Petroquímica e transformação: caminhos cruzados

José Ricardo Roriz Coelho, da Abiplast, e André Passos Cordeiro, da Abiquim, confrontam suas visões dos choques recentes e perspectivas imediatas para a indústria plástica
Petroquímica e transformação: caminhos cruzados

Todo ano tem suas particularidades, mas difícil lembrar outro período no qual o setor plástico tenha se defrontado com tantos imprevistos, belicosidades, sustos e incertezas complicando como nunca o planejamento de sua atuação. Nessa hora, nota John Richardson, blogueiro do site da consultoria Icis, “melhor ficar em cima do muro que optar  por ficar concentrado num único lado, sem cenários alternativos à mão para reagir quando os eventos projetados não correspondem às expectativas”. Essa sarabanda de nervos em riste instaurada em escala mundial pelo presidente Trump e a cadeia plástica do Brasil, na qual petroquímica e transformação de artefatos são elos irremovíveis, reavalia a trajetória também agitada do mercado em 2024 e, na trilha dos demais setores produtivos, procura decifrar na conjuntura instável os sinais para melhor entender para onde os ventos tendem a soprar. É este o clima que transparece da entrevista a seguir de José Ricardo Roriz Coelho, presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e André Passos Cordeiro, presidente- executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).     

Em 2024, o governo elevou para 20% as alíquotas de importação de resinas. O ano fechou com a entrada de mais de 1 milhão de toneladas acima do saldo de 2023. Por que essa medida para refrear essas Importações não funcionou?

José Ricardo Roriz Coelho: retaliações do governo Trump podem prejudicar posturas protecionistas do Brasil.

José Ricardo Roriz Coelho: retaliações do governo Trump podem prejudicar posturas protecionistas do Brasil.

A elevação tarifária ocorreu em outubro passado, apenas dois meses antes de encerrar o ano. Portanto, um tempo curto para que houvesse um reflexo na redução das importações em termos anuais. Consultando as bases mensais de importação podemos perceber uma desaceleração no ritmo de importações após a adoção da medida. Percebemos retração de, em média, 50.000 t/mês nas importações de PE e de 20.000 t/mês nas importações de PP. No caso do PVC, entendemos que as oscilações não foram fortes no volume, pois não há oferta suficiente para atender a demanda e o mercado depende de importações que, por sinal, continuarão sendo feitas – só que mais caras.
Temos também a noção de que, no caso de PE, o impacto dos aumentos tarifários não será muito forte, pois boa parte dessas internações ainda ocorre via Zona Franca de Manaus, que goza de incentivos e benefícios para importação.

André Passos Cordeiro: trajetória ainda extensa para driblar sufoco da indústria química nacional, agravado em 2024 por importações dos EUA e Ásia.

André Passos Cordeiro: trajetória ainda extensa para driblar sufoco da indústria química nacional, agravado em 2024 por importações dos EUA e Ásia.

É fundamental lembrar que o surto de importações de produtos químicos em 2024, em operações praticadas com preços predatórios pelas principais origens dessas mercadorias, foi exatamente o que motivou a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) a tomar a correta decisão de aplicar elevações transitórias da TEC para 30 NCMs (código de nomenclatura comum do Mercosul) de produtos químicos, entre os quais as resinas termoplásticas.
É nítido e indiscutível o impacto positivo da medida, tendo em vista que, de outubro de 2024 em diante, ou seja, no período em que estão vigentes os seus efeitos, foi registrada uma importante retomada do potencial produtivo setorial no Brasil, com uma alta de 6,35% na produção física doméstica no último bimestre do ano.

Qual o sentido de, através da alíquota aumentada, encarecer importações de várias resinas de produção nacional insuficiente, como PVC, PEBD, determinados grades de PEBDL e PS (efeito da crise financeira da Unigel)? O aumento da alíquota foi válido mesmo a custo de contribuir para a inflação, influindo para elevar os preços de produtos finais?

Roriz: Desde o início desse processo a Abiplast se posicionou contra essas elevações tarifárias, considerando os impactos gerados no aumento de custo para toda a indústria. Em 2012, quando ocorreu também uma subida tarifária, tal medida não foi renovada na ocasião exatamente por conta de reflexos nos preços domésticos.
Cordeiro: A narrativa de que a produção nacional seria insuficiente, enquanto o setor registrou uma ociosidade média de 36%, em 2024, e de que as elevações tarifárias, em grande maioria de 10,8% ou 12,6% para no máximo 20% teriam representado um forte aumento nos custos das indústrias nacionais de embalagens e de produtos finais, sobretudo de alimentos e de bebidas, simplesmente não se sustenta! Especificamente no acumulado dos meses de novembro e de dezembro de 2024, no período imediatamente após a correta decisão da CAMEX de aplicar as elevações tarifárias para produtos químicos, de acordo com o IGP-ABIQUIM/FIPE, os preços nacionais das resinas termoplásticas caíram 5,1% (2,23% em novembro e 2,95% em dezembro), ao passo que o Índice de Preços ao Consumidor (IPP) de produtos plásticos mostrou um aumento de 0,4% em igual período, o que demostra que o comportamento dos transformados plásticos claramente reflete uma opção daquele setor e não uma pressão de preços do mercado de resinas.

