De janeiro a 2 de maio último, 216 ônibus sofreram incêndios criminosos no Brasil, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). O saldo de veículos queimados já corresponde a 82% do total de 262 ônibus destruídos em 2016. Entre 2004 e 2017, rastreia a NTU, vândalos atearam fogo em 1.996 ônibus. De acordo com a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro, o epicentro nacional dessa depredação de um patrimônio público, não há seguro contra este sinistro e a reposição de um ônibus com ar condicionado custa em torno de R$ 450.000.
Sobram vídeos nos face e youtubes da vida atestando a extrema facilidade com que os ônibus pegam fogo. Decerto as normas técnicas brasileiras para veículos pesados afinam-se com a legislação internacional. Ocorre, porém, que os reguladores concebem estes parâmetros tendo em mente a performance dos ônibus em condições civilizadas de uso e não ambientes como o do Brasil, onde a falta de segurança pública enseja a incorporação do risco de destruição premeditada ao cotidiano do transporte urbano. Ou seja, uma anormalidade à beira de ser tacitamente aceita como normal, rotineira, de tão repetida, como ilustram quase 2.000 ônibus queimados em 13 anos. Os materiais dominantes nos veículos são metais e termofixos. A pergunta da hora é se a tecnologia dos polímeros teria como contribuir para dificultar ou impedir essa coisa tão nossa: o recorrente incêndio dos ônibus.
Todos os veículos automotores comercializados no país devem atender à resolução 498 do Conselho Nacional de Trânsito, homologada em 2014, assinala Renato Florence integrante do comitê de caminhões e ônibus da entidade Society of Automotive Engineering Brasil. “Ela dispõem sobre requisitos aplicáveis aos materiais de revestimento interno do habitáculo dos veículos, visando determinar a velocidade de propagação da chama para esses elementos”. O especialista acrescenta que a montagem dos ônibus brasileiros também segue normas como a diretiva europeia ECE 9528, de modo que todos os veículos automotores apresentam o mesmo nível de proteção contra a propagação de chamas. “O vandalismo praticado no Brasil decorre da preferência por ataques a ônibus em função do impacto causado”, ele julga.
“Apesar do grande progresso dos polímeros, as resinas empregadas no interior dos ônibus são mais vulneráveis à ação do fogo que os metais”, sustenta Alcione Fortuna, coordenador de engenharia de desenvolvimento da montadora gaúcha de ônibus Neobus. “Lógico que a indústria de ônibus está receptiva a contribuições do setor de resinas para aumentar a resistência do veículo a ações de vandalismo”, ele assinala. O xis da questão, aponta, são os fatores que deprimem a rentabilidade do negócio e pesam para restringir o preço do ônibus. “Por exemplo, estudantes pagam meio bilhete e aposentados viajam de graça”. Apesar do bom mocismo social, Fortuna reitera que tais determinações acabam levando as viações a pressionarem por um desembolso menor dos veículos adquiridos. “Concordo que ônibus munido de aparato antivandalismo evitaria mais o risco de queima, mas sairia mais caro que o veículo montado de forma convencional”.
A Neobus sabe de cor esse calvário, pondera Fortuna, pois seu maior mercado é o Rio de Janeiro, onde ônibus de sua marca já foram incendiados. Na varredura da NTU, o Rio comparece com 51 ônibus queimados de janeiro a 2 de maio passado, liderando esse crime com fatia de 23.6% do total de 216 de unidades carbonizadas até então no país. Fortuna retoma o fio encarando por dois ângulos a necessidade de a criminalidade tornar mais severa que a média mundial a norma brasileira de resistência à flamabilidade. “De um lado, fica a pergunta se a inocência do vandalismo chegou ao ponto de virar elemento corriqueiro, o que a violência amplificada pela recessão nos induz a crer”, ele coloca. “Do outro lado, pesa o fato de que o aparato antivandalismo seria uma alternativa custosa para o setor de transporte urbano driblar a falta de segurança pública, uma obrigação do governo. O nosso mercado pode até ser merecedor de regulação mais específica. No entanto, ela não pode encarecer o veículo para um cliente que , mesmo acossado pelo vandalismo, não topa pagar mais caro por isso, mesmo sob a possibilidade de perder seu veículo num ataque”.
A Associação Brasileira de Polímeros, Braskem, Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus, a montadora Mascarello e Maria Cristina Branciforti, professora do Departamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, não quiseram falar. •