17 anos de estrada calejaram a Braskem o suficiente para absorver e lidar com os ciclos de alta e baixa inerentes à indústria petroquímica. Mas poucas vezes a empresa, única produtora no país de polietileno (PE) e polipropileno ( PP) e dona da maior capacidade nacional de PVC, sentiu tanto a terra do setor tremer como este ano. Afinal, a obesidade mórbida do excedente norte-americano de PE continua a inchar, a economia internacional esfria enquanto ferve a guerra comercial EUA x China e o mercado brasileiro permanece desde o final de 2014 de pires na mão. Mesmo assim, Fernando Musa, presidente da Braskem, deixa patente nesta sua entrevista sobre os percalços e agruras do período atual que, se as reformas estruturais e investimentos em infraestrutura saírem da retranca, o consumo interno de resinas poderá iniciar o caminho da volta aos patamares pré-crise.
Por fatores como a defesa de market share praticando preços de venda de suas resinas até abaixo da paridade internacional, a Braskem registrou queda de 76% no lucro líquido do segundo trimestre de 2019 versus o mesmo período um ano antes e redução de 40% no EBITDA no mesmo comparativo. Qual a possibilidade de a empresa mudar esse posicionamento em prol da melhora dos resultados financeiros?
Em relação ao market share no segundo trimestre deste ano, a Braskem manteve sua participação praticamente estável nas principais regiões. A variação dos resultados frente ao mesmo período em 2018 foi causada predominantemente pela redução dos spreads (margens) internacionais de resinas, resultante do aumento da capacidade de polietilenos (PE) na América do Norte e da guerra comercial entre China e EUA, que vem impactando a demanda global. Os ciclos da indústria petroquímica fazem parte do risco do negócio, porém, mesmo neste cenário mais desafiador, a companhia vem gerando fluxo de caixa positivo.
Com base na retração de 7% apontada na demanda brasileira de poliolefinas e PVC no segundo trimestre versus o primeiro deste ano, qual a sua expectativa para o desempenho da demanda doméstica de PE, PP e PVC no exercício de 2019?
Projetamos aumento em torno de 2% a 3% para a demanda interna das três resinas este ano, reflexo de um incremento ainda pouco expressivo da economia doméstica. A reforma da Previdência proposta pelo governo traz a perspectiva de um novo ciclo de crescimento econômico e, consequentemente, de aumento da demanda local de poliolefinas e PVC. É preciso também um esforço adicional para gerar maior dinamismo na economia e destravar investimentos em infraestrutura, fatores cruciais para viabilizar esta esperada fase de recuperação. Com isso, investimento e o consumo tendem a melhorar e gerar mais crescimento e empregos. Isso tudo aumenta a procura por embalagens que impactam positivamente em nossos negócios de PE e PP. Por sua vez, a retomada da oferta de crédito cria um ciclo virtuoso, capaz de favorecer a construção civil, campo de PVC e PE, e dois mercados de PP: as indústrias automobilística e de eletrodomésticos.
A Braskem Idesa rodou com 72% de ocupação sua capacidade de PE no segundo trimestre ou -7% que o saldo no primeiro trimestre do ano. Conforme arqui noticiado, a petrolífera estatal Pemex carece de estrutura operacional para suprir regularmente a empresa da quantidade de etano necessária para rodar com ocupação aceitável as suas plantas de PE. A Braskem desconhecia essa carência quando planejou seu complexo mexicano, inclusive com assessoria da Pemex?
A previsão de produção de etano que a Pemex possuía superava em muito as necessidades do projeto Braskem Idesa. Esta informação foi checada e referendada por especialistas contratados por nós e bancos financiadores. Infelizmente, a crise de petróleo e decisões de redução de investimento em sua exploração e produção no México levaram a uma queda importante da disponibilidade local de gás para a obtenção de etano.
Quais alternativas a Braskem Idesa pretende adotar para contornar a insuficiência de etano mexicano?
