Tente imaginar esta foto sem ele

Em 60 anos de produção nacional, o polietileno mudou – para bem melhor – a vida da população

“Polietileno já é matéria-prima nacional”, ribombava com ufanismo o jornal O Estado de S. Paulo ao dar a notícia sobre a partida, em 1958, da fábrica de polietileno de baixa densidade (PEBD) erguida pela norte-americana Union Carbide em Cubatão, Grande São Paulo. “É o primeiro empreendimento no gênero na América Latina”, apregoava a matéria, ilhada numa página interna de classificados de produtos e processos do caderno “Indústrias”.

Investimento então orçado acima de US$ 7,5 milhões, a unidade debutou em área de 570.000 m² com capacidade de 4.500 t/a, alimentada por eteno servido pela Refinaria Presidente Bernardes, insumo na realidade proveniente da rota alcoolquímica (etanol da cana de açúcar) e não do petróleo, como informou o jornal. A título de referência, citava o texto, há 60 anos os EUA consumiam 400.000 t/a de PE, polímero disponível em escala industrial desde 1953. Para o Brasil, a iniciada produção da resina em Cubatão ensejaria uma economia calculada no artigo em US$ 3 milhões anuais em divisas.

Seis décadas depois, muita água rolou embaixo da ponte. Nesse ínterim, por exemplo, a Union Carbide foi mundialmente incorporada pela Dow que, por sua vez, tocou a planta em Cubatão até vendê-la à sua atual controladora, a Braskem, com a capacidade estendida a 140.000 t/a e suprida com eteno da rota nafta. Embora menção histórica obrigatória, a leitura fria dos números e da troca de mãos no comando da fábrica não traduz nem de longe seu significado como pedra fundamental da modernização da indústria brasileira do plástico e dos hábitos de consumo e condições de vida no país, um fato tão incontestável quanto convenientemente esquecido no falatório desses tempos de irracional crucificação das resinas pela ira ecoxiita mundial.

Não há setor ou atividade que ouse não creditar sua evolução à influência direta dos plásticos, razão aliás de o material ser tomado como sensor informal da economia, até mesmo por quem despeja sua aversão a ele digitando em teclados de… plásticos de engenharia. Mas polietileno é um caso à parte, por ser a resina mais consumida no planeta, por ter elevado a qualidade, praticidade e conveniência em todos os redutos onde se enfiou e, argumento bala de prata, massificou com seu custo/benefício os mercados para produtos ditos essenciais em níveis utópicos para as escalas restritas e caras da escanteada trinca do vidro, metal e papel. De alimentos a cosméticos ou artigos de limpeza, por exemplo, sobram provas de que o Brasil de 60 anos depois daquela inauguração em Cubatão não estaria hoje listado entre os maiores mercados do planeta se as embalagens de polietileno não tivessem deixado uma infinidade de produtos ao alcance das classes de baixa renda.

Essa democratização do consumo de gêneros de primeira necessidade é um divisor de águas traçado pela resina na vida brasileira, reconhece Américo Bartilotti, diretor do negócio polietileno da Braskem. Ele ilustra essa visão com o aumento de shelf life proporcionado aos alimentos por embalagens rígidas e flexíveis, também destacadas por ele pela resistência ao transporte de longa distância, reduzindo índices de perdas na logística e permitindo o consumo dentro dos prazos de validade em localidades distanciadas do ponto de origem.

Mas Bartilotti vai além das embalagens, salientando a importância do polímero no agronegócio, através do silo bolsa, hoje visto como solução para atenuar o déficit nacional de armazéns estáticos para grãos, e no combate à insuficiência de água através de cisternas na região do semiárido. Para corresponder a todas essas expectativas, a Braskem não só investe seguidamente na atualização da planta pioneira em Cubatão, como tem burilado seu portfólio de PE, cuja mais notória referência para a opinião pública é “I’m Green™”, o PE verde, resina produzida no Rio Grande do Sul pela mesmíssima rota do etanol trilhada na partida, sob o clima de eufórico empreendedorismo da era JK, daquela pequenina planta da finada Union Carbide. Pelo flanco do tipo de alta densidade (PEAD), Bartilotti distingue grades mono e bimodais e encaixa a introdução recente de Rigeo Lumios, resina desenhada para turbinar o brilho e acabamento de frascos. Entre os grades lineares (PEBDL), ele distingue o tipo para camada de pega em filmes coex Flexus Cling e, para laminados, a resina Proxess 1509 XP, a tiracolo da excelência no processamento, propriedades ópticas, solda e estabilidade de deslizamento.

