Andrea Bassetti
Analista de reciclagem de plásticos da consultoria Icis
“A velocidade com que o Brasil precisará aprimorar sua infraestrutura de reciclagem dependerá, principalmente, da quantidade de conteúdo reciclado exigido e do prazo para implementação. A atual superoferta de materiais virgens não deve impedir o progresso para atender aos requisitos legais, pois são obrigatórios e o não cumprimento resultaria em multas. Isso só representaria um desafio significativo se estivéssemos discutindo compromissos voluntários de sustentabilidade, nos quais a disparidade de custos entre materiais virgens e reciclados poderia levar a atrasos ou ajustes.
Caso o Brasil aprove uma legislação que exija o uso de conteúdo reciclado em produtos plásticos, dois desafios principais precisarão ser enfrentados:
Investimento imediato em infraestrutura: Serão necessários investimentos significativos para expandir as instalações de reciclagem existentes e construir novas, a fim de atender à demanda prevista quando a lei entrar em vigor. Hoje em dia, a capacidade de reciclagem do país provavelmente é insuficiente, com foco acentuado na reciclagem de PET.
Desenvolvimento da cadeia de suprimento de resíduos: Se a lei não incluir melhorias na coleta de resíduos municipais, poderá haver escassez de resíduos recicláveis, o que exigirá a busca por resíduos em países vizinhos. O Brasil também poderá aproveitar o setor informal de coleta de resíduos na região e talvez consiga oferecer preços mais competitivos do que países que não possuem regulamentações sobre conteúdo reciclado.
À medida em que a coleta de resíduos e as capacidades de reciclagem melhorarem, o Brasil poderá, inicialmente, recorrer à importação de produtos reciclados acabados (como pellets ou flakes) para suprir a lacuna entre oferta e demanda. No entanto, esta não é uma solução sustentável a longo prazo, devido aos custos relativamente altos de transporte”.
Fernando Morais
Diretor Comercial e Industrial da transformadora Packseven
“O cenário de superoferta global de resina virgem se torna menos relevante diante de uma legislação que obrigue o uso de resina reciclada na composição de produtos plásticos. Muitos transformadores precisarão investir o quanto antes na verticalização da reciclagem para garantir total ou parcialmente suas necessidades de material reciclado. Contudo, identificamos alguns dos chamados efeitos colaterais dessa perspectiva:
Escassez de recicláveis: Se a legislação determinar um percentual de 30% até 2030, é provável que esse requisito não possa ser atendido, devido à possível falta de disponibilidade suficiente de material reciclado.
Custo do produto final: Além das aparas geradas internamente, as empresas precisarão adquirir reciclados de fontes externas, pois é improvável que qualquer uma delas atinja o percentual aprovado (entre 25% e 30%). A obrigatoriedade do uso de plástico reciclado pós-consumo (PCR) resultará em aumento imediato de custos para toda a cadeia produtiva.
Impacto na performance: O uso de materiais reciclados compromete a eficiência das tecnologias atuais em máquinas e resinas. Por exemplo, no caso de filmes stretch, haverá um aumento na espessura e, consequentemente, no volume de plástico utilizado.
Aproveito a ocasião para enfatizar que, independentemente de uma legislação, o grupo Packseven, minha empresa, já opera comprometido com a economia circular promovendo a reciclagem de suas aparas. Também temos parceiros que nos fornecem PCR, e introduzimos recentemente filmes shrink e stretch biodegradáveis, todos munidos de certificações nacionais e internacionais”.
Bruno Frederico
CEO da Fuplastic – indústria de soluções inteligentes e sustentáveis para construção
“É bastante provável que ocorra a corrida de investimentos mencionada na pergunta. A imposição legal de teores mínimos de reciclado cria uma demanda forçada e previsível para plásticos reciclados. Isso incentiva empresas a investir em infraestrutura de reciclagem e tecnologias para atender a essas novas exigências. À medida que o mercado para plásticos reciclados cresça, devido às novas regulamentações, as economias de escala podem tornar a reciclagem mais eficiente e competitiva em relação à resina virgem. Aumentar o volume de plástico reciclado pode reduzir os custos unitários de processamento.
O aumento da demanda por reciclado também pode estimular a inovação na tecnologia de reciclagem, levando a processos mais eficientes e menos dispendiosos. Isso pode ajudar a melhorar a qualidade e a competitividade dos reciclados no mercado. Além disso, o governo pode oferecer incentivos financeiros, subsídios ou vantagens fiscais para estimular investimentos em tecnologia de reciclagem e na construção de instalações de processamento de plástico recuperado.
Junto a isso tudo, a crescente conscientização sobre os impactos ambientais dos plásticos virgens e a pressão de consumidores por práticas mais sustentáveis podem acelerar a transição para soluções de reciclagem.
Vale observar que a superoferta de resina virgem pode não ser uma condição permanente. O mercado pode se ajustar com o tempo e o aumento da procura por reciclados pode ajudar a equilibrar as dinâmicas de oferta e demanda. Então, embora o cenário atual de preços baixos para resina virgem possa parecer uma barreira, a criação de um mercado regulado para plásticos reciclados tende a criar condições favoráveis para investimentos em reciclagem e desenvolver uma indústria mais sustentável a longo prazo”.
Wilson Cataldi
Sócio e Diretor da distribuidora Piramidal
“A aprovação de uma lei como esta proposta na pergunta deverá ter um escalonamento com a obrigatoriedade do uso do reciclado. Ou seja, deve iniciar por percentuais de uso que a indústria possa garantir o fornecimento e, gradativamente, ir aumentando estes teores de plástico recuperado. Para esta partida, o investimento já está realizado e, no momento, demonstra alguma ociosidade.
