Toque de recolher

Rodrigo Oliveira

Por força de acordos setoriais, a indústria brasileira deve comprovar o real recolhimento de, ao menos, 22% do volume colocado de suas embalagens pós-consumo. Esse compromisso traduz a oportunidade de negócio enxergada pela startup Green Mining: localização e coleta de resíduos pós-consumo passíveis de reaproveitamento, uma logística ancorada num algoritmo mapeador de áreas com grande geração de sucata, material recolhido por catadores com carteira de trabalho assinada, munidos de triciclos e equipamentos de proteção individual. Com três anos de ativa, a Green Mining já atua na capital paulista e Brasília e desponta na coleta de plástico pós-consumo, como expõe nesta entrevista o presidente Rodrigo Oliveira, que divide em partes iguais com dois sócios o controle da startup.

Como foi a trajetória da Green Mining de 2018 a 2020?
Entramos num verdadeiro foguete em 2018, quando fomos acelerados pelo respaldo da Ambev (busca de soluções para minimizar impactos ambientais de garrafas de vidro) e começamos a reverberar de forma muito positiva e ágil. Em novembro do mesmo ano, iniciamos nosso módulo piloto de três meses no bairro paulistano da Vila Olímpia e, ao fim de 2019, já estávamos em 18 bairros da capital paulista, Rio de Janeiro e Brasília. 2020 foi um ano desafiador, mas muito relevante pela entrada de mais clientes, parceiros e o desenvolvimento de novas formas de atuação. Tivemos momentos difíceis de volume com a redução dos materiais de bares e restaurantes, mas conseguimos recuperar com um grande aumento na coleta em condomínios, implantação de pontos de entrega voluntária (PEVs) e o início do recolhimento de plásticos, o que permitiu a manutenção do nosso volume médio de coleta. Em 2020, o faturamento cresceu acima de 500%

Como a Green Mining define seu modelo de atuação?
Desenvolvemos formatos de atividades que permitiram a empresas de qualquer porte integrar o processo de logística reversa inteligente. Podemos trabalhar, por exemplo, com um fee mensal para o atendimento de toda uma região específica (cerca de 60 pontos de coleta) ou podemos desenvolver coletas em lojas ou PEVs com mínimo de 10 locais. Para avaliação de novo local, analisamos o potencial de geração por meio do sistema desenvolvido para implementar uma coleta eficiente e que dê resultado em volume. Com isso, estabelecemos metas para a recuperação de cada tipo de material.

Qual a possibilidade de a Green Mining verticalizar-se na reciclagem de resíduos como os plásticos que coleta, seja via joint venture com um reciclador parceiro ou montando unidade própria?
Nosso perfil de trabalho é de total cooperação, pois o principal objetivo é fazer com que o material pós-consumo reciclável remetido a aterros, lixões ou o oceano, seja desviado e siga o caminho da reciclagem. No momento, isso representa um potencial de 97,7%, pois o Brasil só recicla 2,3% do lixo coletado, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS). Em outras palavras, o pouco material que já é separado e está nas cooperativas ou na coleta seletiva, tem o destino correto. A Green Mining quer buscar o restante dos materiais que não está sendo recuperado. Em decorrência, temos potencial para cooperar e cocriar com os mais diversos atores possíveis, inclusive, por meio de joint ventures ou unidades próprias. No plano específico da reciclagem dos plásticos, admiramos a startup holandesa Precious Plastic Seu sistema possibilita democratizar a reciclagem em locais onde a logística até a planta recuperadora é muito complexa. Já firmamos contrato de consultoria com os holandeses e anunciaremos novidades em breve.

Como é o projeto piloto de coleta de balde plástico de tinta envolvendo Green Mining e Braskem?
Junto com profissionais da Braskem e AkzoNobel, fabricante das tintas Coral, estudamos o consumo e descarte de embalagens de tintas. O módulo-piloto colocado no mercado de construção civil resultou na recuperação de mais de 2.000kg de embalagens, das quais 90% de plástico. Outros pilotos vieram a seguir e o principal foi lançado em março com a Casa Toni, rede paulistana de materiais de construção. Tanto pintores como consumidores poderão levar as embalagens de tintas vazias e trocar por descontos e brindes da marca Coral. Cada embalagem possui uma pontuação que, quando acumulada, pode ser trocada pelos benefícios.

Quais clientes do setor plástico constam da carteira da Green Mining?
Nosso foco é auxiliar indústrias de bens de consumo a realizarem a logística reversa de verdade. Garantimos que o material recolhido seja pós-consumo e que chegue em uma planta recicladora. Apesar de a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos referir-se ao conceito de responsabilidade compartilhada pelos resíduos, o artigo 33 mostra que o fabricante é o responsável por operacionalizar a logística reversa. Mas isso não é tarefa simples e o papel da Green Mining é amparar a indústria e dar transparência ao processo. Apesar de recente, já temos diversos clientes e destinos para a reciclagem de plástico. Iniciamos em 2020 com a coleta de garrafas PET para a Ambev, resíduo que enviamos a recicladores e o material assim recuperado seguiu para recipientes de guaraná. PET foi o primeiro plástico que começamos a coletar porque já tínhamos rotas de coleta do vidro em bares e restaurantes. A sinergia de materiais é chave para que a logística reversa seja cada vez mais eficiente. Já com a recicladora Deink e o transformador Valgroup desenvolvemos a coleta de filmes de polietileno de baixa densidade (PEBD). Em polietileno de alta densidade (PEAD), coletamos para a Unilever frascos descartados de seus produtos e os remetemos à recicladora Wise e recolhemos embalagens de óleo lubrificante encaminhadas à reciclagem na Eco Panplas.

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