Varejo de PE: do atravessador ao distribuidor profissional

Polietileno é o carro-chefe do varejo do plástico, um canal de vendas radicalmente repaginado de 20 anos para cá. Com mais de 30 anos de janela no ramo, Wilson Cataldi e Amauri dos Santos, dirigentes da Piramidal, a maior e mais veterana distribuidora da rede Braskem, são os artífices da aposentadoria do conceito de mero atravessador antes atribuído ao distribuidor autorizado pela reputação atual de braço da petroquímica na comercialização de resinas para transformadores de menor porte. “Até a década de 1990, o mercado esteve fechado, com cotas de fornecimento estabelecidas pelas petroquímicas e as importações eram proibidas por lei”, observam os dois varejistas. “Este ambiente, pela lógica, não contribuiu para o profissionalismo nem para melhorar a qualidade prestada pela distribuição”. Àquela época, por sinal, era habitual na praça o modelo de distribuidora de poliolefinas tocado por ex-diretores e/ou parentes de acionistas de petroquímicas. “Este modelo acabou”, explicam Cataldi e Santos, “pois era baseado num mercado protegido, no qual quem comprava era o cliente, nenhum esforço era preciso para o agente vender a cota de resina que lhe era designada pelo produtor representado”. Quando veio a abertura, eles completam, irrompeu uma superoferta de materiais nacionais e importados. “Isso exigiu investimentos e qualificação das distribuidoras e quem não conseguiu acompanhar a mudança sucumbiu”.

Ao longo dos anos seguintes, assinalam os dois dirigentes,o distribuidor oficial construiu uma imagem de garantia fiscal e de suprimento permanente dos grades das resinas. Muita argamassa na construção dessa imagem veio de pioneirismos implantados no país por Cataldi e Santos. “Entre as inovações e práticas que introduzimos, figuram a adoção de softwares de controles, ferramenta virtuais de gestão, call center, seleção e treinamento contínuo de pessoal qualificado e um portfólio não mais limitado a termoplásticos commodities, estendendo-se por materiais de engenharia e auxiliares”.
No varejo brasileiro de PE, distribuidores oficiais competem com revendas independentes e alimentadas por resinas provenientes do excedente de grandes indústrias de flexíveis. Cataldi e Santos sustentam que este canal de vendas está ao pé da cova. “Vai deixar de existir nos próximos anos, pois opera baseado em vendas oportunistas e desenhos tributários duvidosos, além de não ter qualquer preocupação com o desenvolvimento da cadeia do plástico. Esse tipo de revenda não existe lá fora”.

José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira do Plástico (Abiplast), tem cadeira cativa na trajetória de PE no país desde 1983 quando, engenheiro recém-formado, ingressou no time da assistência técnica da petroquímica baiana Polialden, mais tarde absorvida pela Braskem. “Entre os primeiros projetos marcantes, participei do desenvolvimento de filmes de alto peso molecular, causa da substituição de sacos de papel por sacolas plásticas; da introdução de frasco soprados para químicos/cosméticos/limpeza e da produção e lançamento de polietileno de alta densidade e ultra alto peso molecular para peças técnicas”, rememora. Àquela época, prossegue, também foi dada no país a largada das exportações regulares de resinas nacionais e do então chamado sistema VIPE – vendas de termoplásticos a preço diferenciado para transformados destinados a exportações. Nos anos 90, Roriz assumiu a diretoria comercial da Politeno, a outra produtora de PE alojada no polo de Camaçari e onde ele contribuiu para concretizar a decolagem das resinas lineares e dos grades de média densidade linear em rotomoldados a exemplo de caixas d’água, contentores e equipamentos esportivos.

O Brasil de hoje, reconhece Roriz, estagnaria se continuasse a depender apenas de vidro, metal e papel para suas embalagens. A escalada de PE no acondicionamento de alimentos e outros produtos de primeira necessidade, ele pondera, incrementou a eficiência na proteção, estocagem e transporte, além de aumentar o shelf life. “Se considerássemos a hipótese da disponibilidade apenas de outros materiais para embalar, muitos produtos hoje comuns simplesmente não teriam como ser acondicionados ou seu uso incorreria em risco muito maior para quem lidasse com eles”, assinala o dirigente. “Mesmo os casos de produtos de acondicionamento possÍvel em outros materiais resultariam, em regra, em embalagens mais pesadas. Por extensão, mais caras de se produzir, transportar e armazenar, além de gerarem maior volume de resíduos sólidos”. As enxaquecas não param por aqui. “Também teríamos desempenhos inferiores em determinadas aplicações, com redução de shelf life e consequentes problemas logísticos e de desperdícios de produtos”, insere Roriz. “Todas essas questões relativas a aumento de custos acabariam repassadas ao consumidor, através dos preços finais onerados”.

