Ao por à venda sua participação na Braskem e o controle da PetroquímicaSuape, a Petrobras oficializa sua despedida dos plásticos. Antes vista como ativo estratégico e prova de uma presença total na cadeia petrolífera, a indústria petroquímica transfigurou-se, nos últimos tempos num supérfluo adereço downstream no diagrama da Petrobras, com resultados em descompasso com as receitas geradas pelas fontes de energia. Além de simbolizar o fim de uma era, essa saída da estatal ricocheteia na competitividade dos custos de produção das resinas, deixa claro nesta entrevista o guru dos analistas do setor de óleo e gás, o economista Adriano Pires, sócio fundador do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE) e ex Superintendente de Abastecimento e Superintendente de Importação e Exportação de petróleo, seus derivados e gás natural da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
PR – Sem a presença da Petrobras nos quadros societários daqui por diante, o que pode mudar quanto ao suprimento e disponibilidade de matérias-primas para as petroquímicas brasileiras?
Pires – O suprimento e disponibilidade de matérias-primas são a maior preocupação para a indústria petroquímica brasileira neste momento em que a Petrobras se retira do setor para focar em seu negócio upstream. Por quase dois anos, a indústria doméstica negociou intensamente com a Petrobras, principal fornecedora de nafta (derivado de petróleo que é a principal matéria-prima para o eteno, produto básico da cadeia do plástico), tentando costurar com a estatal um acordo de abastecimento de longo prazo. Em dezembro passado, a Petrobras assinou com a Braskem um acordo de apenas cinco anos de suprimento. Para reduzir sua dependência do insumo e, consequentemente, da própria Petrobras, que fornece 70% de toda a demanda da petroquímica, a Braskem fechou um acordo para importar dos Estados Unidos o shale gas (gás natural não-convencional) que pode ajudar a derrubar os custos de produção. O projeto exigirá um investimento de R$ 380 milhões e o produto será fornecido pela Enterprise Products, a mesma distribuidora que atende as fábricas da petroquímica brasileira nos EUA. O gás importado vai abastecer até 30% da central petroquímica de Camaçari, na Bahia, até 2019. Isso a tornará uma unidade flexível, capaz de utilizar gás ou nafta na produção de eteno.
PR – Quais as perspectivas para as rotas do nafta e gás nas petroquímicas?
Pires – Segundo a Braskem, cerca de 75% do custo de produção do eteno vem da nafta, que perdeu competitividade em relação ao gás. Estimativas de mercado apontam que, mesmo com o custo do frete marítimo, o gás importado americano custaria, em média, 50% menos que a nafta no Brasil nos últimos dois anos. Há uma tendência mundial de aumento da oferta de gás natural. Ela deve manter os preços do produto em baixa, puxada também por novas descobertas e por mais investimentos em liquefação de gás, o que viabilizará a exportação aos mercados consumidores. As petroquímicas que mantiverem uma matriz de produção focada em nafta vão perder competitividade internacional se não migrarem para o gás natural.
No entanto, é possível que, no futuro, ocorram períodos de volatilidade no preço do gás natural e a indústria petroquímica brasileira terá de se adaptar, em termos de flexibilidade, para aproveitar a troca de insumos e reduzir custos nessas circunstâncias. Em 2016, dos quatro polos produtivos da Braskem no Brasil, três são movidos a nafta. A única planta que utiliza gás natural é a de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Ela responde por 15% da produção brasileira e não vem operando com 100% da capacidade justo pela falta de gás brasileiro, ainda em desenvolvimento no pré-sal nacional. Mais que reduzir custos com a troca de insumos básicos, a importação de gás natural (seja shale gas ou outros) poderá ser um instrumento de barganha entre o setor petroquímico doméstico e a Petrobras. Se, no futuro, a Petrobras decidir aumentar o preço da nafta, como o fez no passado, a rentabilidade das petroquímicas brasileiras pode cair de forma significativa. Espera-se que a importação de gás não reduzirá o volume de nafta comprado da Petrobrás, pois substituirá a nafta importada.
PR – Um dos objetivos do finado modelo tripartite era contemplar a petroquímica nacional de massa crítica suficiente para assegurar, mais à frente, o fim da dependência tecnológica. Por que isso não aconteceu na prática?
Pires – A implantação do modelo tripartite (Estado + capital privado nacional + capital internacional) se deu com a construção do Polo Petroquímico de Camaçari, na década de 1970. Já o Polo Petroquímico de Triunfo, no Rio Grande do Sul teve engenharia básica brasileira em sua implantação nos anos 1980. No entanto, segundo estudos do Instituto de Macromoléculas (IMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considerado referência nas áreas de Ciência e Tecnologia de Polímeros no Brasil e América Latina, no período do modelo tripartite nada havia nos contratos de tecnologia que caracterizasse melhores condições de transferência quando seu fornecedor fosse também acionista da empresa receptora. Assim, durante o período inicial do modelo, quando o parceiro estrangeiro fornecia a tecnologia, não foi resolvido o problema de dependência tecnológica das empresas petroquímicas nacionais, pois considera-se que estas recebiam os equipamentos e técnicas diretamente sem abertura sobre a tecnologia a ser praticada. Em decorrência, foi mantida uma dependência tecnológica do licenciador/acionista da empresa brasileira. Além disso, muitas vezes as empresas não dispunham de equipe capacitada para a realização de um programa de absorção tecnológica. Desde então, investimentos em pesquisas e em profissionais especializados em petroquímica foram fundamentais para consolidar a indústria petroquímica nacional, tornando o país um dos grandes players mundiais em resinas termoplásticas. •