Desde a segunda quinzena de março, quando a pandemia forçou o Brasil a recorrer ao isolamento social em vários grandes centros urbanos, paralisando por tabela a economia, bancos privados e públicos se esmeram em campanhas publicitárias solfejando pleno apoio, solidariedade, serviços facilitados e aquele abraço nos clientes encurralados pelo vírus. Para checar a proximidade do discurso ao que de fato se oferece ao universo de milhares de pequenas e médias indústrias de transformação de plástico, cuja escala e capitalização acanhadas as torna ultra devassáveis a esta que já é considerada a pior recessão da nossa história, Plásticos em Revista solicitou entrevista ao banco Santander. “Infelizmente, não conseguiremos te ajudar desta vez. Ficaremos te devendo uma”, foi a resposta de Vanessa Correia, da assessoria de imprensa do banco.
Pente-fino de uma consultoria de investimentos aponta que, desde o alastramento do corona, 78% das companhias brasileiras entrevistadas não conseguiram qualquer modalidade de crédito bancário. Os respondentes foram empresas com faturamento entre R$ 30 milhões e R$ 300 milhões. O quadro não se altera para o empresariado do piso da pirâmide. Pela lupa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por volta de 80% dos pequenos negócios não tiveram financiamentos deferidos pelos bancos. “Notamos uma enorme dificuldade para as empresas obterem crédito bancário a valores razoáveis”, avalia o tributarista Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, sócio do escritório de advocacia Natal & Manssur. Mesmo em fases de economia ok, até crianças de colo sabem que bancos no Brasil relutam, sob temor de calote, em soltar financiamento a pessoas físicas ou jurídicas de lastro diminuto. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), haverá uma escalada de calotes de dívidas na recessão pós-pandemia. As projeções apontam para inadimplência semelhante à ocorrida aqui sob a crise financeira global de 2008, quando chegou a 60%. Para o tributarista Caio Bartine, sócio do escritório H.G Alves, as carências oferecidas tanto pelo poder público para o pagamento de tributos, quanto pelos bancos para o pagamento de empréstimos já existentes, não serão suficientes. “As postergações de 90 dias, em média, não resolvem o problema. As empresas já reduziram jornada, protelaram pagamentos, mas estão com pouquíssima ou nenhuma receita”. Natal retoma o fio lembrando que empresas têm solicitado na Justiça mais prazo para pagamento de tributos, por exemplo, mas os resultados dos julgamentos têm sido frustrantes. Recorrer a investimentos internacionais, assinala o advogado, também não é uma alternativa. “Os investimentos externos estão altamente dificultados, seja pela questão da crise sanitária mundial, seja pelo ambiente brasileiro. Não há intenção de se investir aqui”. Doutor e Mestre em Direito Tributário, André Félix Ricotta de Oliveira desvenda mais outro torniquete: “há casos parados na Justiça, em relação ao questionamento de bens bloqueados indevidamente, por exemplo, que poderiam nesse momento ser um recurso a mais para as empresas. Mas ninguém decide nada em relação a isso”. Em meio ao salseiro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou em 18 de maio o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), com 85% dos recursos garantidos pela União. Enquanto isso, no pano de fundo, pululam na mídia diária relatos de pequenos empresários sequiosos por capital de giro e cujos pedidos, para variar, os bancos ouvem sem escutar.
Um passo por vez
“É um dilema a decisão de tomar crédito ou não, pois esta conta acabará chegando”, pondera Eduardo Marques, diretor da transformadora de filmes Marqplas. “O mercado estará aquecido ao ponto de conseguirmos pagar as contas habituais e mais estes vencimentos? Para mim, a hora é de se segurar com recursos próprios, dar um passo por vez, pois uma atitude mal pensada afetará o futuro da empresa”.
Marques correu para ajustar a operação da Marqplas para enfrentar a recessão iniciada com a quarentena. “A parceria entre a empresa e seus funcionários é fundamental nesses momentos”, salienta. “Da nossa parte, como autoriza a medida provisória de suspensão de contrato trabalhista por até quatro meses (MP 927-2020), iniciamos pelas férias vencidas e por vencer e, com a autorização do acordo individual, utilizamos a redução de jornada versus redução salarial, para não tornar necessárias as demissões, uma estratégia também benéfica tendo em vista o momento de volta à normalidade. Assim, quando o consumo aumentar, estaremos prontos para reabilitar a antiga estrutura”.
