Um tormento perto do fim

Brasil caminha para autossuficiência em dióxido de titânio, o pigmento mais consumido em plástico, com investimento da mineradora Largo

Bem mais que os solavancos nos preços das resinas, em particular desde 2020, o calcanhar de aquiles da indústria de masterbatches no Brasil chama-se dióxido de titânio, pigmento branco que é o colorante mais empregado em produtos transformados, embalagens à frente. Desde o século passado, os componedores convivem com uma produção nacional do insumo, a cargo da planta de 60.000 t/a da Tronox, ultra abaixo da demanda. No plano geral, calcula-se que a unidade responda por 1/3 do consumo brasileiro geral. Para eriçar os nervos, a volatilidade da oferta e preços internacionais do pigmento lembra o vaivém do índice Bovespa. Pois esta página começa a ser virada pelo investimento já em curso de US$ 365 milhões da mineradora canadense Largo Inc., cuja subsidiária no Brasil, sediada na Bahia, é a Largo Vanádio de Maracás. O plano é partir em Camaçari, mesmo local da fábrica da Tronox, uma capacidade que atingirá de forma gradativa 120.000 t/a do pigmento tipo rutilo, de largo uso em plásticos, daqui a seis anos. Sua primeira aparição na praça está agendada para 2024. Nesta entrevista, Paulo Misk, CEO e presidente da Largo Inc, expõe a estrutura e metas do projeto que livrará o Brasil da dependência da instável disponibilidade de dióxido de titânio importado.

Paulo Misk
Misk: Largo pretende desbancar importações do pigmento chinês.

Há décadas, a produção nacional de dióxido de titânio não cobre a demanda doméstica. Ciente disso, por quais motivos apenas nos últimos anos a Largo decidiu investir na sua fábrica do pigmento branco?
A Largo iniciou sua operação em 2014 em Maracás, interior da Bahia, produzindo pentóxido de vanádio, metal usado em pequenas quantidades para aumentar a resistência do aço. É empregado em ligas especiais pela indústria aeroespacial e em baterias de vanádio que, por sinal, são a melhor solução para armazenar energia renovável e permitir que tenhamos no futuro 100% de energia verde no planeta. A Largo atua nos três mercados citados. Uma curiosidade: Somos uma das duas empresas no mundo que fornecem vanádio de alta pureza ao mercado aeroespacial. Por coincidência, ele emprega o vanádio (4%) numa liga contendo titânio (90%) e alumínio (6%) na fabricação de aviões.
Nos primeiros anos, os esforços foram destinados ao ramp-up (intensificação) e estabilização da produção de vanádio. Hoje em dia, respondemos por 8% da produção mundial, exportamos para a Europa, EUA e Ásia e somos referência pela excelência no setor desse metal.
Em 2018, já com a produção de vanádio tendo atingido a capacidade nominal, iniciamos a pesquisa de tecnologias e rotas para recuperação do titânio, presente também no nosso minério. Neste período, desenvolvemos as rotas de concentração da ilmenita (mineral de titânio) e de produção de dióxido de titânio. Estes projetos já foram aprovados e estamos hoje dedicados à implantação das plantas de ilmenita em Maracás e do pigmento no polo de Camaçari.

Qual é o cronograma do projeto do dióxido de titânio?
Nosso objetivo é iniciar a produção do dióxido de titânio em 2024, com 30.000 t/a, e concluir o projeto com 120.000 t/a até 2028. A proposta é implementar a produção em três etapas. Iniciaremos a produção de ilmenita e a planta de pigmento para 30.000 t/a, previstas para operar em 2024. A segunda etapa, para mais 30.000 toneladas e totalizando 60.000, está prevista para 2026. Já a terceira etapa, quando atingiremos a capacidade total de 120.000 t/a, deve ser concluída em 2028.
O motivo para o projeto ser faseado em três etapas é que nos permitirá uma melhor adequação do pigmento ao mercado interno, com tempo para termos o retorno de clientes, ajustar o processo e implementar as melhorias necessárias na segunda e terceira fases. O foco do nosso negócio é o mercado brasileiro. Então vamos melhorar o produto e ocupar nichos de acordo com as especificidades desejadas. Ao mesmo tempo, este faseamento possibilitará o desenvolvimento comercial de forma mais tranquila e harmônica. O terceiro motivo para isso é que o projeto será autofinanciado. A Largo não prevê a obtenção de nenhum financiamento externo e os recursos próprios serão disponibilizados ao longo de seis anos. Para a primeira fase do projeto, que vai até 2024 e já aprovada pelo conselho de administração, estão previstos US$ 122 milhões. Na segunda etapa serão gastos mais US$ 60 milhões e na terceira, US$ 183 milhões.