A Abiquim pediu em 2024 abertura de investigação antidumping para PE dos EUA, o maior fornecedor internacional dessa resina para o Brasil em 2024. Como avalia as possibilidades de este antidumping se concretizar sob risco anunciado de réplica norte-americana, pela política de reciprocidade comercial instituída pelo presidente Trump?

Roriz: A Abiplast está trabalhando para demonstrar os absurdos dessas medidas, pois, além da elevação tarifária, temos antidumpings que vigoram há praticamente 30 anos, em revisão e agora contra os EUA. A dinâmica da política comercial global vem mudando com as ações do governo Trump e pode ser que os EUA comecem a enxergar o Brasil como um mercado fechado e, em se fechando cada vez mais, torne-se passível de retaliações com aumentos de alíquota, como os norte-americanos vêm fazendo com México, Canadá e China. Entendemos que pode ser que haja alguma revisão na estratégia de condução dessas políticas por parte do Brasil, considerando seus interesses comerciais com EUA.
Cordeiro: As investigações de defesa comercial no Brasil são conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), uma das autoridades mais respeitadas em todo o mundo. Elas seguem um rito processual rigoroso, técnico e isento de pressões externas, com foco na apuração de margens de dumping, dano à indústria doméstica e de nexo de causalidade entre ambos, independentemente do país de origem. Havendo a apuração desses parâmetros técnicos, o colegiado da CAMEX tem plenas condições de implementar as medidas necessárias para corrigir os efeitos de quaisquer operações desleais, em benefício do interesse nacional.

A Argentina vem alargando sua abertura comercial e Millei divulga intenção de o país sair do Mercosul em prol de um acordo comercial bilateral com os EUA. Quais as possíveis consequências e riscos para a petroquímica e transformação de plásticos do Brasil causadas por um eventual afastamento da Argentina do bloco do Mercosul?

Roriz: A Argentina é o nosso principal mercado de exportação de produtos transformados plásticos e já está em um movimento contrário do Brasil reduzindo barreiras tarifárias. Isto pode afetar tanto nossas exportações para Argentina, quanto incentivar que empresas transformadoras migrem investimentos para lá no médio e longo prazo. Vale lembrar que a Argentina também tem enormes reservas de gás natural em Vaca Muerta e elas podem se converter também em grandes vantagens competitivas para a indústria argentina, se exploradas de forma estratégica.
Cordeiro: O Mercosul é um dos pilares da integração comercial externa do Brasil e a diplomacia brasileira sempre foi muito habilidosa em gerar consensos regionais sobre o melhor para todos os membros do bloco. Existem várias formas de aproximação bilateral, não apenas acordos comerciais. Cooperação regulatória, eliminação de barreiras técnicas e mútuo reconhecimento de padrões aduaneiros são temas que estão nas pautas bilaterais do Brasil, da Argentina e muitos outros países com os EUA. Sobre o engajamento da Argentina aos temas do Mercosul, temos sinais sólidos do interesse do país vizinho pelo fortalecimento do bloco no seu exercício da Presidência Pró-tempore durante o primeiro semestre de 2025. Temos certeza de que a recente conclusão do acordo Mercosul-União Europeia e o avanço de outras frentes e de diálogos comerciais com parceiros estratégicos materializam um Mercosul mais forte.

Diante da persistência do excedente internacional de resinas e do apoio redobrado de Trump à mineração de energia fóssil (com extensão óbvia em eteno e polímeros), como enxerga as condições de competitividade e sobrevivência para petroquímicas não integradas a conglomerados produtores de petróleo e gás natural, caso da Europa e América Latina?

