Linha do tempo: Lula lança em 2006 a pedra fundamental de uma obra em Itaboraí estimada em US$ 6,5 bi, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Em 2008, ele inaugura ali a terraplenagem e, em 2010, volta para a assinatura dos contratos da construção. Desde então, todos os cronogramas furaram, o orçamento mais que dobrou, as rotas petroquímicas mudaram várias vezes, o projeto encolheu para duas refinarias e seu controle, antes partilhado com capital privado, virou 100% estatal e ganha na Mega quem souber se e quando o Comperj vai partir.
Corte para o México. Em 2008, o governo abre leilão para investimento em eteno/polietileno (PE), acenando com etano contratado por 20 anos. Em 2009, Braskem e a mexicana Idesa são apontadas ganhadoras. Em 2010, são escolhidos os licenciadores das tecnologias do cracker e da resina. 2011 é consumido na engenharia de detalhamento. 2012 é dedicado à terraplenagem e acerto do financiamento total de US$ 5,2 bi por sete bancos principais e 10 secundários. Ao final de 2015, conforme previsto, estreia em Nanchital, estado de Veracruz, na boca do Golfo do México, o maior investimento da história da petroquímica do país. Com capacidade para gerar 1.05 milhão de t/a de eteno, o complexo Braskem Idesa vai produzir 350.000 t/a de polietileno de baixa densidade (PEBD) e, em duas plantas, respectivamente, de 400.000 e 300.000 t/a do tipo de alta densidade (PEAD). Na retaguarda, desponta o suprimento de 66.000 barris diários de etano a cargo de crackers da petrolífera estatal Pemex nas proximidades.
O status do empreendimento transcende láureas tipo o maior investimento industrial greenfield (da estaca zero) já feito pela Braskem ou por uma empresa brasileira no exterior. Afinal, na alçada da petroquímica, a Braskem Idesa pinta como a jóia da coroa da reforma do setor energético mexicano (ver à página 18), um divisor de águas ativado em 2014.Também é o primeiro complexo a entrar em funcionamento entre diversos similares em construção no bloco Nafta e cujo surgimento, entre 2016 e 2018, vai inchar muito a oferta de PE sob uma economia mundial com testosterona em banho maria.
Carlos Fadigas, presidente da Braskem, não perde o prumo com a pedra cantada da disputa a ferro e fogo. Seu ás na manga chama-se matéria-prima. Assegurado por contrato de 20 anos de fornecimento fechado com a Pemex, o gás abundante no Golfo do México tem preço de referência no combustível norte-americano, cuja cotação resulta do cruzamento do preço do gás vindo de plataformas marítimas com o egresso das jazidas de xisto. “A Braskem Idesa dispõe de etano precificado base Mount Belvieu a US$ 136,38/t, incluso desconto do fornecedor, praxe no setor em transações dessa envergadura”, expõe Fadigas, calcado no cenário de novembro de 2015. Contraste: no Brasil, ele escancara, a Braskem tem de pagar bufando US$ 431,75/t pela nafta base Ara à sua fornecedora e sócia Petrobras, em meio ao desgaste de querelas e aditivos aplicados em gotas aos contratos de venda da materia-prima, na contramão da praxe no ramo dos contratos de suprimento a longo prazo. Aliada ao desgoverno e da economia em noite sem fim, essa insegurança nas regras do jogo tem esvaziado, reconhece Fadigas, a competitividade da petroquímica brasileira e seu charme para seduzir investimentos.
“O México é outro mundo, não é para se trabalhar com a cabeça no modo Brasil”, constata Cleantho Leite, diretor de relações institucionais, novos negócios e comunicação externa da Braskem Idesa. Fadigas assina embaixo dessa percepção ao descrever os energizantes ao dispor do complexo em Nanchital. De cara, ele aponta, o México presidido por Enrique Peña Nieto transpira capitalismo e vende saúde – o PIB deste ano deve saltar 2,5% e o do ano que vem, turbinado por reformas como a energética e trabalhista, tem previsão de pular 3,5%.Além do mais, intercede Fadigas, trata-se de uma economia de livre comércio com mais de 40 países, membro de primeira hora da encaminhada Parceria Transpacífico (TPP), sócio do bloco Nafta e tão identificado com a realidade regional a ponto de analistas mexicanos enxergarem o país bem mais como um mercado norte-americano do que latino-americano.
Fadigas põe a lupa sobre PE. “O consumo mexicano chega a 2,1 milhões de t/a,das quais 67% importadas e substituir parte delas é a proposta da Braskem Idesa”. Roberto Bischoff, diretor geral do complexo veracruzano, encaixa que, com cracker de 1.2 milhão de t/a de eteno e duas veteranas plantas somando 600.000 t/a do polímero, a Pemex embolsa 34% do mercado de PE no país. “Além de baixar o déficit no comércio exterior da resina, vamos incrementar a arrecadação de impostos e gerar riqueza e emprego”. Fadigas fecha o cordão de anabolizantes para a Braskem Idesa malhar com as oportunidades surgidas com o fim do monopólio da Pemex e com as vantagens da localização. O complexo possui uma mega plataforma logística, gerida pela operadora Katoen Natie, e fica perto de duas refinarias da estatal – Pajaritos e Cangrejera –, de uma balsa ferroviária para o vizinho mercado norte-americano e de um porto de químicos e outro de carga, ambos rentes ao Golfo. “O escoamento da produção é facilitado, seja pelo lado do Atlântico ou do Pacífico”, nota o presidente da Braskem.
