Povo paga pela demagogia

Cobrança de sacolas irrita população e fere a reciclagem por culpa da prefeitura de São Paulo, constata diretor da Abief

sacolasFoi uma pedra cantada e só a prefeitura paulistana não ouviu. O fim da distribuição gratuita das sacolas na boca do caixa, efeito de acordo entre a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e o Procon estadual sob beneplácito do prefeito Fernando Haddad (PT-SP), esparramou problemas para todos os lados. Provocou a queda no consumo da embalagem e, efeito dominó, chamuscou seus fornecedores, incentivou o descarte incorreto e a ociosidade das centrais de reciclagem no maior mercado do país, expõe o drama nesta entrevista Alfredo Schmitt, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Flexíveis (Abief) e porta-voz do Grupo de Sacolas da entidade. As advertências sobre o risco da cobrança da embalagem por parte dessa representação foram ignoradas e deu o que está dando. Ainda assim, não fosse a atuação desse pequeno núcleo de empresas, as sacolas estariam com seus dias contados no país, ele afirma. “Através dessa iniciativa, a perseverança de poucos está fazendo a sobrevivência de muitos. É o único caso conhecido na indústria brasileira de transformação de plásticos em que um grupo se estruturou e conseguiu com inteligência superar os óbices. Mas os desafios não param aqui; a luta é sem fim”.

Schmitt: renda transferida entre setores sem nada em troca.
Schmitt: renda transferida entre setores sem nada em troca.

PR – Qual a sua avaliação da vigência, desde maio último, do acordo Apas/Procon? Tem ou não correspondido às expectativas, seja dos supermercadistas, consumidores ou transformadores de sacolas?
Schmitt – O acordo é uma tentativa de reedição de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) de anos atrás, assinado entre os mesmos atores, Apas e Procon/SP, e não homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Portanto, deixou de existir. Já estava claro que nada continha de ambiental; era apenas mercantilista. O TAC permitia que os supermercados pudessem vender sacolas a partir de 60 dias após assinatura. O acordo atual permitiu aos supermercadistas venderem sacolas plásticas após 60 dias. Em suma, reeditaram o que o Conselho Superior do Ministério Público proibiu há dois anos.

PR – Porque o acordo não se sustenta?
Schmitt – Como o TAC, esse acordo é espúrio e teve aberrações de toda a natureza. Talvez a maior delas seja o Procon paulista se arvorar em autoridade de direito ambiental em lugar de se dedicar ao objetivo principal do órgão: proteger o consumidor. Ao permitir a cobrança, atendeu perfeitamente a demanda da rede varejista, mas deixou os consumidores na mão. É uma das maiores transferências de renda de um setor da economia para outro e sem nada em troca. Apesar de alertada inúmeras vezes por nós, a prefeitura de São Paulo lavou as mãos em relação aos consumidores. Antes da assinatura do acordo, ela dizia que cada supermercado estava livre para decidir a venda das sacolas. O prefeito decidiu que não proibiria a venda mas, estranhamente, entrou na justiça contra a Apas quando ela orientou seus associados a venderem as sacolas. Aquilo que tínhamos avisado ao prefeito aconteceu: o consumidor se revoltou e deixou de comprar as sacolas. O mercado caiu drasticamente e o lixo passou a ser descartado de forma equivocada. Pior, as usinas de reciclagem automatizada da prefeitura estão subutilizadas, pois o lixo reciclável não é separado devido à recusa dos consumidores a comprarem sacolas e, assim, o refugo não chega a essas linhas de reciclagem. Ou seja, trata-se de mais prejuízo econômico, Afinal, essas centrais foram construídas com dinheiro público e agora estão às moscas, efeito do interesse meramente econômico dos supermercados de São Paulo. Um absurdo.

