A reciclagem de plásticos capta à perfeição a necessidade da educação continuada, ou seja, de permanente reciclagem de conhecimentos, determinada às linhas de produção por esse conceito divisor de águas denominado Indústria 4.0. Paulo Franciso da Silva, diretor comercial e de desenvolvimento da Neuplast, formador de opinião na recuperação de resinas no Brasil, sintetiza a reviravolta já em curso no I Mundo com uma metáfora. “Temos hoje uma boa equipe de pilotos de 4X4 Off Road, mas estão sendo introduzidos carros monopostos tipo F1, cujas técnicas de pilotagem, exigências e reações são muito diferentes. Para lidar com eles, precisamos treinar todo o time da escuderia”.
A Indústria 4.0 escancarou um fosso entre a reciclagem no Brasil e a vanguarda de visibilidade crescente na Europa e Estados Unidos. “Salvo os sistemas eletrônicos de triagem em algumas plantas, nosso setor de reciclagem nada tem de similar aos processos interligados em células de produção mostrados na K’2016”, constata Silva. Para piorar o descompasso, ele sustenta que as recicladoras nacionais utilizam, no geral, um percentual muito abaixo da capacidade dos equipamentos de ponta em suas mãos. “O setor revela um incremento da automação, com tentativas de alimentação de softwares via módulos de TI, mas esbarra na falta de interligação modular e de qualificação de pessoal”. Por razões notórias, a instauração por aqui da Indústria 4.0, também chamada de manufatura avançada não é para já, mas o tempo não para e Silva vê sem escapatória esse rolo compressor, doa a quem doer. E entre quem vai sentir dor, ele canta a pedra da supressão do trabalho manual na triagem dos resíduos. “Será banida pela separação seletiva exercida por sensores de pulso a laser com leitura ótica dos elétrons das moléculas poliméricas ou por um sistema apresentado na K’2016, no qual todos os termoplásticos são reunidos e agrupados, zerando a necessidade de triagem”, descreve. “As equipes nas cooperativas se incumbirão apenas de certificar se o refugo na esteira é de plástico”.
Diante da aparição da Indústria 4.0, um calcanhar de aquiles da manufatura do Brasil – e o setor de reciclagem não foge à regra – é o despreparo do chão de fábrica. “Nossos cursos técnicos profissionalizantes ainda se baseiam na terceira revolução industrial, remanescente dos anos 1970. São centrados em robótica, eletrônica e sistemas computadorizados, enquanto a ordem do dia agora é pautada por métodos ciberfísicos, internet das coisas e processos descentralizados de tomadas de decisões”, considera Silva.
Para ilustrar melhor esse desnível, o diretor da Neuplast recorre a um lançamento feito na K’2016. “Foram apresentadas coextrusoras com cabeçotes giratórios para filmes de até 11 camadas contendo oito materiais diferentes”, ele coloca. “Como vou reciclar esse refugo pós-consumo? Como ele se comporta combinado com lixo monocamada? Pois bem, são conhecimentos desse tipo que os recicladores precisarão dominar, para entender o que ocorre com esse material no canhão de suas extrusoras e o impacto desse comportamento na qualidade do reciclado final”. Por essas e outras, Silva antevê, quando a Indústria 4.0 estiver em campo aqui, que serão exigidos para a mão de obra, no mínimo segundo grau técnico, inglês fluente, redação e domínio do idioma português.
A Indústria 4.0 almeja a produtividade ideal, deixando subentendido zero refugo gerado em linha. Ou seja, ponto final para as aparas de primeira moagem, valorizado mercado para recicladores. Paulo Francisco da Silva julga, em relação ao Brasil, que procede a previsão de redução drástica das aparas para posterior reciclagem. Mas esse declínio vai demorar bom tempo, assinala, pois seu setor não tem por ora como desfrutar ao máximo as vantagens da manufatura avançada por falta de ambiente macroeconômico, segurança de rede, internet das coisas, educação de qualidade e mão de obra qualificada. “A demanda por técnicos especializados será imensa e eles terão de olhar a produção de forma diversa da atual”, antevê. “Precisarão de uma visão total da operação industrial e saber interagir com profissionais de outras especialidades para colocarem juntos o rastreamento virtual do processo desenhado pelo setor de TI com implicações em todo o sistema cibernético e em todas as opções envolvidas no esquema de tomadas de decisões”. Silva transpõe esse voo pela ionosfera tecnológica para o cotidiano do ramo. “Imagine todo esse sistema interconectando desde o cliente do reciclado ao reciclador, seus processos de fabricação e chegando no setor de logística de recebimento da sucata e até nas cooperativas e revendas de refugo”, observa. “Quem não quer ter zero estoque e trabalhar just in time?” •