Tal como Américo Bartillotti, o presidente da Abiplast extrapola a importância de PE para além do seu mercado nº1 em volume, as embalagens sopradas e extrusadas. “Os dutos de PE aprimoram a irrigação na lavoura ao reduzir o desperdício de água e permitir a produção agrícola em lugares antes vistos como impróprios para o cultivo”, ele aponta. “Por sua vez, o tanque de combustível soprado com PEAD ampliou a vida útil dos tratores ao evitar vazamentos e a oxidação das peças e, ainda na esfera rural, os pulverizadores costais, também de PEAD, facilitaram a aplicação de defensivos e elevaram a produtividade de pequenas propriedades”.

Entre as indústrias finais usuárias de PE, é difícil cogitar um nome melhor que a Unilever para retratar em alta resolução a revolução deflagrada pela resina em 60 anos de produção no país. Por dois motivos chapantes: a empresa acumula mais de 80 anos de milhagem no mercado brasileiro e seu raio de ação convoca PE em todas as frentes de um portfólio de marcas campeãs de alimentos, cosméticos e produtos de limpeza doméstica. “Embalagens de plásticos como PE são versáteis e leves, possibilitando menor custo de logística e produção”, expõe Gabriela Cescato, gerente de sustentabilidade para embalagens da Unilever Brasil. “Essas características fizeram com que os plásticos se popularizassem no pais por meio de indústrias de bens de consumo, como a Unilever”. No embalo, Gabriela destaca a segurança das embalagens de PE para contato com alimentos. “Em formato flexível, podem ser laminadas com materiais de alta barreira, diminuindo o contato com fatores de oxidação, como luz e umidade, aumentando a durabilidade do seu conteúdo”, avalia a executiva. “Dessa maneira, os alimentos são conservados por mais tempo e evita-se seu desperdício, como atestam as embalagens de sopas e temperos da marca Knorr”.

Assim como Braskem e Abiplast, a Unilever opera engajada até o talo em compromissos com o desenvolvimento sustentável, um esforço no qual PE ganha cada vez mais relevância. Gabriela exemplifica com a parcela da resina reciclada na composição da embalagem de OMO Multiação Líquido. “Desse modo, a marca contribui para reduzir a demanda de PE virgem, ao deixar de usar mais de 500 t/a no processo de fabricação”, ela completa. Ainda na seara da limpeza doméstica, Gabriela cita como referência o sabão OMO com refil para diluir. “É um produto seis vezes mais concentrado, razão pela qual utiliza 75% menos PE na embalagem”. A mesma atitude emana da área de cuidados pessoais, insere Gabriela. “Por exemplo, a marca Seda lançou a variante Shampoo Pretos Luminosos em frasco contendo 1/3 de PE reciclado, enquanto a marca TRESemmé acaba de relançar todo o portfólio com embalagens que utilizam 20% menos plástico que as versões precedentes e, por fim, a marca Dove está introduzindo condicionadores em bisnagas 100% de polietileno verde, uma contribuição para diminuir a incidência de gases de efeito estufa”.

Polietileno na veiaPolietileno na veia

Jacques Siekierski é o marco zero da transformação da resina no Brasil

A mais completa tradução de polietileno (PE) na transformação brasileira tem nome e sobrenome: Jacques Siekierski, 86 anos, hoje à frente do seu grupo Brampac. Não há quem chegue perto dele em quantidade de lançamentos que mudaram a cara da indústria e promoveram uma revolução silenciosa nos hábitos e costumes para elevar o padrão de vida no país. A lista de feitos de Jacques, como ele é conhecido na cadeia mundial de embalagens, é infindável. Basta citar sacos valvulados, rótulos manga (sleeve), o pioneirismo na rotogravura e na coextrusão de flexíveis, fora incursões por tubos laminados de creme dental, masterbatches e, tacada impensável pelo empresariado do plástico nos anos 1980, até a compra de uma indústria de filmes impressos nos EUA. “Confesso que geralmente eu tinha muito mais ideias do que recursos”, ele admite no livro Jacques Siekierski-50 anos de Brasil. “Também nunca fui guiado pelos resultados econômicos dos empreendimentos. Isso foi um erro (…). O mercado, frequentemente, não perdoa os sonhadores. Em muitas áreas fomos bem-sucedidos, em outras áreas, menos. Batalhas foram ganhas, mas a que custo?”

