2020 não terminou em dezembro e agora se chama 2021. Por causa da segunda onda do corona e apesar da vacinação iniciada, essa percepção do ano passado no presente toma o setor plástico brasileiro diante da continuidade da insuficiência das principais resinas commodities, lacuna que trouxe as importações para o kit de sobrevivência da indústria transformadora. PVC é o caso mais pontiagudo de desbalanço, pois conjuga uma procura ligada no 220 com uma carência mundial e doméstica – esta última agravada pela produção da Braskem, n°1 do país no vinil, desfalcada desde 2019 pelo desastre geológico em Maceió.
A título de afrouxar o mata-leão no abastecimento, o governo decidiu, em dezembro último, suspender provisoriamente o antidumping para PVC da China, não renovou a sobretaxa para a resina sul-coreana e baixou de 14% a 4% a alíquota para importações de 160.000 toneladas durante três meses. “Essa redução temporária é importante para melhorar a capacidade de acesso dos transformadores à matéria-prima sob a grave escassez atual”, pondera José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). “46% das 160.000 toneladas já foram encomendadas em dezembro”.
Capacidade estagnada
Roriz nota que essa medida temporária não soluciona um problema definido por ele como estrutural e que mantém os elos a jusante da cadeia plástica, caso dos transformadores, “convivendo com preços praticados no mercado local cerca de 30% a 35% mais altos que os internacionais”. Por ser provisória, reitera o dirigente, a importação menos onerosa de 160.000 toneladas impede a indústria transformadora de PVC de planejar suprimento regular a longo prazo, mediante o desenvolvimento de fornecedores alternativos à produção nacional e influentes no balizamento de preços do polímero no país. “Além disso, ainda temos antidumpings vigentes para o vinil dos EUA e México (renovados desde 1992), produtores que, apesar da sua fraca oferta externa hoje em dia, poderiam apurar o alcance do nosso transformador a matérias-primas a preços competitivos”.
A apertada disponibilidade mundial de PVC, considera Roriz, bate de frente na demanda com maçarico ligado. “No mundo inteiro, as plantas da resina pararam ou reduziram a produção por força de lockdowns”, ele observa. “Acontece que o retorno da demanda pós-quarentena veio forte, em desencontro como tempo de reativação das fábricas. Hoje, aliás, quase todas elas estão rodando”. Em paralelo, o dirigente acha que a oferta internacional do vinil deve seguir retesada este ano, dada a ausência nos pipelines de projetos substanciosos de aumentos da capacidade de PVC em meio ao consumo atual, intensificado pelo vírus, de artefatos vinílicos como os de uso médico-hospitalar e materiais de construção.
Preços pressionados
Escaneamento da consultoria norte-americana Platt’s sobre preços médios internacionais de PVC indica que, na semana de 20 a 27 de maio de 2020, a tonelada da resina era estimada entre US$ 695 e US$ 705. Já no período de 17 a 23 de dezembro último, o preço variava de US$ 1.595 a US$ 1.605, mesmos indicadores aferidos pela Platt’s no Brasil em 20 de janeiro de 2021. Seguindo a mesma fonte, o grosso das importações brasileiras de PVC provém da Europa e Ásia, Ainda em janeiro, relatório da Platt’s atestava que os fornecedores asiáticos estava com produção vendida, sem ter como atender o Brasil.
Do observatório da Abiplast, José Ricardo Roriz Coelho atesta que, de março a dezembro último, PVC foi a resina que mais encareceu no país. “Aumentou 56% em reais, o que representa um incremento médio de US$ 570 por tonelada cobrada no mercado nacional”. Como referências comparativas de preços para importação, na Europa e Ásia a tonelada da resina aumentou, respectivamente, US$ 506 e US$ 306 no mesmo período em questão”.
Apesar da vacinação posta em andamento desde janeiro no planeta, prenunciando menos solavancos na reabilitação da economia mundial, Roriz acha prematuro cantar a pedra de um consequente arrefecimento dos preços internacionais de PVC. “O quadro que mapeamos para este ano é o de uma oferta do vinil quase operacional e a continuidade de forte aquecimento da demanda, com preços da resina prosseguindo pressionados e sob impacto inclusive do encarecimento dos fretes internacionais como os da China”.
Reposição complicada
“PVC sempre foi uma resina commodity com poucas opções de fornecimento”, sustentam Marcos e Marcelo Prando, dirigentes da distribuidora Replas, importadora regular do polímero vinílico. “O volume ofertado deve continuar limitado perante a demanda mundial”.