A esmagadora maioria dos pequenos transformadores atua em mercados disputados a briga de foice, movidos basicamente a preço e atropelados por competidores chegados à informalidade e/ou possuidores de maior porte e fôlego financeiro, que adquirem resina mais barata – em regra poliolefinas – direto da petroquímica e não de varejistas. Este quadro tradicional é agora agravado pela recessão desembestada pelo corona e sem término vislumbrado com nitidez. Nada de realmente novo no plano geral, considera Eduardo Marques. “Para sobreviver a este cenário, sempre apostamos em parcerias concretas com distribuidores eficazes de matéria-prima, uma aliança que decerto fará a diferença neste momento. Além disso, o chão de fábrica deverá ser enxugado, em prol da racionalização dos custos e ganhos de produção. Por fim, também será crucial o transformador saber escolher a quem vender, pois a conjuntura é difícil para todas as partes”.
Abrir o leque
Fábio de Almeida Leite, diretor da transformadora Sóbolhas sustenta que o caminho para o transformador menor sair dessa sinuca de bico passa pela reinvenção do negócio e busca de bons parceiros e novos mercados. “Por exemplo, é importante redirecionar para outros campos um equipamento antes com um único foco”, ele coloca.
“No caso de uma extrusora, uma saída seria ampliar a gama de filmes com aditivos que valorizam a película e se destinam a determinada finalidade, como o filme antiestático ou antideslizante. Trata-se de uma forma de alargar o raio de ação da empresa à custa apenas dos ensaios para assegurar a produção comercial da inovação”. Leite também julga bola fora a alternativa de o transformador menor embrenhar-se na informalidade para atenuar o stress da economia ao léu. “Acredito no emprego e comércio formal como contribuições para melhorar a distribuição de renda e o nível educacional, de saúde e segurança”. Leite opina ainda que uma sacada para o transformador menor sempre aventada quando a economia patina nunca emplacou na vida real: um pool de empresas, inclusive concorrentes, formado para comprar resina direto da petroquímica, mais barata que no varejo. “Não dá certo porque os empresários são muito desunidos e, até na situação de um pool, já vi indústria tentando aproveitar a ocasião para tirar mercado de outra”.
O binômio pandemia/recessão não deixou qualquer processo à margem de ajustes na Sóbolhas, afiança Leite. “Começamos implantando uma reunião por semana para deixar todos os funcionários a par das mudanças em curso na empresa e seus possíveis impactos. Esses encontros viabilizaram a feitura de um acordo de redução de trabalho por 15 dias, extensível por mais 15”, expõe o diretor. “A seguir, zelamos pelo capital de giro mediante a adoção de política de suprimento bem apertada, comprando apenas o necessário para pedidos confirmados, pois muitas encomendas acabaram suspensas mesmo estando prontas para a entrega”. No âmbito da logística, Leite conta que, antes da montagem da carga, a Sóbolhas passou a certificar o recebimento com o cliente, de modo a evitar sustos nos custos.
Governo e bancos acenam com linhas de crédito mais palatáveis para empresas sedentas de capital de giro, entre elas o caudal de transformadores menores, num momento em que sobe o risco de o tomador não honrar o compromisso por produzir e vender menos que antes da pandemia. Ao amarrar essas pontas, Leite taxa de paliativo essa teórica disponibilidade aumentada de crédito. “Afinal, a capacidade de o transformador menor pagar suas dívidas tem a ver com seu trabalho e há tempos ele vem se reinventando sem apoio ou incentivo financeiro, público ou privado, para ampliar e renovar seu parque fabril, argumenta o industrial. Uma saída que ele defende é o transformador buscar parcerias para melhorar seu desempenho que independam de captar capital em banco. “Aí vai um exemplo: dispúnhamos aqui na empresa de um equipamento que demandava quatro operadores e, mediante um incremento da automação financiado direto pelo fornecedor dos periféricos, agora basta um operador para lidar com a máquina. Se fosse depender de banco para essa modernização, teria de esperar sentado pelo dinheiro e sairia bem mais caro honrar a dívida assumida”.
