saltori, diretor geral do escritório comercial no país da austríaca Wittmann Battenfeld, mentora da vanguarda global em injetoras premium e células de produção. No consenso informal de fornecedores, repassa o dirigente, as vendas internas de injetoras em geral ficaram na faixa de 700 unidades em 2017 num mercado absorvedor da saudosa média anual de 2.000 antes da recessão com a corda solta desde 2014 e sob dólar então mais plausível para se importar tecnologia de elite e sem similar local. “Hoje em dia”, coloca Saltori, “um transformador de autopeças como um sistemista múlti está em regra a par das virtudes de uma injetora diferenciada, mas prevalece a inclinação por investir em linhas menos produtivas e geradoras de muito refugo, pois seu preço inferior cabe na verba encurtada por determinação da matriz da companhia para a unidade brasileira num momento de alta ociosidade e mercado automotivo encolhido”. A única brecha para injetoras do quilate da Wittmann Battenfeld serem adquiridas neste setor, pinça o diretor, está nas aplicações de engenharia cuja complexidade é inalcançável para máquinas movidas primordialmente a preço. “É o caso de determinados elementos do conjunto de iluminação do carro”, ele exemplifica.

Ao dar um rasante pela vitrine da Wittmann Battenfeld, Saltori fisga a linha Macropower, de injetoras de 400 a 2.000 toneladas, como suas máquinas mais procuradas pelo setor automotivo brasileiro. “Destinam-se tanto a peças de grande porte como a itens internos e externos”, ele abrange. No embalo, ele capta interesse na praça por sua série de injetoras verticais com mesa rotativa, de 40 a 300 toneladas, acenada para componentes eletrônicos do motor possuidores de insertos metálicos e contatos elétricos. “Elementos como lanternas e faróis são a vocação das injetoras Smartpower, de 25 a 400 toneladas, enquanto as máquinas elétricas Ecopower, de 25 a 40 toneladas, mandam bem em autopeças de médio porte”, completa o diretor geral.

Mesmo com o mercado brasileiro em banho-maria, as montadoras pressionam transformadores e sistemistas por um engajamento concreto nos parâmetros de automação e digitalização na trilha do conceito da fábrica inteligente. Saltori tem aproveitado essa deixa ofertando, com base na autonomia de sua empresa em injetoras e periféricos, células produtivas tipo “plug & produce” (ligue e produza). “Contam com o comando Unilog 88, presente em todas as nossas injetoras, integrado a robôs, desumidificadores, termorreguladores e controles de fluidez”, descreve o especialista. “O sistema é interligado através de roteador com entradas USB”.

Ciclo abreviado
Com 44 anos de bagagem em especialidades poliméricas no Brasil, a inglesa Croda tem vaga reservada para suas soluções em autopeças injetadas. “As mais procuradas são desmoldantes e o aditivo anti-risco”, distingue Lygia Bruni, coordenadora de marketing para a América Latina. “Ambos oferecem vantagens econômicas durante o processo, pois dispensam o uso de spray de silicone, reduzindo assim os ciclos de produção e a incidência de desgaste nas máquinas, além de contribuírem para o acabamento das peças com decorrente declínio dos índices de rejeição”.

Entre os chamarizes acenados aos componentes automotivos injetados pelos desmoldantes Incromold, Lygia ressalta as melhorias proporcionadas ao fluxo e à dispersão de polímeros com carga. “Também favorecem o esmero superficial da peça, protegendo-a contra riscos e arranhões, e elevam a produtividade, pois baixam o ciclo de injeção e a quantidade de refugo gerado em linha e de produtos acabados reprovados”, completa a executiva.

Por seu turno, assinala Lygia, os aditivos anti-risco Incroslip SL, sobressem pelo deslizamento, estabilidade, alta resistência a condições climáticas intensas e baixo efeito blooming. Aditivos insaturados convencionais, exlica a técnica, degradam quando submetidos a ambientes de altas temperaturas e à radiação UV, acentuando assim a visibilidade de manchas brancas na peça injetada. “É uma ocorrência frequente em painéis pretos de instrumentos após grande exposição a raios UV”, ilustra Lygia. Incroslip SL não cabe nessa moldura, ela frisa, pois suas cadeias saturadas aumentam sua resistência a esse tipo de intemperismo. “Além do mais, esses aditivos melhoram a desmoldagem da peça injetada e não alteram sua aparência final, destoando de alguns tipos capazes de deixá-la com aspecto mais pegajoso”, arremata a coordenadora de mareketing da Croda.

