Uma plástica na imagem

Reciclagem caminha para ser ativo fixo da economia circular
Amaral: legislação ambiental baseada mais em emoções que em dados científicos.

Investimentos na modernização tecnológica deram um up na reputação dos recicladores portugueses e lhes abriram valorizados mercados para o plástico recuperado pós-consumo de melhor qualidade que passaram a fornecer. Essa receita é universal e não tem como furar no Brasil, mesmo com nossos disparates legais e fiscais. Na entrevista a seguir, Pedro Paes do Amaral, vice-presidente executivo da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP), detalha esta metamorfose do seu setor e deixa claro que, apesar das diferentes realidades socio-econômicas, em essência são as mesmas as preocupações e compromissos com a sustentabilidade dos recicladores brasileiros e europeus.

1No Brasil, cerca de 1.100 recicladores de plástico produzem em média 550.000 t/a, material em regra de baixo valor agregado e alvo de pesada carga tributária. O padrão do setor é o da indústria menor, defasada e informal. Como transpor para ele as iniciativas e ferramentas digitais em prol da economia circular apoiadas pela Apip e a União Europeia?
A realidade portuguesa não difere muito dessa apresentada para o Brasil, com as respectivas assimetrias quanto ao número de recicladoras e dimensão do mercado. Apesar da importância dada às políticas ambientais e do reconhecimento do papel da reciclagem para os objetivos delas, esse setor ainda tem notoriedade reduzida.
A par com a criação de novos circuitos e “fluxos” de coleta, caso da seletiva, as recicladoras de Portugal deram nas últimas décadas um salto tecnológico que permitiu-lhes recuperar materiais antes destinados ao aterro. Elas hoje primam pela alta especialização e concentração das aplicações finais dos reciclados.
Em termos de digitalização, é fato que as recicladoras europeias devem assentar sua estratégia no caminho para a “Indústria 4.0”, algo ainda bem embrionário. No entanto, é notória a transição em curso na imagem da reciclagem: de indústria que tratava lixo para importante elemento importante da economia circular.

2O Brasil conta com economia, educação e infraestrutura pobres e insegurança jurídica. Como enxerga as possibilidades de adesão do país às práticas da economia circular se, ao contrário da iniciativa privada, o governo não faz a sua parte?
Independentemente de o governo brasileiro já ter iniciado o seu trabalho neste âmbito, a iniciativa privada deverá liderar a implementação das boas práticas de economia circular. Embora a revisão, sistematização e unificação de todo o processo de separação, coleta, tratamento e valorização dos resíduos seja indispensável para os atores públicos e privados desempenharem suas tarefas, algo mais pode ser feito. E ele passa não só pela vertente educacional dos consumidores e dos parceiros de negócio, como pelos avanços em design de produtos, novas tecnologias de reciclagem e pela produção de polímeros através de matérias-primas alternativas (resíduos e subprodutos de outras indústrias e setores). Claro que para a iniciativa privada implementar estas medidas é fundamental o apoio financeiro governamental.

3No mundo inteiro, proliferam os banimentos, impostos por governos, de descartáveis e sacolas plásticas. A adoção dessas decisões radicais significa que as campanhas contra o descarte incorreto não conseguem sensibilizar a contento a população, mesmo a de alto nível educacional e de consciência ambiental, caso da União Europeia?
A tendência legislativa mundial tem sido baseada mais em emoções e percepções que em dados objetivos e científicos. Este primeiro ciclo de legislação sobre descartáveis de plástico deveria visar a categoria do produto independentemente do seu material. A Comissão Europeia se empenha para que sejam explicitados os conceitos de produto de plástico de uso único (com exemplos dos itens abrangidos), de polímeros naturais não quimicamente modificados e de critérios como os classificatórios de um produto como reutilizável.
É imprescindível uma regulamentação para tornar mais abrangentes e objetivas as análises de ciclo de vida de produto. Só assim será possível sua substituição por outros que demonstrem clara e cientificamente seu superior nível de sustentabilidade.
Como indústria, tudo faremos para participar da implementação de uma economia circular. É crucial que governos concedam o devido prazo para as indústrias substituirem ou ajustarem à nova realidade seus produtos, tecnologias ou processos. Isso também implica instrumentos financeiros e tempo para as respectivas homologações nos brand owners. Na nossa opinião, o legislador tem pecado pela insensibilidade quanto à necessidade desse tempo de adaptação.
Retomando o fio da questão, apesar de todos os esforços para se obter um descarte mais eficiente, ainda não se atingiu no mundo os padrões satisfatórios. Vencida esta etapa, será alcançado o último nível da pirâmide das boas práticas da hierarquia da gestão de resíduos. Efetivamente, em primeiro lugar devemos reduzir, depois reutilizar e, por fim, reciclar. A indústria pode vislumbrar no novo cenário para descartáveis uma oportunidade de, via design, abolí-los por soluções reutilizáveis. •

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