Multiplicação de pães
Assim que o governo decretou o isolamento social, o diretor administrativo Ivo Fernando Yoshida reuniu os funcionários da Valpri, pequena produtora de embalagens flexíveis, para alinhar os ajustes cobrados pela nova realidade. “Foi decidido não parar a fábrica, pois o governo não exigiu isso e tínhamos entregas a cumprir e, por fim, todos concordaram em continuar a trabalhar adotando ações adicionais de segurança e prevenção”, explica o dirigente. A seguir, ele completa, férias foram dadas a integrantes do grupo de risco ou que morassem com pessoas deste perfil, implantou-se o home office e revezamento para algumas funções e houve aumento das atividades de limpeza e desinfecção dos ambientes. “Em relação ao mercado, negociamos caso a caso os pedidos de prorrogação de entregas ou pagamentos”, explica Yoshida. “Em determinados casos, por sinal, conseguimos condições para manter o capital de giro melhores do que prevíamos, o que se deve em parte ao fato de tendermos a projetar os piores cenários possíveis”.
Flexíveis convencionais de poliolefinas, campo da Valpri, são um típico mercado movido a preço e onde transformadores menores e maiores se engalfinham, um cabo de guerra piorado quando a economia jaz na maca. “Os grandes transformadores ganham de menores como nós pelo acesso, permitido pela sua escala, a preços melhores de matéria-prima”, reconhece Yoshida. “Entretanto, temos observado forte tendência de diversificação de embalagens – no passado, uma padaria produzia apenas um pão e hoje fornece vários tipos para diferentes consumidores, o que demanda mais tipos de embalagens, lacuna em regra preenchida pelos transformadores menores”. Na mesma trilha, ele percebe oportunidades para transformadores de discreta capacidade de embalagens no salto em andamento das vendas on line e artigos despachados por delivery. Essas mudanças, confia Yoshida, levarão transformadores menores a parcerias estratégicas destinadas a ampliar sua agilidade para dar conta de novos projetos, a exemplo dos que surgem nesta conjuntura instável. “Neste ponto, a economia de escala dos transformadores de maior porte perde sua importância relativa e os menores podem se beneficiar da flexibilidade superior de sua equipe e plataforma produtiva”.
Na contramão dos bancos, Yoshida julga que a recessão em curso não eleva o risco de calote nos financiamentos contratados por pequenas indústrias. “Trabalho com um cenário em que o crédito não estará tão farto ou acessível devido à natureza da crise, ampliando sua instabilidade, e em virtude da falta de sinais mais claros do governo”, esclarece o dirigente. “Os bancos tendem a empoçar os recursos exigindo garantias cada vez mais inviáveis para pequenas empresas. Desse modo, mais do que a oferta de crédito, este empresariado precisa de novas políticas de financiamento que reduzam a dependência de garantias. Vale lembrar, porém, que capital de giro ideal é o proveniente das vendas”
Capital de giro pressionado
Alexandre Luis Pereira, diretor da Plastmaster, deixa claro que as facilidades de crédito brandidas pelo governo e bancos, assim como a prorrogação deferida para o pagamento de determinados impostos são um alívio para o pequeno empresário subjugado pela recessão, mas se a retomada não florir conforme o esperado, as dificuldades para honrar esses compromissos se farão sentir. “Os transformadores menores vão deparar com mais dificuldades no desenrolar da retomada, inclusive porque muitos de seus clientes são de pequeno porte e terão problemas de capital de giro”, comenta Pereira. “Desde o início da quarentena, alguns fornecedores e revendedores de matéria-prima andam inseguros com o mercado, pedindo pagamento antecipado e sufocando ainda mais o capital de giro do pequeno transformador”. Na esfera dos clientes, o diretor comenta que os índices de inadimplência sobem semanalmente. “No momento, 15% dos nossos recebíveis estão em atrasos e alguns já são cobrados em cartório. Muitos clientes nos pedem prorrogações de 60 a 90 dias, mas não conseguimos adiar além de 15 dias. E o interessado em refinanciar seus compromissos deve buscar no governo ou bancos as linhas de crédito mais convenientes”.