Pois foi justo em 1958, quando partia em Cubatão a fábrica pioneira de polietileno de baixa densidade (PEBD) da Union Carbide, que o parisiense Jacques, com apenas três anos de Brasil, leu um classificado de oferta de uma fábrica parada na zona sul paulistana chamada Itap Indústria Técnica de Artefatos de Plásticos Ltda. O resto é história – e bem diferente do cenário maduro e concorrido para PE 60 anos depois. Para começar, os anos 1950, em especial a era JK, foram um período de febril desenvolvimentismo e as oportunidades se abriam feito pétalas para o plástico, seja como material de componentes para indústrias de bens duráveis que aqui brotavam, caso da indústria automobilística, seja como sucessor do papel, vidro, metal e madeira para embalar produtos essenciais em grande escala a custos menores. Jacques surfou na crista dessa onda dos anos 1960 ao final dos 1990, nacionalizando aplicações de poliolefinas em regra inexistentes no país e com raras tacadas frustrantes. O solo da demanda para ousadias era tão fértil que, por muitas vezes, a impulsividade e faro desse visionário deixaram o bom senso em saia justa. “Eu sempre comprei máquinas apesar das recomendações de cautela e em um ano já precisava comprar mais outra linha. Eram outros tempos”, ele rememora. Nesta entrevista, Jacques Siekierski se debruça sobre a trajetória de PE no país, em grande parte traçada por ele.
O Brasil dependia 100% de PE importado até a partida da planta da Carbide, em 1958. Qual o efeito dela para acelerar o desenvolvimento de embalagens até então inéditas aqui e o investimento em fábricas transformadoras?

Essa planta partiu com capacidade na faixa de 10.000 t/a, alimentada por eteno obtido do etano derivado do etanol da cana de açúcar, a mesma rota seguida mais de meio século depois pela Braskem com o seu polietileno verde. Àquela época, já operavam transformadoras de flexíveis. Lembro da Electroplastic, ainda ativa hoje e, das que já se foram, a Plastifom e Tuffi Habib.

O primeiro uso do filme de PEBD nacional foi para substituir celofane como envoltório de roupas nas indústrias têxteis. Depois surgiu um grande mercado, os sacos para sal. A Itap forneceu essa embalagem para o Sal Cisne. Mas PEBD enfrentou problemas para avançar no país. Um deles foi a necessidade de tratamento superficial do filme para ser impresso, uma vantagem do celofane, e enquanto esse ajuste no acabamento não foi desenvolvido, o consumo de PEBD ficou restrito, embora tivesse penetrado no campo, como mulching para flores plantadas por agricultores japoneses. Quando enfim dominou-se o processo de impressão, o filme tomou corpo em embalagens de alimentos, um período em que as extrusoras careciam de melhorias, tal como o conhecimento dessa tecnologia pelos transformadores. Mais tarde (1962), quando a Solvay começou a produzir o tipo de alta densidade (PEAD) em Santo André, a extrusão de PE já estava madura no país.

Como era o desenvolvimento de aplicações de PE naquela fase inicial da produção da resina pela Carbide?
Hoje em dia, as indústrias finais se apresentam autossuficientes, com um punhado de jovens marqueteiros despreparados e chatos palpitando e emperrando o desenvolvimento de embalagens. Ficam falando em padrão global das soluções, alheios às condições locais. Eu acho isso errado, pois tira do transformador a oportunidade de sugerir e participar diretamente da criação das aplicações; ele vira um passivo executor de ordens. No passado, acontecia o contrário. Tratávamos direto com o dono da empresa. Muitas vezes ele propunha embalagens caras que via lá fora e a gente contra-argumentava que a proposta não era racional para a realidade econômica do Brasil. Eu sempre defendi que, mais importante do que ganhar no valor agregado, era ganhar no custo/benefício, na regularidade das vendas em altos volumes.

Um exemplo de irracionalidade ainda pendente é uma aplicação de PE que introduzi no Brasil: o zíper de plástico. É irracional porque sai mais caro do que a própria embalagem que o agrega. Ainda assim, na falta de algo melhor, é uma solução de abertura e refechamento que permanece na praça, embora eu a considere insatisfatória na performance e no custo/benefício.