Na mesma trilha, eles julgam que as liberadas importações brasileiras de 160.000 toneladas com alíquota de 4% durante três meses não devem influenciar um recuo dos preços internos da resina. “Apesar de essa medida ensejar melhor competitividade na internação do material importado, sua oferta ainda é muito escassa. PVC é um dos materiais de reposição mais difícil neste momento de consumo muito aquecido”.
Para Marcos Prando, a turbulência em vigor no mercado dificulta prever quando a demanda atenuará, com consequente fraquejo nos preços da resina. “Se isso ocorrer, será depois do terceiro trimestre”. Outra entrave a tais futurologias, ele encaixa, é a incerteza sobre quando a Braskem voltará a operar a plena carga sua capacidade nominal de 710.000 t/a, a maior de PVC no país. A propósito, Marcelo e Marcos consideram que, em comparação com a média mundial, o vinil nacional não seguiu em 2020 a mesma curva de encarecimento no mercado brasileiro. “As poliolefinas produzidas aqui, por exemplo, apresentaram um reajuste maior em relação aos preços internacionais”, eles argumentam.
Altas conexões
Amparado em projeções do governo brasileiro, a consultoria Platt’s projeta em 386.292 toneladas as importações brasileiras de PVC em 2020 versus 404.290 em 2019. Os principais exportadores do vinil parta cá foram a Colômbia, com 211.964 toneladas; Taiwan, com 41.141 e a Argentina, com 34.677. Quanto às exportações da resina brasileira, a Platt’s as dimensiona em 45.220 toneladas no ano passado contra 32.355 precedentes. Pela lupa da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), o Brasil importou 406.874 toneladas de PVC em 2020 versus 421.027 no exercício anterior. As exportações brasileiras somaram, nos cálculos da entidade, 58.187 toneladas perante 45. 468 em 2019. Na planilha da consultoria Townsend, o Brasil importou 355.526 toneladas de PVC em suspensão em 2020.
Logística proibitiva
A recuperação da demanda sul-americana de PVC deve evoluir abaixo de 10% este ano, projeta Ana Lopez, diretora de pesquisa e análise de cloro, álcalis e vinílicos da consultoria norte-americana IHS Markit. “Haverá menos volume de exportações da resina a essa região e a demanda brasileira deve deparar com preços reajustados e suprimento limitado de PVC, por sinal já afetado antes da covid-1 pelos incidentes em Alagoas”.
Ana chegou a esta sua projeção, nada recomendável a hipertensos, após escrutinizar o atlas do vinil em 2020. “Fomos surpreendidos no ano passado pelo incremento da demanda internacional enquanto o abastecimento de PVC tornou-se muito limitado, em especial devido a uma inédita temporada de furacões que interrompeu as operações de plantas na Costa do Golfo dos EUA”, ela assinala. “Essa paralisação reduziu em torno de 4,5% a produção norte-americana da resina”. De outro ângulo, acrescenta a consultora, a pandemia deflagrou uma reviravolta no mercado mundial de PVC, pois tendências de consumo foram modificadas pelo distanciamento social e home office. “Em muitos locais, em especial nos EUA”, ela nota, consumidores aproveitaram os baixos juros hipotecários para reformar ou comprar novos imóveis. Sob a conjuntura incerta durante os primeiros momentos da quarentena, muitos produtores de PVC pararam ou reduziram as operações e, quando a demanda global reagiu, seus níveis de estoques caíram de forma drástica, cobrando algum tempo para serem repostos”. Para a diretora da IHS Markit, a disponibilidade mundial de PVC deve melhorar este ano, nas pegadas da retomada de sua produção. “No entanto, os produtores integrados de PVC terão de definir sua estratégia de atuação em conexão com a performance da demanda por soda cáustica, cuja retomada aliás transcorre mais lenta que a do vinil”.
Ana Lopez digere com comedimento a possível eficácia da decisão tomada em dezembro pelo governo brasileiro de liberar, apenas por três meses, importações de 160.000 toneladas de PVC com tarifa diminuída de 14% para 4%. “É uma medida para ajudar o Brasil a atrair importações de PVC e contribuir para cobrir o atual déficit de oferta do polímero no mercado local”, ela interpreta. “No entanto, é preciso considerar o peso do desafio logístico imposto pelos custos atuais de frete dos containers, a exemplo de origens como China ou EUA. Eles triplicaram ou quadruplicaram perante os índices habituais, encarecendo bastante assim a compra internacional de PVC. No plano geral, a redução da alíquota alfandegária contrabalança alguns dos outros custos associados à importação da resina, mas reiteramos que sua oferta permanecerá estruturalmente curta”. A propósito, Ana engrossa o coro de quem acha os preços de PVC praticados no Brasil os mais caros do planeta em 2020. “Apesar dos obstáculos da logística, esperamos que os preços da resina estabilizem este ano, quem sabe moderando um pouco no segundo semestre”.