A empresa busca complementar o suprimento de etano com a importação de matéria-prima dos EUA. Esperamos desenvolver uma solução de curto prazo, que permita importações substanciais em 2020-2021, ao mesmo tempo em que dialogamos com Pemex para desenvolver ações definitivas de aumento da produção local de etano e de instalação de um terminal para importações de grande porte desse intermediário, para entrada em 2022-2023.
Para manter ativa sua operação de vinílicos após sustar a mineração de sal gema em Alagoas, a Braskem tem importado PVC e seu intermediário dicloroetano (EDC). Segundo a Abiplast, trata-se de estratégia de risco e onerosa, dada a restrita disponibilidade internacional dos dois produtos para importações sul-americanas. Diante desse quadro e das dificuldades políticas e econômicas para a Braskem retomar a mineração de sal gema, como encara a proposta da Abiplast ao governo de suspender o antidumping vigente há mais de 25 anos para PVC em solução dos EUA e México?
A Braskem vem mantendo sua operação de PVC trazendo matéria-prima importada, o que traduz nosso compromisso de atender os clientes e evitar qualquer tipo de desabastecimento. Agora, a questão do antidumping é de outra natureza. Entendemos que as medidas antidumping adotadas não impactam as importações de outros países que atuam dentro das regras internacionais de comércio. O antidumping é um mecanismo do direito internacional, que leva em consideração critérios técnicos, depois de consultas às partes interessadas, e que visa neutralizar práticas comerciais desleais e que comprometem o desenvolvimento de um país. Eliminar esse direito significa exportar empregos e fábricas brasileiras para os produtores do exterior que adotam práticas desleais de comércio. Acompanhamos as discussões sobre este tema atenta e permanentemente, sempre buscando manter a competitividade das cadeias envolvidas e o atendimento das demandas dos mercados.
O Polo Industrial de Manaus vem abrigando um número crescente de plantas de filmes de PE transferidas do Sudeste e Sul, configurando um bom mercado que o PE da Braskem vem perdendo para a resina importada. Como a Braskem cogita reconquistar esta clientela e convencer outros transformadores a não migrarem para Manaus e, mesmo assim, competirem melhor com os preços dos flexíveis vindos da Zona Franca com incentivos fiscais?
A Braskem enxerga com atenção a migração de empresas para a Zona Franca e entende que este é um fator de potencial desequilíbrio na competitividade das indústrias de transformação. As empresas que lá atuam contam com benefícios fiscais, mas também convivem com maiores desafios logísticos e necessidade de operação com maior capital empregado. Portanto, a migração para a Manaus não é uma escolha natural para a cadeia produtiva em vários segmentos da transformação de plásticos, incluso o de filmes de PE. Preocupa-nos mais o fato de algumas empresas estarem se instalando ali com o mínimo de agregação de valor à resina e sem geração relevante de empregos. Em última análise, isso configura uma distorção do objetivo de levar desenvolvimento econômico à região. A Braskem tem participado ativamente das consultas públicas sobre os processos produtivos básicos da transformação do plástico na Zona Franca. Por meio das instituições de representação da indústria, de forma transparente e legítima e com base em estudos avalizados por entidades reconhecidas, dialoga-se de forma propositiva, visando aprimorar o modelo atual e eliminar distorções na aplicação dos benefícios.
Como a Braskem cogita compensar ou atenuar a diminuição de suas exportações para a Argentina em recessão?
Ainda é cedo para avaliar se os impactos da crise argentina em nossas exportações de resinas serão transitórios ou duradouros. Vamos seguir acompanhando a situação para entender as implicações. Entretanto, como parte da estratégia de diversificação, a Braskem ampliou a atuação em outros países da América do Sul que experimentam um interessante ciclo de crescimento, como Paraguai, Chile, Peru e Colômbia. Esta estratégia nos deixa mais resilientes para enfrentar dificuldades momentâneas nas condições de mercado de um determinado país. •