Agente compatibilizante
A ExxonMobil trata de abrir caminho na indústria automotiva brasileira para os polímeros Vistamaxx. Entre os alvos dessa especialidade figuram compostos poliolefínicos para componentes de isolamento acústico, indica Newton Atore, engenheiro de vendas do produto para o mercado interno. “Vistamaxx tem lugar em peças termoformadas ou injetadas com alto teor de carga e exigência de algum nível de flexibilidade, dois atributos que constituem vantagens sobre materiais concorrentes”, delimita o técnico. “Essas peças são montadas como revestimento do carpete ou frontal (entre o motor e o interior do carro)”.
Outra vocação de Vistamaxx cultivada por Atore é seu uso como compatibilizante entre polietileno (PE) e polipropileno (PP) em peças nas quais as montadoras pretendem ampliar a quantidade de material reciclado, a exemplo de painéis de portas, consoles, caixas de roda ou coberturas de colunas. “Ao compatibilizar ambas as poliolefinas, os polímeros de performance Vistamaxx aperfeiçoam as propriedades mecânicas e modificam o comportamento do fluxo, melhorando o processamento”, sumariza Atore.

Triboplásticos respondem na bucha
Limpadores de parabrisa. Válvulas de injeção, mecanismos de pedais ou sistemas de transmissão e de assentos dão ideia da abrangência das aplicações automotivas de um material nobre patenteado pela alemã igus: o composto tribológico e autolubrificante iglidur. Márcio Marques, gerente de produto para buchas e mancais de iglidur da filial brasileira, salienta a redução de peso proporcionada por esse polímero e assinala que as peças manufaturadas com iglidur são resistentes a impurezas, de alta capacidade estática e livres de corrosão, manutenção e lubrificação. “Substituem buchas e rolamentos metálicos em qualquer aplicação deslizante e a custos de compra que podem ser até 40% inferiores”.

No plano mais específico, o executivo enxerga competitividade para sua especialidade importada desbancar metais no setor automotivo brasileiro em mecanismos de assentos. “O emprego de iglidur diminui o peso em até 80% e, por absorver a vibração, evita ruídos”, sustenta Marques. Assentos e dobradiças também passam pelo radar de iglidur para deslocar componentes automotivos injetados no Brasil com compostos de poliamida (PA) 6. “O polímero tribo-otimizado ganha em durabilidade e resistência mecânica e, assim como pela dispensa de qualquer insumo auxiliar lubrificante”, explica Marques. “Devido à movimentação constante e intensa, essas aplicações demandam elementos robustos e resistentes ao desgaste”. Outra frente promissora para iglidur na seara automotiva é descerrada pela sua versão em pó na impressão 3D por sinterização seletiva a laser de elementos como buchas deslizantes . Com baixa flamabilidade e propagação de chamas, o grade iglidur I 3 SLS ultrapassa os padrões de segurança estipulados pela regulamentação norte-americana Federal Motor Vehicle Safety Standards (FMVSS) 302 a respeito de incêndio no interior dos veículos, causado pelo uso descuidado de fósforos e cigarros.

Fé na virada
No momento, a maior demonstração de fé cega na retomada da demanda de peças técnicas injetadas, componentes automotivos à frente, procede da Radici Plastics Brasil, vice-líder em compostos de PA 6.6 com fábrica modelo em Araçariguama, interior paulista. “Estamos aumentando em 40% nossa capacidade produtiva, por meio da incorporação de nova extrusora Coperion STS 75, já em escala industrial”, sublinha Jane Campos, CEO da subsidiária local da corporação italiana. “Temos cinco extrusoras somando potencial de 16.500 t/a para compostos, entre eles novos tipos à base de poliftalamida (PPA) e de sulfeto de polifenileno (PPS). Em dois anos, ela calcula, foram investidos R$ 13 milhões na operação brasileira. “Apenas em 2017, modernizamos o laboratório e a infraestrutura fabril mediante a ativação de ensacadora automática e migraremos em breve para o sistema de software aplicativo de gestão empresarial SAP”, ela ilustra.

