Vistos com rabo de olho pela economia circular, devido ao seu uso único e dificuldades de coleta e reciclagem, os filmes shrink (termoencolhíveis), tradicional sobreembalagem de multipacks, e stretch (estiráveis), empregado para envolver lotes de produtos paletizados, caminham para a guilhotina na indústria de bebidas. Proliferam na Europa e EUA os anúncios de marcas globais de cerveja, refrigerante e água mineral brandindo alternativas aos dois filmes de polietileno em louvação à sustentabilidade. Não falta quem considere pedra cantada o desembarque dessa conduta entre os antenados brand owners de bebidas no Brasil.
“Consumimos, em média, 700 t/mês de shrink em escala nacional”, calcula Diego Gomes, diretor industrial do Grupo Petrópolis, bola de ouro do Brasil em cerveja, água mineral, vodca, energizantes e isotônicos. “Através de métodos de melhorias nos processos internos, como Seis Sigma e Lean Manufacturing (manufatura enxuta), empreendemos esforços para reduzir os desperdícios com shrink na estrutura produtiva”, expõe o executivo. “Essas medidas nos permitem atender de forma adequada a aplicação do filme com emprego de volume mínimo, resultando na diminuição atual em torno de 17% no consumo de shrink, além de incluir reciclado em sua composição final”. Essa pressão não para por aí. “Apesar dos progressos, não estamos satisfeitos”, assevera Gomes. “O objetivo é baixar ao máximo ou até eliminar o uso de shrink e, nesse sentido, já executamos testes com alternativas, desenvolvidas em linha com as premissas da economia circular”. Entre elas, constam ensaios com duas soluções aprovadas no exterior por vips como Coca-Cola, Carlsberg e Heineken: multipacks de papel cartão e adesivos que grudam latas ou garrafas umas às outras, dispensando sobreembalagem.
Muitos tons de cinza também nublam o futuro de stretch no Grupo Petrópolis. “Estamos estudando alternativas que garantam a integridade e segurança alimentar dos nossos produtos e a sustentabilidade dos resíduos gerados, de modo a reduzir ou eliminar o uso desse filme”, sublinha Gomes.
Envolvidas em stretch, as bebidas do Grupo Petrópolis saem das fábricas para as distribuidoras. De lá, sem o stretch, os produtos seguem em caminhões menores aos pontos de venda. O stretch retirado dos lotes volta à empresa para ser destinado, conforme suas condições, à reciclagem ou métodos de aproveitamento de resíduos não recuperáveis, como compostagem. “Mas a solução ideal é o trabalho com embalagens retornáveis de vidro, pois são enviadas em garrafeiras projetadas para dispensar a necessidade do stretch”, fulmina Gomes.
Volta ao passado
Carlos Alberto Lancia, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam) endossa as perspectivas de saída de cena do shrink em seu setor. “O mercado brasileiro destoa da realidade do I Mundo, pois 60% do consumo de água mineral provém de garrafões retornáveis de 20 litros, embalagem não comercializada em multipacks”, ele assinala. “Já em relação a embalagens one way, garrafas e latas, acho que a adesão do setor à economia circular vai resultar na volta aos PDVs da caixa de papelão, utilizada nos anos 1970 para acondicionar pequenos lotes de garrafas de água em PVC, deslocando assim o multipack com envoltório de shrink ou de papel cartão com alça. Afinal de contas , sobra celulose no país e a imagem ambiental do papelão é ótima. O shrink, portanto, caminha para perder esse mercado”.
Multipacks de papel e garrafas ou latas coladas entre si, alternativas ao shrink já presentes nos PDVs do I Mundo, são soluções consideradas por Lancia de transposição viável para a indústria brasileira de água mineral. “Mas eu aposto na volta das caixas de papelão,” ele reitera. “Um ponto-chave nessa questão é que quem decide a concretização dessa mudança não é a água mineral, mas os refrigerantes, em razão dos seus volumes de venda. É fato que grandes marcas de refrigerantes têm braço em água mineral, mas trata-se de complemento do portfólio ou parte de uma estratégia de marketing para beneficiar a imagem dessas indústrias, devido à aura de saudabilidade da água”.
Ecomarketing superficial
Lancia, por sinal, é um crítico do marketing devoto da sustentabilidade praticado por várias grandes marcas de água mineral. “Incorre em muito superficialismo e a realidade por trás dele não chega ao consumidor final”, observa. “Por exemplo, apregoa-se que a garrafa de PET é reciclável, mas nada se informa sobre a oferta insuficiente no Brasil de PET reciclado grau alimentício, o único polímero recuperado permitido para esta aplicação. Aliás, ele hoje anda 15% mais caro que PET virgem e, no geral, as indústrias de água mineral voltam-se para comprar esse reciclado destacado em seus compromissos de sustentabilidade apenas quando está mais barato que PET de primeiro uso”. Outro exemplo de marketing ilusório de cunho ambientalista, adiciona o presidente da Abinam, é o alarido internacional feito por grandes marcas de água a respeito da eliminação dos rótulos das garrafas, para facilitar sua reciclagem. “A alternativa seria um processo bem antigo, a gravação efetuada diretamente no recipiente, ainda no molde”, pondera Lancia. “Acontece que, para sustentar-se em pé sem rótulo, a garrafa precisa ser mais pesada e isso implica maior consumo de PET, contrariando a redução de plástico pregada pela economia circular. Disso ninguém fala”.
Stretch também periga ser defenestrado da indústria de água mineral, enxerga Lancia. “É possível que venha a ser substituído, mas é uma tendência para longo prazo, bem maior do que o previsto para eliminar shrink de multipacks”, compara o dirigente. “No momento, stretch é uma sobreembalagem adequada ao sistema de transporte e manuseio de uma operação com produções da ordem de 60.000 garrafas/h. Mas há alternativas ao seu uso bem-vistas pela sustentabilidade, como chapas duras de fibra de madeira, paletes com cantoneiras e grandes caixas de papelão”. •