“Tivemos clientes com fábricas ilhadas ou submersas durante a enchente”

Dirigente da distribuidora Piramidal relata o impacto do tormento climático em sua operação no Rio Grande do Sul
Rio Grande do Sul: subida das águas letal para fábricas em regiões mais planas.
Rio Grande do Sul: subida das águas letal para fábricas em regiões mais planas.

Em 39 anos de milhagem de voo na distribuição nacional de resinas, a Piramidal, maior agente de PP e PE da Braskem, tirou PhD em resistência a coices da economia, como choques, pacotes, trocas de moeda, confiscos, congelamentos de preços e outros milagres da contabilidade criativa. E viu de tudo no setor plástico, seja o nascimento e fim de petroquímicas e reservas de mercado, gangorras tarifárias, barafundas fiscais, projetos megalomaníacos, regras mutantes e a ascensão e queda de semideuses da indústria. Mas nunca, atesta o sócio fundador Wilson Cataldi, sua distribuidora havia se defrontado com um pesadelo climático, até que, na entrada de maio, veio a enchente que afogou o Rio Grande do Sul, mercado premium atendido pela Piramidal com dois de seus 10 centros de distribuição (CDs). A seguir, Cataldi descreve seu batismo de fogo neste drama.

Wilson Cataldi
Wilson Cataldi: tragédia levou Piramidal a adiar por 30 dias a data de pagamento para clientes locais.

A Piramidal possui dois CDs no Rio Grande do Sul, em Caxias do Sul, na serra gaúcha, e em Cachoeirinha, na Grande Porto Alegre. Qual a capacidade de estocagem de cada um e como a enchente afetou o funcionamento deles?
O CD de Caxias do Sul tem condições de armazenar 500 toneladas de resinas, enquanto o de Cachoeirinha pode estocar 1.100. Como estão sediados em áreas altas, suas estruturas físicas não foram danificadas pela subida das águas com as chuvas. Mas a enchente abalou a fundo a operação das suas equipes – 11 funcionários em Caxias do Sul e 20 em Cachoeirinha. Tivemos, por exemplo, casos de gente que não queria sair de casa com medo de saques ou para cuidar de parentes e, diante da gravidade da situação excepcional, nós providenciamos suprimentos para todo o quadro de pessoal naquela fase aguda das duas semanas de caos geral.

Qual a importância do mercado do Rio Grande do Sul para o negócio da Piramidal?
O Rio Grande do Sul é o segundo maior núcleo de transformadores do Brasil, perde só para São Paulo, condição que explica nossa presença no Estado há cerca de 20 anos. A Piramidal possui perto de 400 clientes gaúchos e, pelos últimos levantamentos, ao redor de 20 deles ficaram com as plantas ilhadas ou submersas durante a enchente. Com os desdobramentos dessa conjuntura dramática para todos os transformadores, decidimos postergar por 30 dias as datas de pagamento dos pedidos. E iremos analisar caso a caso os eventuais problemas dos clientes para honrar seus compromissos quando a situação e o nervosismo geral amainarem.

Também decidimos agir assim devido a um relacionamento com o mercado que, em décadas de convívio, extrapolou os limites comerciais. Por exemplo, um colaborador nosso teve seu apartamento alagado a ponto de não poder mais residir com sua família ali. A salvação veio de um cliente amigo. Ele ofereceu sua casa de praia para alojar esse pessoal desabrigado até as chuvas serenarem. A oferta foi aceita.

A Braskem declarou força maior no início de maio para interromper a produção do polo de Triunfo, cuja retomada gradual, a depender da meteorologia e vias de acesso, foi divulgada em 20 de maio sob a expectativa de 15 dias para o processo voltar 100% aos eixos. Como a Piramidal, maior distribuidora de PP e PE da Braskem, lidou com a questão da disponibilidade de grades durante a parada?
Não sentimos esse problema. A enchente nos pegou com estoques elevados no Rio Grande do Sul, tal como ocorreu com a Braskem e com os fornecedores de resinas importadas. No pico das chuvas, o escoamento desse nosso material armazenado complicou devido aos estragos limitadores do tráfego nas vias de acesso. Passamos esse aperto com mais intensidade em dias como 14 de maio, mas no dia 17 várias rotas já estavam desimpedidas. De outro ângulo, cumpre atentar que uma planta petroquímica não volta a rodar com plenas condições da noite para o dia e, por extensão, a produção de todos os grades do mix da Braskem em Triunfo vai se concretizando a cada etapa do retorno das atividades, o que explica uma eventual e momentânea insuficiência de determinado grade.

A seca recorde no Norte no ano passado e esta enchente agora no Sul provam de vez que o Brasil entrou para o mapa mundial dos locais mais sujeitos e vulneráveis a extremos climáticos. Quais as principais medidas preventivas que a empresa pretende adotar para contornar ou reduzir ao máximo esse risco?
No momento, não temos nada em mente. Do ponto de vista ambiental, a Piramidal incorporou a cultura ESG e seu mostruário contém reciclados e biopolímeros, de modo que sua atuação não influi em mudanças climáticas. Mas o ponto-chave agora é que, em mais de 30 anos de bagagem na distribuição de resinas, nunca enfrentamos uma catástrofe como essa do Rio Grande do Sul e, como ainda estamos acompanhamos os desdobramentos do trauma, não percebemos a necessidade de qualquer medida nova de precaução. Muito se fala, por exemplo, sobre o respaldo de seguros contra desastres de causas naturais. Vale notar, a propósito, que uma apólice básica não cobre este tipo de evento. O contrato com cláusula a respeito é de cunho específico e mais oneroso. A Piramidal tem esse seguro para o CD em São José dos Pinhais (PR) para a hipótese de acidente aéreo, devido à proximidade do nosso galpão de um aeroporto. Mas no caso de Caxias do Sul e Cachoeirinha, a experiência dessa enchente demonstrou que os CDs estão a salvo pela localização em áreas altas, dispensando essa modalidade especial de seguro, portanto. Enfim, a única medida que adotamos nesse evento foi constituir uma provisão financeira para lidarmos com a incidência de inadimplência emergencial, causada em clientes locais pelos temporais.

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário