Foi dada a largada
Pela estridência das intenções de investimentos, a consultoria norte-americana Applied Market Information pressente engorda em tempo recorde da capacidade global de reciclagem química de plásticos pós-consumo. Arredondada em 1,2 milhão de t/a em 2022, ele deve virar 2030 na faixa de 8.7 milhões. Desse total, a pirólise deve participar com 46% na segmentação por tecnologias da também denominada reciclagem avançada.
Na mesma raia da economia circular, a reciclagem mecânica tem crescido com alcance mundial nos anos, mas acusa limitações de cunho técnico e legal em casos de maior fluxo de materiais altamente contaminantes. Entre as referências de obstruções, constam as restrições da reciclagem mecânica para processar determinados tipos ou composições de polímeros, a exemplo de flexíveis e estruturas multimaterial. Vale considerar ainda que a qualidade do polímero diminui a cada ciclo da reciclagem mecânica, levando à perda de características técnicas e acúmulo de aditivos e contaminantes diversos. Outro ponto-chave: normas legais e técnicas restringem a reciclagem mecânica para materiais destinados a contatos com alimentos. Exceção extensiva ao Brasil: PET grau alimentício reciclado pelo processo físico bottle-to-bottle. Por fim a realidade mundial indica que os volumes de plástico reciclado determinados em prazos apertados por leis e clamados por brand owners ainda não conseguem ser entregues pela reciclagem mecânica em isolado.
Nessa navegação em mar agitado, a reciclagem química surge como tecnologia complementar à mecânica, para alinhar o plástico à economia circular com viabilidade econômica.
Na selfie atual, são quatro as tecnologias de reciclagem química à disposição do setor plástico. Elas diferem entre si em tópicos como os tipos de polímeros processados, capacidades produtivas e os estágios de maturidade das instalações adeptas dos quatro métodos na ativa no mercado mundial. Um ponto crítico para a sobrevida das quatro tecnologias na prática refere-se ao suprimento garantido e regular de matéria-prima para reciclagem química. Por essas e outras, desponta desde 2022 como tendência internacional no ramo o estabelecimento de centrais de estoque e triagem para separar, limpar e identificar o refugo coletado, para corresponder ás expectativas de performance na reciclagem química.
Tecnologia com mais adeptos e mais consolidada na praça, o processo de pirólise, adotado em especial para polímeros de baixos teores de oxigênio, como um mix de poliolefinas, em particular flexíveis. A pirólise consta, em resumo, do craqueamento térmico que converte sucata plástica e seus contaminantes em matérias-primas como gás de síntese e hidrocarbonetos (óleos, ceras, gases diversos). Em prol de uma pirólise nos conformes, a consultoria inglesa Eunomia lista os limites máximos de contaminantes para matérias-primas integrantes dos resíduos submetidos esta reciclagem química: PVC e PVDC, 1%; BOPET, EVOH e PA, 5%; PS, 7%; metal rígido, vidro, impurezas e finos, 7%; papel e orgânicos, 10%; PP e PE, mínimo de 85%, Entre os licenciadores de tecnologia de pirólise cintilam Plastic Energy, Versalis, Chevron Phillips, Agilyx, Ineos, Neste e Honeywell.
A reciclagem por depolimerização transcorre pela ação termomecânica, por rotas como catalisadores (metanólise, catálise magnética por micro-ondas) ou enzimas (glicólise) para retornar polímeros à condição de monômeros, dímeros ou oligômeros (ceras, p.ex) . Os adeptos da depolimerização voltam-se para resinas como PS, PMMA, PA e, em particular, refugo de PET. Caixas de smartphone, por exemplo, já são injetadas com copoliéster da Eastman cujo monômero resulta da despolimerização de resíduos por glicólose ou metanólise. Outros licenciadores top do processo de depolimerização alinham Ioniqa, GR3n, Carbios, Pirowave, Loop Industries, Aquafil e samsara.
Com licenciadores como Enerkem e Olefy, a reciclagem por gaseificação consta de craqueamento térmico em presença de quantidade controlada de oxigênio. Na mão oposta da pirólise, a gaseificação aceita o trabalho com resíduos de polímeros que incorporam oxigênio e halogênio gerando ao final gás de síntese. Um dos maiores desafios da reciclagem de gaseificação são altos teores de alcatrão entre os refugos gerados, entrave removido de cena pela tecnologia Sinova, patenteada pelo instituto de pesquisa holandês TNO.
O rol de tecnologias em vigor na reciclagem avançada se completa por ora com a dissolução ou purificação base solvente, acenada por desenvolvedores como Polystvert e Recycling Avenue para poliolefinas, estirênicos, PVC e PET. O resíduo pós-consumo é dissolvido num solvente que permite retirar dele cargas, pigmentos e outros contaminantes. O polímero purificado resultante sofre, na reciclagem por dissolução, menos stress termomecânico que na reciclagem física. Mas a resina gerada requer ser peletizada e beneficiada (composto) antes de ganhar o reúso. As etapas dessa variante de reciclagem química envolvem o pré-tratamento, dissolução, filtragem, precipitação, remoção do solvente e reformulação. Este percurso picado atrai para a dissolução polímeros pós-consumo cujo elevado grau de contaminação os distancia da mais direta reciclagem mecânica.
Plantas como as de despolimerização e purificação base solventes requerem uma seleção bem mais criteriosa de sucata para reciclagem do que operações de gaseificação e pirólise, cujas escalas e variedade de polímeros trabalhados são bem superiores. A propósito, a entidade nova-institute lançou em junho de 2022 um relatório que listava mais de 60 fornecedores de tecnologia de pirólise apenas na Alemanha, um contingente em expansão.
Apesar de a reciclagem química configurar uma saída para plásticos pós-consumo inaproveitáveis pela reciclagem mecânica, o cenário mundial revela ainda não estar clara a linha divisória entre as matérias-primas para cada uma dessas categorias. Desse modo, registram-se volta e meia conturbações em mercados desenvolvidos causadas por especificações para matérias-primas destinadas à reciclagem química que estendem seu alcance no refugo em linha com a reciclagem mecânica, um perrengue agravado pela carência internacional de resíduos para ambos os lados.
Argumentos como a estrutura insuficiente para prover suprimento regular de sucata adequada, mantêm por ora a América Latina na fase de sondagem de interessados por fornecedores europeus de tecnologias de reciclagem avançada. Na Europa e EUA, por sua vez, o noticiário é tomado por uma fieira de partidas gradativas de operações de reciclagem química, apoiadas em escalas e qualidades crescentes da molécula restaurada. A rentabilidade financeira com a reciclagem avançada é esperada a longo prazo, mas o retorno proporcionado por ela ao harmonizar plástico e sustentabilidade, como demonstra aliás a ExxonMobil à pág 49, não tem preço e começa, passo a passo, a ser desfrutado pelo setor. •
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