Roriz: O melhor interlocutor para responder a essa questão é a própria indústria petroquímica, mas entendemos que o acesso a matérias-primas competitivas não é só uma necessidade da indústria de transformação de plástico, mas da própria petroquímica. Ao invés de ficar paliativamente aumentando alíquotas de importação e fechando o mercado, o Brasil deve ter um olhar mais estratégico para aumentar a competitividade da indústria petroquímica. Um exemplo dessa discussão seria direcionar o uso do gás e suas aplicações como matéria-prima para indústria e, assim, potencializar a produção de plantas como as do Rio de Janeiro, que já têm base gás, bem como a definição de uma política mais estratégica de independência da importação de nafta em substituição aos insumos produzidos no Brasil.
Cordeiro: A trajetória ainda é extensa para driblar o sufoco que a indústria química nacional vem passando, intensificado, sobretudo, ao longo do ano anterior com as importações predatórias vindas dos EUA e de origens asiáticas e que resultaram em uma preocupante alta de capacidade ociosa. Apesar disso, é importante frisar que o setor químico brasileiro, com vendas externas de US$ 15 bilhões anuais, é o terceiro maior exportador de toda indústria de transformação (manufatura) – antes dele, em primeiro lugar, está o segmento de produtos alimentícios com US$ 66,5 bilhões e, na segunda posição, o de metais básicos com US$ 23,2 bilhões. Entendemos que neste momento de um cenário internacional extremamente adverso, com excesso de capacidade produtiva de produtos químicos no mundo e programas pesados de subsídios nos principais produtores globais de químicos, a participação do governo brasileiro, em seus diferentes níveis e com engajamento e atividades de coordenação, promoção e fomento, será fundamental para viabilizar a transição da química fóssil para a química do carbono, equilibrando essas duas dimensões. Estamos atravessando a porta de entrada para a economia de baixo carbono e a indústria química está pronta para liderar essa transição. A química de baixo carbono está relacionada ao uso de tecnologias que reduzam ou neutralizem a emissão de gases de efeitos estufa. A química renovável, a captura e estocagem de carbono e a reciclagem química são alguns exemplos dessa liderança que pode ser exercida pela indústria química brasileira.

Em 2024, as importações de PVC se aproximaram da marca de 750.000 toneladas, equivalente a perto de 50% da capacidade brasileira da resina. Sem matéria-prima competitiva para sua petroquímica e diante da pressão do excedente internacional do polímero, o Brasil caminha rápido para importar volumes do vinil acima da produção nacional? Neste quadro, qual a lógica para a manutenção, pelo Brasil, de antidumpings para várias origens para um polímero de produção nacional cada vez mais insuficiente para atender a demanda interna ascendente?

Roriz: Nossos acompanhamentos mostram que a importação de PVC em 2024 foi de 691.000 toneladas, um volume bastante expressivo frente a capacidade de produção local que é de 1,1 milhão de toneladas. Mesmo sob impactos de medidas antidumping que vigoram há 30 anos, é fato que os volumes de importação historicamente são expressivos, pois a demanda brasileira por resina de PVC sempre foi bem maior do que a oferta nacional. Temos no horizonte previsto um crescimento forte da demanda por PVC, principalmente se considerarmos os investimentos previstos para melhoria da infraestrutura sanitária no Brasil e não há no horizonte prevista qualquer ampliação de capacidade de produção desse insumo no Brasil. Sem produção, com proteções tarifárias contra importações, qual incentivo a indústria doméstica produtora de bens plásticos para infraestrutura tem para realizar investimentos para atender essa demanda potencial do marco do saneamento?

Cordeiro: A indústria química tem demonstrado com vários recentes anúncios de investimentos que, quando é incentivada, responde rapidamente. O Reiq Investimentos (vertente do Regime Especial da Indústria Química) foi regulamentado no final de 2023 e vimos ao longo de 2024 investimentos acontecerem de fato, tal como devem continuar a ocorrer este ano. Então, este é o sinal que a indústria química quer dar publicamente. Com a política pública correta, com os incentivos corretos, com a defesa comercial adequada, conseguimos dar resposta para a sociedade sob a forma de investimento, sob a forma de emprego, sob a forma de renda. Além disso, o movimento agrega novos tributos.
A indústria química ocupa a primeira colocação na lista de contribuintes de tributos federais com R$ 30 bilhões anuais, ou seja, 13,1% do total da indústria nacional. Também participa da base de diversas cadeias produtivas, contemplando o cidadão brasileiro com a geração de mais postos de trabalho e favorecendo a economia nacional.
Além dos investimentos já anunciados, outros projetos estão em análise e devem aportar mais R$ 260 milhões ao setor ainda neste semestre. Com isso, os investimentos da indústria química via Reiq deverão ultrapassar a casa de R$ 1 bilhão.
Assim, com medidas sólidas de defesa comercial e de combate ao comércio predatório, com foco na retomada sustentável da capacidade instalada e de estímulos aos investimentos, a indústria química brasileira possui plenas condições de abastecer o mercado interno com produto doméstico, gerando renda e divisas para o Brasil.

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