PR – Pesquisas de opinião detectam a ojeriza dos consumidores paulistas à cobrança das sacolas nos supermercados. A seu ver, quais as prováveis conseqüências desse repúdio?
Schmitt – Aqui vão dois dados relevantes da pesquisa Datafolha e Abief/Plastivida: 83% da população não quer pagar pelas sacolas e 87% dos entrevistados entendem que o Procon/SP deveria lutar pela gratuidade delas. Os dados indicam a repulsa da sociedade à cobrança das sacolas pelos supermercados. E esta reação não pode ser medida apenas pelo dinheiro envolvido. As opções apresentadas às sacolas, a ignorância presente e os ouvidos moucos já apareciam na pesquisa anterior do mesmo instituto. Ela mostrava mais de 80% da população desejando receber as sacolas gratuitas. Levantamentos revelam que 74% da população transporta as compras de ônibus ou a pé. Se esse público se recusa a pagar pelas sacolas, como irá levar suas compras? A alternativa apresentada pelo supermercado são as imundas caixas de papelão oferecidas gratuitamente. Entretanto, sabemos que, na realidade, os supermercados querem se livrar de um estorvo: a responsabilidade pelo descarte dessas caixas de papelão. No fundo, porém, causam um grande problema, pois os recicladores que antes retiravam as caixas nos supermercados não têm mais acesso a elas, pois são dadas aos consumidores que terminam por contribuir para um gigantesco dano sanitário e ambiental – o descarte de lixo em caixas de papelão.

PR – Não há outra opção?
Schmitt – Outra alternativa oferecida, porém de elevado custo, são as não menos anti-higiênicas sacolas retornáveis. Estudo da Universidade do Arizona (EUA) mostrou o alto índice de coliformes fecais nas caixas de papelão e coliformes totais, bactérias e fungos nas sacolas retornáveis. A recomendação, não respeitada pelo consumidor, inclusive por desinformação, que elas sejam submetidas à lavagem a cada dois dias, uma prática destoante da realidade de uma cidade como São Paulo, hoje sob crise hídrica importante, além de envolver a captura de água limpa devolvida como água suja, contendo detergentes etc. Na verdade, é muita irresponsabilidade para com o meio ambiente de quem diz se preocupar com sustentabilidade.

PR – Porque os supermercadistas hoje ganham mais com a venda de sacolas, mesmo com a queda no consumo delas, do que sob o sistema anterior de distribuição gratuita o público?
Schmitt – Estimamos esses ganhos em torno de R$ 750 milhões no Brasil todo. Os supermercados estão ganhando mais porque estão cobrando em duplicidade. As sacolas não são gratuitas. Em suma, a distribuição é gratuita, pois esse custo está embutido no preço dos produtos que os consumidores compram, como o custo da energia, água etc. Agora, além desse gasto embutido que continua a existir, só os inocentes acham que os supermercados retiraram tal custo dos preços. Aliás, aquela mesma pesquisa de opinião que mencionei lá atrás revela que o consumidor não sentiu qualquer redução de preço em função dessa “irreal” retirada de custo dos preços. Além do que, os supermercados ainda ampliam seus lucros, pois vendem sacolas retornáveis e mais sacolas de lixo. Em Belo Horizonte, onde esse movimento aconteceu há dois anos mas foi debelado pela revolta dos consumidores, a demanda por sacos de lixo cresceu 35% e o preço deles se ampliou em 400% em pouco tempo durante o anos em que a capital mineira ficou sem as sacolas por causa de lei similar à de São Paulo. Ressalto novamente que essa norma ficou sem efeito pelo trabalho da Abief/Plastivida. Ele ensejou a criação de uma lei estadual que exige sacolas dentro da norma ABNT, à semelhança da lei vigente no Rio Grande do Sul.