Por que a Largo prefere sediar sua futura capacidade de dióxido de titânio em Camaçari?
A planta de ilmenita será em Maracás (a 335 km de Camaçari via BR 116), em função da disponibilidade de minério no local. É o mesmo usado na produção de vanádio, o que respeita 100% os conceitos de economia circular e sustentabilidade. Já a fábrica do pigmento será em Camaçari considerando-se a infraestrutura e demais atrativos do polo, em especial a disponibilidade de insumos essenciais à produção do dióxido de titânio e do gás amônia, que é produzido e distribuído no centro industrial local. Em princípio, amônia é insumo crítico para o tratamento do sulfato ferroso, material gerado na fabricação do pigmento e com o qual a Largo vai produzir sulfato de amônia, um tipo de fertilizante. Portanto, vamos pegar um efluente, reagir com gás amônia e produzir sulfato de amônia, a ser comercializado nas regiões agrícolas da Bahia e Centro-Oeste. Outras características importantes de Camaçari para pós são as condições logísticas, como malha rodoviária de acesso ao porto e oferta de mão de obra especializada na região do polo e em Salvador.

Quais benefícios fiscais a unidade de dióxido de titânio da Largo deverá usufruir e qual a participação que tem em vista no mercado interno do pigmento?
A Largo não tem nenhum benefício fiscal estadual ou federal exclusivo para este projeto. Na avaliação preliminar, não devemos ter nenhum incentivo do Bahiaplast. O que está sendo previsto, mas ainda em estudos, é que devemos solicitar os incentivos comuns a outras indústrias baianas em situação similar, como o Desenvolve e o Proind. Eles têm demonstrado uma aderência mais satisfatória para o nosso caso. Ambos conferem desoneração do ICMS interno (da Bahia) na compra de bens destinados ao ativo imobilizado do projeto. Eles estimulam a implementação de novos projetos que gerem emprego e ajudem o desenvolvimento econômico e social do Estado. O Proind confere crédito presumido de 80% calculados sobre o saldo devedor referente ao ICMS. Este saldo devedor é calculado após a sistemática de débito e crédito – isto para novos empreendimentos instalados na Bahia. Já o Desenvolve, além da desoneração de capex (investimentos em bens de capital), oferece ganho que pode chegar a 72% do ICMS apurado.
Em relação ao mercado, cerca de 2/3 do consumo brasileiro de dióxido de titânio é importado e 70% vem da China. É esta a parcela que nos interessa, competir com o produto chinês. Estamos implementando um processo de produção similar ao chinês, que é via sulfato, e acrescentaremos algumas melhorias à qualidade do pigmento, adequando-o às exigências do mercado brasileiro. Este é nosso desafio comercial. A ideia não é competir com a Tronox, que tem feito um trabalho excelente ao longo dos anos fornecendo pigmento para o país, como único produtor nacional e já estabelecido. A gente vem para ajudar a Tronox a poder atender o mercado, reduzindo as importações.

Largo pretende produzir dióxido de titânio base rutilo ou anatase? Por quais motivos? 
A princípio, a produção da Largo será na sua totalidade base rutilo. A escolha se deve à baixa demanda do mercado interno para o pigmento base anatase. A primeira fase do projeto, prevista para iniciar em 2024, produzirá pigmento base rutilo, para aplicações arquitetônicas internas e externas, bem como para usos em tintas industriais e de eletrodeposição. É um pigmento de fácil dispersão e alto poder de cobertura.

Poderia explicar o investimento de US$ 126.1 milhões no aumento da produção de ilmenita?
Até o momento, não há produção comercial de ilmenita em Maracás. O projeto está em fase de construção e iniciará a produção no primeiro semestre de 2023. A capacidade nominal da planta será de 145.000 t/a por ano de ilmenita (aproximadamente 65.000 t/a de dióxido de titânio contido). A A ilmenita obtida em Maracás será destinada como matéria-prima à produção de pigmento da própria Largo e o seu eventual excedente poderá ser comercializado.