Ao longo desses 60 anos, quais foram as embalagens flexíveis e rígidas de polietilenos que mais contribuíram para melhorar a qualidade de vida da população e que deram acesso às camadas mais pobres a produtos (alimentos, cosméticos etc.) antes inacessíveis para elas?
Todas as embalagens rígidas e flexíveis de PE contribuíram para a qualidade de vida. Aí estão, por exemplo, os sacos com barreira em alimentos, a substituição do celofane. Eu concordo com quem diz que uma pouco falada virtude das embalagens de plásticos como PE foi a democratização do consumo, pois permitiu ao público de baixa renda acesso a muitos produtos antes mais restritos a quem tinha melhor poder aquisitivo, por motivos como as escalas limitadas da embalagem e o custo de materiais concorrentes, como o metal. Mas, nos anos 1950, ainda havia um approach algo elitista no mercado. Por exemplo, quando introduzi o saco de lixo, eu cogitei, baseado na experiência europeia, agregar um aroma tipo baunilha à embalagem, para atenuar o mal-estar causado pelo fedor para quem lidava com o lixo. Ao sugerir isso para alguém ouvi que era bobagem pura, pois quem se incumbia do lixo eram as empregadas e não as madames. A ideia morreu aí. Outra embalagem que facilitou muito a vida da população e teve seu momento, foi o saco de leite, desenvolvimento europeu que a Itap também trouxe para cá (lançado em 1966), e varreu de cena a garrafa de vidro. O cliente pioneiro foi o Laticínio Poços de Caldas. Comecei com uma coextrusora blown alemã Reifenhäuser. Era um saco à base de um filme branco por fora, por opção da estética, e outro preto por dentro, devido à crença então em vigor de que a cor impediria o surgimento de bactérias anaeróbicas no alimento. Mais à frente, desenvolvemos um filme dupla face com uma cor de cada lado. A caixa cartonada aposentou o saco de leite, inclusive porque a estrutura operacional e de transporte no país inviabiliza comercialmente o consumo de leite fresco, direto da vaca para a refrigeração na loja. Em países de logística avançada, como os EUA, o leite fresco é envasado em regra em recipiente soprado e a caixa cartonada tem pouco espaço. Ela se adequa ao acondicionamento do leite esterilizado nos laticínios, processo que destrói os micro-organismos e permite sua distribuição aos pontos de vendas dependentes de uma estrutura precária de transportes como a nossa. Além do mais, brasileiro não é muito chegado a leite. Já para introduzir a embalagem coextrusada em alimentos, as primeiras máquinas que utilizamos foram linhas da alemã Kieffel (absorvida pela Reifenhäuser), com massudos blocos de cabeçotes complexos da suíça Rewisa. Nosso primeiro cliente foi a Sadia, acondicionando as carnes processadas na embalagem multicamada.

A planta erguida pela Carbide continua na ativa em Cubatão, após sucessivos desgargalamentos e retrofits. Como encara essa permanência?
A pergunta puxa pela minha experiência em petroquímica. Como transformador, eu sonhava com a verticalização na resina e foi por isso, que me apresentei no início da décadas de 1970 ao governo para compor o sistema tripartite da Politeno, produtora baiana de PE depois absorvida pela Braskem. O controle era repartido pela estatal Petroquisa; a Sumitomo como licenciadora múlti da tecnologia e, após negociações, o extinto Banco Econômico e a Itap como acionistas do lado do empresariado nacional. Em dois anos o investimento se pagou e vendi minha participação em 1983, nove anos depois de ingressar na sociedade, apenas por precisar de capital naquelas circunstâncias.
Quanto à fábrica inaugurada pela Carbide em 1958 e de pé até hoje em Cubatão, acho que ela está aí porque contabilmente ainda dá resultado e sua empresa não tem concorrência local. Se fosse nos EUA uma unidade defasada em tecnologia e escala já teria sido demolida há bom tempo e outra mais atualizada e competitiva estaria produzindo em seu lugar.

Qual a sua visão da transformação atual de PE no Brasil e quais as perspectivas?
Hoje em dia, eu vejo a transformação assentada em três frentes. Numa delas estão as indústrias que rodam em áreas de incentivos fiscais, como Bahia, Manaus, Minas e Rio, subsídio que as livra de operar com prejuízo. Outro reduto é o de empresas como várias indústrias de Santa Catarina, produtoras de transformados de maior valor agregado. Por exemplo, os pouches, a meu ver uma embalagem cara demais para a realidade brasileira. Por fim, temos as empresas menos capitalizadas, que rodam com performance tributária a desejar. Eu acho que estas últimas nunca deixarão de existir, mas seu efetivo tende a encolher e o grosso do mercado caminha para ficar repartido entre poucas empresas que atendem nacionalmente grandes clientes, tipo Unilever e Coca-Cola, e o quadro de transformadores de alcance regional. A propósito, no começo da produção nacional de PE não existia algo que considero uma exclusividade do Brasil: transformadores que concorrem com distribuidores no varejo de PE comercializando, através de revendedores autônomos, o excedente da resina que adquirem direto da petroquímica. É o tipo de desdobramento do negócio de produzir embalagem que nunca vi em lugar algum. •

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