PR – Então, a cobrança das sacolas agraciou o caixa dos supermercadistas mediante mais vendas de sacos de lixo?
Schmitt – Pela pulverização do número de fabricantes de sacos de lixo é difícil dizer se houve subida no consumo paulistano desse item. Mas os consumidores relatam salto expressivo no preço do saco de lixo. Correm informações de fabricantes de extrusoras que tiveram aumentadas as vendas de máquinas novas para este produto, o que é inédito. Mas o fato é que nem toda a população pode comprar sacos de lixo. Um estudo encomendado pela Plastivida à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) revela que, com a cobrança das sacolas, uma família paulistana tem em média aumentado em 146% seu orçamento doméstico destinado a comprar sacolas retornáveis e sacos de lixo. O peso específico desse gasto no índice IPC passa a ser de 0,3280%. O peso do feijão no mesmo orçamento é de 0,3933%. Em um orçamento familiar hoje cada vez mais apertado por tantos e tantos impostos, a população tem que decidir entre comprar feijão e comprar sacos de lixo e sacolas retornáveis. Outro absurdo.

PR – Segundo foi divulgado, os supermercados distribuíam anualmente em São Paulo 17 bilhões de unidades de sacolas. Esse número procede?
Schmitt – É um delírio; talvez seja o número atual relativo ao Brasil como um todo. Em 2008, o consumo nacional de sacolas nos supermercados era de cerca de 17,9 bilhões de unidades. A Plastivida, Abief e Instituto Nacional do Plástico (INP) lançaram o Programa de Qualidade e Consumo Responsável de Sacolas Plásticas com a meta de reduzir o número em 30% em cinco anos. Em 2012, o consumo no Brasil foi de 12,1 bilhões, redução de 32,4%. Essa queda é possível quando se tem sacolas fabricadas de acordo com as normas técnicas, mais resistentes. Fora isso, pesa o fato de a população ter sido orientada a não colocar uma sacola dentro da outra, pois a embalagem já suporta o peso estipulado pelo respeito do fornecedor às normas técnicas da produção e desempenho da embalagem. Este é o principio da campanha “Sacolas Bem Utilizada Faz Bem ao Meio Ambiente” que funciona muito a contento no Rio Grande do Sul e conta com apoio irrestrito da Associação Gaúcha de Supermercados. Ao contrário da Apas, ela entende que a venda das sacolas é um processo equivocado.

PR – Qual o risco de o acordo Apas-Procon SP ser replicado em outros Estados e como a Abief pretende minar essa possibilidade?
Schmitt – Existe o risco e por isto estamos trabalhando muito duro. Precisamos de mais apoiadores pois, se nos unirmos, nos fortaleceremos. O grupo de sacolas da Abief, surgiu há cerca de cinco anos de modo espontâneo, a partir de um grupo de industriais que viam ameaças no horizonte de curto prazo, à época em que eu presidia a entidade. A partir daí, a Abief e a Plastivida juntaram forças e, com apoio da Braskem, ampliaram o grupo de trabalho, criando as condições de apoio de marketing, jurídico, imprensa e legislativo. Hoje, o grupo conta com sete empresas, entre elas a de um fabricante de máquinas. Eu as considero heroínas. Foi criado um fundo que já movimentou mais de R$12 milhões neste período. Ele é coordenado pela Abief e Plastivida e deu condições ao trabalho deste grupo, principal responsável pela existência até aqui do segmento de sacolas no setor de flexíveis. Cumpre reiterar que ao menos um grande fabricante de máquinas está conosco e esse tipo de adesão é o mínimo que podemos esperar de fabricantes de insumos de sacolas como masterbatches e tintas. Contribuir para este fundo também significa a sobrevivência de uma parte de seus negócios. Ao longo desse tempo, trabalhamos legislativamente, participamos de audiências públicas e encaminhamos e ganhamos mais de 40 ações diretas de inconstitucionalidade (adin). Por 11 meses, fomos protagonistas do grupo de trabalho de sacolas do Ministério do Meio Ambiente. Sem falsa modéstia, o grupo salvou o segmento de sacolas ao conseguir um relatório final favorável a nós. O trabalho do Grupo de Sacolas da Abief deve servir de modelo para os demais segmentos de artefatos transformados, caso de copos, cadeiras ou utilidades domésticas. A união dos segmentos em torno do objetivo de mostrar as verdades e contrapor mitos será fundamental para a perpetuação de todo o setor transformador. •

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