Outra bala no tambor do negócio será transposta do DNA da Braskem. “Deveremos distinguir a Braskem Idesa pelo atendimento”, confia Fadigas. A seu ver, as petroquímicas dos EUA em regra se voltam apenas para grandes clientes mexicanos de PE num relacionamento algo distanciado. “Vamos introduzir no México o estilo de um convívio de perto e individualizado com os transformadores”. Fadigas mantém a expectativa de retorno entre oito e 10 anos do capital aportado e prevê que, com a partida do complexo em Nanchital, 51% da receita da Braskem virão de fora do Brasil. Esse percentual, ele dá a entrever, tende a aumentar se vingar o investimento hoje em estudo da sexta planta de PP da Braskem nos EUA, à sombra da abundância em flor de propeno e da insuficiente produção local do polímero.
Em paralelo à largada da operação mexicana, a Braskem erige em Laporte,Texas, sua fábrica de polietileno de ultra alto peso molecular (PEADUAPM). Fadigas decepa a lógica de produzir o material no complexo de PE na boca do Golfo. “Não só 40% do mercado mundial de PEUAPM estão nos EUA como contamos no site de PP em Laporte com a infra necessária para receber eteno dos crackers texanos”. O dirigente também detona a possibilidade de a Braskem Idesa efetuar venda casada de seus grades de PEBD com a resina linear (PEBDL) de terceiros, caso da própria Pemex.
A ausência de PEBDL do mix do novo complexo é justificada por Cleantho Leite com a esperada avalanche dessa resina no Nafta, por obra das plantas com partida agendada entre 2016 e 2018 nos EUA, na garupa do acessível eteno gerado pela rota do gás de xisto. Conforme ele adianta, a intenção é rodar a Braskem Idesa com 90% de sua capacidade em 2016, destinando 60% da produção ao mercado interno e 40% a exportações. Nesse ponto, ele destaca como trunfo, além do mercado aberto, o fato de os clientes norte-americanos de PP da Braskem também consumirem em torno de quatro milhões de t/a de PE. O Brasil, ele situa, fica como nota de rodapé no mapa dessas exportações. “Mandaremos resinas apenas em circunstâncias pontuais como preencher a lacuna aberta com a parada de plantas locais ou em caso de carência de determinados grades”.
Na calculadora de Leite, o México deve fechar dezembro com saldo acumulado de 1,6 milhão de toneladas importadas de PE. A Braskem Idesa, insere o diretor, já responde pelo grosso desse volume. “Em três anos de pré-marketing da nossa produção, nos tornamos o maior importador local da resina”. O material foi trazido de plantas internacionais licenciadas com as mesmas tecnologias em campo em Nanchital: Ineos-Innovene S para PEAD e, para PEBD, o processo tubular Lupotech T, da LyondellBasell. Num rasante pela demanda, Leite arredonda em 500 indústrias o universo de transformadores mexicanos de PE e a Braskem venderá diretamente para 350 deles. “O varejo deve mobilizar perto de 15% do total das nossas vendas internas”, ele demarca. Para marcar de perto esse reduto de transformadores de menor porte, abre o diretor, foi armada uma rede com cinco distribuidores autorizados: Polymax, Don Ramis-Syrus, Mafra-Osterman, Insumos Internacionales e Solquim-M.Holland. Leite conta ter convidado distribuidores do Brasil para atuar no México, mas não houve interesse. Por ora, o único transformador brasileiro atraído pela Braskem Idesa é Alfredo Schmitt, que investiu em unidade vizinha ao complexo para muní-lo de sacaria lisa (ver à página 12).
Acionista minoritário (25%) do complexo veracruzano, o grupo mexicano Idesa, com nome feito no setor químico, não teve sua distribuidora integrada ao time de agentes da Braskem-Idesa. “Seu foco está fora da comercialização de termoplásticos”, justifica Leite. A propósito, Carlos Fadigas sublinha que a Idesa nada tem de sócio ausente do negócio, pois participa diretamente de sua gestão.
Fadigas, Bischoff e Leite sublinham que a Braskem Idesa não compete com os polietilenos produzidos por sua fonte de etano, a Pemex. O objetivo é aumentar a autonomia mexicana no polímero, demonstrando por extensão a serventia da reforma do setor energético iniciada em 2014 pelo governo Peña Nieto, através da qual a Pemex tem agora sua via de crescimento calcada numa administração empresarial e em alianças com a iniciativa privada. Nessa linha de raciocínio, a limitada capacidade da operação de eteno/PE da estatal acende a ideia de uma junção de forças, em prol dos ganhos em escala e rentabilidade, com a sua cliente Braskem Idesa. “É uma hipótese a considerar”, deixa no ar Juan Marcelo Parizot Murillo, diretor de comercialização da Pemex.