Aurelio Giovanni Mosca, diretor técnico/comercial da componedora Krisoll, sediada na Grande São Paulo, reconhece o impacto da recessão sobre as encomendas de suas formulações para a injeção de autopeças. Em reação, ele contrapõe, “temos trabalhado muito para ajustar os compostos ao melhor custo/benefício para os projetos que chegam e, nesse sentido, a lição diária de casa, ainda mais na conjuntura econômica atual, passa pela negociação de polímeros, aditivos e demais componentes das soluções”.

Além da milhagem premium de voo no ramo e do laboratório próprio para desenvolvimentos, o pulo do gato da Krisoll é sua flexibilidade para atender pequenas campanhas, evidencia Mosca. Entre os feitos recentes, o dirigente cita grades das famílias Sollamid A 2750 e B 2750. “Tratam-se de compostos de PA em diversas concentrações de elastômeros e, entre os componentes automotivos em vista, constam buchas, presilhas e suporte de bancos. “São soluções de excelentes propriedades mecânicas sob impacto, sobretudo sob intervalos bruscos de temperaturas na faixa de 20ºC a -30ºC”, afiança Mosca.

O bloqueio do bloco
No final do ano, vence o prazo de 12 meses de redução temporária da alíquota de importação de 12% para 2% para cotas de dois polímeros nobres com cadeira cativa na injeção de autopeças: PA 6, com cota de 35.040 toneladas, e, no caso de policarbonato (PC), 7.200 toneladas. A permissão dada pelo governo para importação de frações das duas resinas com alíquotas alfandegárias menores foi publicada em 5 de dezembro do ano passado e a medida é passível de renovação.

Pequeno detalhe: nenhum desses termoplásticos tem produção nacional, o que em tese justificaria a adoção de imposto de importação sem limitação de volumes e período estabelecido de vigência.

Mas na prática, ainda mais no Brasil, a teoria é outra. Procurada por Plásticos em Revista, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) informa a existência de diversos mecanismos para a reivindicação de alterações tarifárias no âmbito de questões pertinentes à temporariedade e estabelecimento de cotas. A ferramenta escolhida pela Radici Fibras e Sabic Brasil para o pleito de rebaixamento do imposto de importação para PA 6 e PC (em pó e flocos), esclarece a Camex, teve como lastro o argumento do desabastecimento regional no Mercosul. “O instrumento de redução da tarifa do imposto de importação é regido pela resolução do Grupo Comum Mercosul (GMC) nº08/08 e depende de aprovação prévia dos Estados Partes”, elucida a Camex. Sob limite de cotas, as alíquotas podem declinar até 2% com validade máxima de 12 meses.

PC não é produzido nos países filiados ao Mercosul. Quanto a PA 6, o último relatório da Câmara Argentina da Indústria Plástica (Caip) registra simbólicas produções do polímero em 2016 e 2017, respectivamente de 800 e 500 toneladas, volumes muitíssimo abaixo das cotas liberadas para importações brasileiras. “O pleito de PA 6 foi realmente feito pela Radici Fibras, pois o setor têxtil é bastante sensível a custos”, confirma Jane Campos, CEO da Radici Plastics Brasil. “Ocorre que código 3908.1024 de Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) para poliamidas, inclui os tipos 6 e 6.6. Para zerar a tarifa de importação de PA 6, pois o Mercosul tem no Brasil um produtor do polímero 6.6, seria preciso dispor os materiais em NCMs em separado e criar novo sufixo, o que depende da aprovação de todos os membros do bloco”. Por contar com polimerizadores pequenos de PA 6, completa a dirigente, a Argentina se opôs a redução permanente sem limites em volume do imposto de importação de PA 6.

“O volume concedido no regime temporário é irrisório”, considera Aurelio Mosca, diretor da Krisoll. “A necessidade mensal do grade standard de PA 6 para compostos gira no Brasil em torno de 1.000 t/mês”. O ônus da alíquota de importação no topo para o grosso dos volumes trazidos de um polímero sem contratipo nacional é sentido de imediato na sua industrialização, emenda inconformado o componedor. “Somado o imposto de 14% e as demais despesas de internação, o saldo incide na casa de 20% no custo direto do material e nossa indústria não suporta este peso, sendo forçada a baixar as já pequenas margens de lucro”.

Oxalá NCM também não signifique Ninguém Consegue Mudar. •

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