A Largo pretende vender dióxido de titânio com equipe interna ou também vai recorrer a distribuidores autorizados?
Teremos uma equipe comercial pequena, enxuta, para atender principalmente os grandes consumidores. Em relação ao varejo e pequenos consumidores, para ter mais capilaridade, a gente vai contar com distribuidores já estabelecidos no mercado. Esta é uma característica da Largo: trabalhar junto com outras empresas fazendo parcerias. Acreditamos poder contribuir, efetivamente, para que o mercado brasileiro de pigmentos seja mais confiável e melhor atendido com produtos de qualidade e preços justos.

Convém esperar para ver

“Com a produção da Largo ampliando a oferta do dióxido de titânio nacional (entre 2024 e 2028) , haverá um tempo de acomodação da demanda e dos preços praticados”, pressupõe José Fernandes, dirigente da componedora Cromaster. “Ainda não se sabe ao certo as políticas de preços nas quais a empresa se baseou para este investimento, mas deve estar balizada pelas cotações internacionais, pois o pigmento é uma commodity mundial”. Desse modo, deduz o componedor, quem opera em área de incentivos fiscais concedidos a produtos importados deverá usufruir alguma vantagem sobre a concorrência doméstica neste colorante em que o Brasil não é formador de preços.
Fernandes reluta em concordar que o fornecimento do dióxido brasileiro a ser ampliado pela Largo pode ter efeitos positivos no regime de suprimento dos componedores de masters, mas não de bate pronto. “A segurança no abastecimento e os preços mais estáveis poderão levar nosso setor a diminuir seus estoques estratégicos a longo prazo”, considera Fernandes. “A disponibilidade desse pigmento sempre foi muito crítica e gerou certos traumas para quem está há muito tempo no mercado. Se a oferta local dará mais certeza de fornecimento a todos? Só o tempo dirá”.
Desde o início da pandemia, em 2020, aos repiques do covid este ano na China, maior produtor mundial e líder em embarques do dióxido ao Brasil, o receio da escassez do pigmento importado contaminou os componedores de concentrados, percebe Fernandes. “Mas os distribuidores locais do insumo atenderam normalmente a demanda, com apoio num cenário em 2020 de procura refreada pelas restrições sanitárias impostas pelo combate ao vírus”. No tocante aos preços do pigmento, Fernandes calcula que aumentaram acima de 85% de março de 2020 à segunda quinzena de maio deste ano, com pequena redução em reais por obra de recuo no câmbio no semestre atual. “Mas os preços seguem muito voláteis, sob efeito inclusive da insegurança gerada pela guerra na Europa e mais outra onda da pandemia na China”. Para este ano, ele julga, permanece a expectativa de baixa disponibilidade e, por extensão, mais reajustes nos preços.

Essa mudança não passará em branco

Seja qual for o segmento, a entrada de um novo player é sempre benéfica, constata Wagner Catrasta, diretor comercial da componedora Termocolor, em alusão à partida, em poucos anos, da segunda planta brasileira de dióxido de titânio, bem encadeado empreendimento em montagem na Bahia pela mineradora Largo Inc. “Quem ganha com isso são os setores usuários do pigmento, como o nosso, e, por tabela, o consumidor final”, ele estende. “Esta nova fábrica chegará em boa hora, pois não podemos depender tanto da importação como hoje, embora os indicadores sejam de que, mesmo assim, ainda teremos que manter uma cota do suprimento para o dióxido internacional”.
Catrasta justifica a cautela pela condição estratégica do pigmento branco para seu ramo, “igual farinha de trigo para padaria”, compara. No entanto, contrapõe, “é claro que, a partir da produção da Largo, poderemos diminuir os volumes encomendados ou negociar entregas mais espaçadas entre si e há ainda o conforto de baixar nossa dependência do pigmento chinês”.
Em seu retrospecto do acesso ao dióxido nos últimos tempos, Catrasta afirma não ter notado rupturas de vulto no seu suprimento do insumo em 2020, mas o clima azedou no ano passado, quando ele deparou com a mistura nitroglicerínica da desordem na cadeia internacional de produção e suprimentos, recaída da China no covid e a informação de insuficiência pontual de matéria-prima para a Tronox rodar nos conformes, em Camaçari, a única planta de dióxido de titânio do país. Pelo andar da carruagem no semestre atual, o diretor afirma estar por ora com programa de produção e estoque de segurança alinhados com a demanda por concentrados claros e brancos. “Tomara que reajustes de surpresa no pigmento não ocorram sob o aquecimento do mercado esperado para o segundo semestre”, torce o diretor. •

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