De volta aos trilhos
Vice-líder sul americana em PVC, à testa de capacidades de 300.000 t/a no Brasil e 240.000 na Argentina, a Unipar Carbocloro fareja dias melhores em 2021. “Devido à pandemia, presenciamos no ano passado uma oscilação no mercado de março a maio com alguns reflexos em junho”, rememora Alexandre de Castro, diretor comercial de PVC. “Daí em diante, a demanda logo voltou ao nível pré-corona e assim prossegue, puxada pelos lançamentos imobiliários e reformas residenciais”. Entre os motores desse agito pintam os reduzidos juros imobiliários e o confinamento animando obras de melhoria das moradias. À guisa de referência da virada no jogo, o executivo menciona que, no fatídico segundo trimestre de 2020, suas plantas brasileira e argentina do vinil rodaram com respectivas taxas de 59% e 43% de ocupação, índices que pularam para 89% e 78% no terceiro trimestre. Castro sublinha, nesse ponto, que a Unipar não deixou de suprir cliente algum em 2020. Em paralelo, ele comenta que a indústria global de PVC roda com grande ociosidade e sua ocupação deve preceder a discussão sobre novos investimentos. “Se a oferta da resina nacional for insuficiente para atender a demanda nos próximos anos, os transformadores poderão recorrer à importação, que sempre teve participação histórica no mercado local”. Por sinal, a fábrica argentina da Unipar remeteu 40.912 toneladas de PVC para o Brasil no ano passado e 62.510 em 2019, apontam dados oficiais.
Castro não adere às constatações de encarecimento exponencial da resina vinílica no Brasil em 2020. Na realidade, defende, houve uma recuperação do preço aliada ao impacto da flutuação cambial. “Os preços caíram cerca de 30% no primeiro semestre e, sob a flexibilização do distanciamento social e retorno parcial da atividade econômica de julho em diante, eles foram corrigidos, retornando aos patamares pré-pandemia”. Quanto à influência do câmbio, ele lembra o dólar cotado na faixa de R$ 4,05 em janeiro de 2020, passando a R$ 5,47 em junho, aliás o mesmo valor aferido ao final de janeiro de 2021.
Cota questionável
Com capacidade nominal de 460.000 toneladas em Maceió e 250.000 na Bahia, a Braskem rodou sua operação de PVC com ocupação média em torno de 75% em 2020, saldo similar ao de 2019, avalia Almir Viana Cotias Filho, líder de vinílicos. “Esse desempenho reflete a redução da demanda e, por tabela, da nossa operação no início da pandemia e a retomada no segundo semestre, quando rodamos perto da plena carga”, ele observa. “A recuperação da atividade econômica nos levou a um recorde histórico de vendas internas de PVC em agosto e já superado em setembro”. Por sinal, a Braskem produziu a resina em 2020 escorada na importação do intermediário dicloroetano (EDC) dos EUA, dada a interrupção de sua cadeia soda-cloro em Maceió desde 2019, reflexo do desastre geológico local, o que também obriga importações de sal. Neste complexo, a Braskem exibe, além da planta de PVC, capacidade nominal de 400.000 t/a de cloro; 460.000 de soda cáustica e 520.000 t/a de EDC. Viana comenta que as importações de EDC prosseguem em 2021 e que a produção de cloro-soda em Alagoas deve ser retomada este ano com cerca de 60% de ocupação, rumando de forma gradual para 100% durante o primeiro semestre. “Nossa expectativa é de, em função da demanda, operar a capacidade de PVC com taxas altas no exercício atual”, ele justifica. “Para atingir esse objetivo, temos duas paradas para manutenção ao longo deste ano e, em paralelo, a operação de soda-cloro será reativada”.
Viana não enxerga uma resolução procedente na liberação para importações brasileiras de 160.000 toneladas de PVC com alíquota de 4% durante três meses. “O mercado brasileiro já importa cerca de 30% do seu consumo regular do vinil e está aberto à competição internacional”, ele pondera. “Desse modo, a adoção de cotas sem a devida discussão com os produtores locais de PVC nos parece uma medida desnecessária e possível de introduzir ou amplificar desequilíbrios e artificialismos danosos ao mercado”.
A Braskem põe fé num avanço do PIB deste ano acima do nível aferido no último quinquênio e, no cercado do PVC, espera-se boas novas a partir do financiamento atraente dos imóveis, ambiente positivo na construção civil e os bons fluidos sobre dutos de infraestrutura emanados pelo marco regulatório do saneamento. “Frustrado em 2020, o crescimento do setor de PVC deve vingar este ano, quando os projetos adiados e novos empreendimentos devem ganhar o mercado”, confia Viana. •