Flexíveis pós-consumo são desprezados pelos catadores de materiais recicláveis por serem menos rentáveis e de coleta e triagem mais trabalhosas que a sucata plástica rígida. Em contrapartida, a extrusão de filmes mobiliza ao redor de 52% da transformação brasileira de resinas e lidera os mercados de poliolefinas, os polímeros mais consumidos no mundo inteiro. Para a Unilever, brand owner em bens de consumo ultra engajada em soluções de logística reversa e de embalagens sustentáveis, o fato de o Brasil ainda não dispor de reciclagem química comercial, rota ideal para recuperar refugo flexível (em especial multimaterial), não é justificativa para não prospectar a reciclagem mecânica economicamente viável de resíduos de filmes descartados. Vieram à tona, assim, as tampas de frascos da Unilever injetadas com polipropileno (PP) resultante da reciclagem de rejeitos pós-consumo do filme biorientado da mesma resina (BOPP). “Já estão no mercado tampas opacas azuis e pretas de xampus, desodorantes e do creme de tratamento TRESemmé”, revela Zita Oliveira, gerente de sustentabilidade do plástico da Unilever na América Latina. “Em tampas translúcidas, encaramos o desafio de desenvolver um reciclado pós-consumo que atenda a este requisito visual”. Até o momento, essa injeção é encargo da Alemoldes, Aptar, América Tampas e Plastek. A iniciativa da Unilever foi reconhecida pelo mercado com sua conquista do Prêmio Plásticos em Revista 2022 na categoria Produto Acabado – Desenvolvimento do Ano em PCR (ver à pag. 46).
O primeiro reciclador a se aliar à Unilever foi o Grupo Ecological, calejado na recuperação mecânica de aparas de BOPP, o que acelerou as validações. “Buscamos mais parceiros para desenvolver materiais, pois sabemos que não vamos mudar sozinhos o cenário da reciclabilidade mecânica de flexíveis”, admite Zita. A Unilever está comprometida com a coleta de embalagens flexíveis por participarem do seu portfólio de produtos como os alimentícios, sublinha a gerente. “Começamos por BOPP, mas temos projetos visando viabilizar a reintrodução de polietileno de baixa densidade linear (PEBDL) nas nossas embalagens”. A matéria-prima do reciclado para as tampas injetadas é a sucata de BOPP monomaterial ou laminado com PE. “O processo é totalmente mecânico, sem delaminação e com tintas, vernizes e metalização juntos com PP na reciclagem”.
Nascido de uma empresa de gerenciamento de refugos industriais, atividade mantida, o Grupo Ecological acumula 10 anos de milhagem de voo na reciclagem de flexíveis. “Nesse meio tempo, a capacidade produtiva dobrou para 10.000 t/a e efetuamos a moagem, lavagem, separação e extrusão do material recuperado”, expõe Fábio Arcaro Kühl, sócio e CEO da recicladora em Limeira, interior paulista. “Além de forte trabalho de captação e estruturação de parcerias com cooperativas e gestores de residuos, efetuamos a retriagem do material assim adquirido para evitar contaminantes na reciclagem”.
Entre as modernizações do parque fabril, ele cita duas extrusoras Wefem, com respectivos diâmetros de 150 e 160 mm do cabeçote, totalizando capacidade acima de 1.5 t/h. “Hoje em dia, nossa produção é suprida em 70% por aparas e 30% por flexíveis pós-consumo e a participação desse refugo deve subir para 50% em 2023 e 70% em 2024”, projeta o CEO. Para este ano, ele prevê crescimento como um todo de 15% em volume para sua operação e apenas o segmento de reciclado pós-consumo deve saltar 50%, material que deve puxar o incremento total de 50% na mira para 2023”.
A Unilever integra a clientela dos grades ECOPP, egressos da reciclagem de BOPP pós-consumo e desenhados para injeção de artefatos como tampas, recipientes, displays e paletes. Kühl também defende que, embora injetados sejam aplicações cativas de reciclados vindos da sucata rígida, “o mercado demanda novas soluções circulares para plásticos ainda não frequentes na reciclagem mecânica, como flexíveis pós-consumo tipo BOPP e PP”. O dirigente reconhece que a triagem complexa faz com que estes pouco rentáveis filmes residuais atraiam menos os catadores que o refugo rijo, “Somente com um mercado orientado pela procura por esse tipo de rejeito flexível conseguiremos viabilidade econômica para estruturar e remunerar sua cadeia de reciclagem. Sem isso, nenhuma solução será sustentável a longo prazo”, condiciona o reciclador.
A viabilidade econômica da reciclagem mecânica de flexíveis permanece muito questionada, pondera Paulo Francisco da Silva, presidente da reputada consultoria Agora Vai Brasil. “Mas considero irreversível este tipo de reúso, pois o mundo cobra com dureza soluções sustentáveis em prol do descarte em algumas décadas”.
O grade para extrusão de BOPP prima por excelentes características mecânicas, assinala o concorrido consultor, e os processos de limpeza, separação, preparo e limpeza dessa sucata flexível em nada difere dos demais resíduos de plástico rígido coletados com vistas à reciclagem mecânica. “As diferenças para a obtenção do reciclado desenhado para injeção das tampas da Unilever começam nas etapas da formulação, caso de insumos para melhor ajustar tópicos como fluidez e reologia da contração, e na granulação, via rosca de extrusão que assegura excelência na homogeneização e degasagem da massa fundida”, ele nota, acrescentando que a tecnologia de tampas estabelece exigências peculiares como as relativas a barreiras químicas ou a resistência à pressão interna e externa na hipótese de quedas. “Faz todo o sentido, portanto, o uso de BOPP para gerar o reciclado da tampa, dada sua disponibilidade em volume me qualidade, capacidade de vedação e resistência à abrasão, calor e a condições mecânicas, como suportar risco de rasgo”.
Silva julga ser questão de tempo a consolidação do reciclado de BOPP no reúso em injetados, desde que haja envolvimento a fundo da cadeia completa nesse esforço. “Já se venceu a etapa mais difícil, o desenvolvimento de formulações e procedimentos, provando assim a possibilidade de se implantar uma escala de reciclagem mecânica de filmes mesmo com a nossa precária coleta e movimentação de sucatas”. •
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