A quarentena bateu duro na Plastmaster, voltada para itens como bobinas, sacos e envelopes. “De início, demos férias a 35% e, até agora, demitimos 10% do quadro de pessoal”, conta Pereira. “Para manter a jornada de trabalho, redistribuímos funcionários em todas as áreas e cortamos a produção em 40%, desligando algumas máquinas”.
Títulos prorrogados
Focada na injeção de peças técnicas, a Nordwest se empenha em evitar demissões. “Além da concessão de férias, recorremos à redução da jornada de trabalho e a linhas de crédito atraentes para cumprir a folha de pagamento, além da suspensão do contrato de trabalho e postergação dos vencimentos do FGTS, INSS e Finame”, enfileira o sócio e diretor financeiro Marcelo Lemos. “Todos os clientes solicitaram prorrogação de títulos entre 30 e 45 dias e fizemos o mesmo com nossos fornecedores. Todos toparam, exceto os distribuidores de resinas, embora paguemos religiosamente os títulos em dia”.
Para Lemos, o pequeno transformador que, antes da pandemia, zelava pela saúde financeira do seu negócio, vai enquadrar-se à nova realidade até a economia reagir. “O maior impacto será sentido por quem já andava com problemas financeiros antes do corona, pois os bancos estarão mais criteriosos em disponibilizar recursos e, neste caso, o financiamento sairá mais caro”.
Roda viva de negociações
A Poloni levitava em sólidos planos de crescimento até o vírus puxar o tapete das perspectivas para seu mercado de peças técnicas injetadas. De imediato, a transformadora brecou as contratações, não efetivou estagiários e cancelou os contratos de novatos ainda em experiência. “Mais à frente, a prorrogação das paradas de clientes nos forçaram a interromper um turno e a efetuar algumas demissões”, relata o sócio e diretor José Roberto Poloni, assessorado por Luciana Dotta e Marisa Poloni, respectivamente coordenadora comercial e coordenadora financeira/RH. Para atenuar o baque do câmbio e da incerteza de frete ameaçando o suprimento de insumos importados, a Poloni antecipou as compras e coleta de matérias-primas em clientes. “Pudemos assim manter a produção ativa na quarentena”, conta o dirigente.
A economia paralisada fez clientes comunicarem cancelamentos de pedidos e prorrogação de pagamentos já agendados. “Saímos em campo para garantir o recebimento de todos os faturamentos nas datas previstas e priorizamos antecipações de pagamentos com descontos, a exemplo do aluguel que contratamos com pagamento à vista para um período de quatro meses, a um valor bem inferior ao do mercado”, ilustra José Roberto Poloni.
A empresa escapa da clássica moldura do transformador menor, de olhos fixos em preço e volta e meia pisoteado por competidores mais capitalizados e de escala robusta. “Para minimizar a incidência de impostos e dispor de maior poder de negociação, atuamos na industrialização para terceiros que operam nos setores automotivo, linha branca, automação e cuidados pessoais”, esclarece o dirigente. Conforme detalha, a compra de grandes lotes de resina, com decorrentes vantagens no seu preço, é responsabilidade dos seus clientes, enquanto o gerenciamento do material cabe à Poloni, com nome feito na excelência da manufatura e controle de estoque. “Como trabalhamos com peças específicas, acabamos nos aproximando de outros transformadores que também se tornam nossos clientes e parceiros, pois podemos complementar a linha de atuação deles”, sumariza o industrial.
A Poloni tem procurado soluções pontuais para enfrentar a crise e o diretor as exemplifica com cortes de horas extras, redução de turnos ou remanejamento dos funcionários. Embora considere as medidas positivas, José Roberto não vê as linhas mais atraentes de crédito hoje acenadas a empresários menores como primeira alternativa para a Poloni resguardar a saúde financeira. “Afinal, a retomada da economia será gradual, com quedas significativas no faturamento e, com base nestas variáveis, sentimos mais segurança na opção por um plano de financiamento com carência de 12 meses para a primeira parcela, utilizando este intervalo para programar a melhor forma de honrar o compromisso. Quanto maior o tempo para voltarmos à normalidade, mais desprovidos de capital ficaremos”. •