Quanto aos preços dos reciclados, a conta só vai fechar se o foco for no meio ambiente e circularidade, pagando-se por isso mais por um reciclado do que pela resina virgem. Se o foco for estritamente no preço, a conta não vai fechar”.
Simone de Faria
Diretora da consultoria Townsend Solutions responsável pela América Latina
“No Brasil, a questão de investimentos, passa por financiamento a juros baixos ou compatíveis com o retorno do investimento. Não adianta ter demanda e não criar condições para as empresas investirem. Temos várias petroquímicas grandes no mundo criando materiais com conteúdo reciclado já incorporados. Se não houver condições para que as empresas recicladoras invistam internamente, em maquinário competitivo e que produza um material de qualidade para atender às exigências legais, a solução será importar. Outro ponto a considerar antes de se realizar um investimento é se haverá matéria-prima disponível para alimentar a produção. O Brasil é um país enorme, com logística cara e que muitas vezes inviabiliza o retorno da sucata para reciclagem. Antes de cogitar exigir conteúdo reciclado, os legisladores deveriam pensar em criar condições para que o material descartado volte para o ciclo produtivo. Vale lembrar que, dos plásticos de uso único, mais de 70% são flexíveis, de grande volume e baixo peso e que dificultam imensamente a coleta seletiva e a própria reciclagem. É nisso que temos que focar. O resto já está bem equacionado e evoluiu muito bem nos últimos anos”.
Paulo Francisco da Silva
Presidente da consultoria especializada em reciclagem e beneficiamento de materiais Agora Vai Brasil
“Esta é uma pergunta difícil de responder, devido às diversas facetas que interagem na composição dos custos do reciclado. Os preços são compostos na reciclagem pela lei de oferta e procura. Hoje, em tempos de excedente mundial de PE e PP e com as plantas novas entrando em produção nos mais variados mercados, os preços das resinas poliolefínicas estão muito baixos e isso pressiona por demais os preços finais dos reciclados no Brasil – inclusive porque, com o governo federal repassando tantas e tantas benesses às camadas mais carentes da população (e que fique bem claro que não sou contra a ajuda, apenas esperava que se exigiria alguma contrapartida dos beneficiados), sentiu-se um desestímulo entre catadores e cooperativas, com isso ‘sobrecarregando’ os sucateiros tradicionais em termos de demanda.
Como era de se esperar, a sucata anda meio sumida do mercado, não está com boa qualidade e seu preço chega a um nível que por vezes, não fecha a conta do custo quando posta para venda. Já há algumas empresas que retornaram ao uso de virgem ou off grade em substituição ao uso de reciclado, por conta do acima exposto.
O que se percebeu nos últimos três anos foi uma forte tendência à verticalização de alguns grandes geradores de sucata que ingressaram na recolha e reutilização de suas aparas em unidades próprias.
No momento, temos o preço do reciclado ainda muito próximo do material virgem. Essa situação tende a vigorar até que todos os players envolvidos consigam se realinhar às novas necessidades e os preços sigam esse caminho (com certeza um processo mais demorado).
Esta descrição é uma foto da atualidade. Porém, ela está tão volátil em termos de mundo que, quando esta entrevista estiver postada, poderemos ter um cenário diferente do exposto acima. Isso pode acontecer por fatores a exemplo da queda de oferta de resinas virgens causada pelos jogos de guerra em andamento, por paradas não programadas de plantas ou até pela subida dos preços por conta das altas de fretes marítimos que vêm sendo registradas semanalmente.
Eu me atrevo a dizer que está chegando o dia de reutilizarmos, com aditivos específicos, os resíduos de fundos de tanque de lavagem de sucata.
Novos tempos, com novos desafios logo à frente, nos aguardam como profissionais da área e creio que temos pessoal bem capacitado para enfrentá-los. Precisamos estar com a mente aberta para isso e que mais novidades sejam criadas para a reciclagem evoluir”.
Felipe Ávila
Gerente Industrial da Raízes Indústria e Comércio de Embalagens e Serviços/Grupo Vibrapack
“Acredito que haverá uma revolução no mercado de embalagens em duas grandes áreas que acho importante descrever aqui. A primeira seria na própria área de reciclagem, para se adequar a um novo mercado em que todos os players deverão fazer uso de plástico reciclado pós-consumo (PCR). Diante disso, o setor deverá pensar em aumentar sua capacidade de processamento de maneira exponencial para atender todo o mercado brasileiro. Hoje, tanto a disponibilidade mês a mês do reciclado quanto a qualidade dele ainda são desafios tremendos para a indústria.
Não prever essa adequação antes de decretar uma nova legislação obrigando o transformador a usar PCR, poderia gerar algumas falhas graves na cadeia de suprimentos. A segunda área que mencionei no início da resposta seria, por consequência, a própria indústria de transformação. E nesse caso gostaria de enfatizar que acredito que a corrida deverá ser de investimentos em tecnologia para absorver as características do uso de reciclado em toda a produção. O grupo Vibrapack, minha companhia, avalia que este é um caminho sem volta e ações estão sendo tomadas, prevendo justamente a legislação para o uso obrigatório do PCR, a exemplo da aquisição de tecnologia coex-3, de perfis de rosca de extrusão para trabalhar com PCR (PCR ‘agride’ muito mais o conjunto de extrusão e isso geraria um investimento alto em manutenção caso se mantenha as roscas de perfis convencionais) e de equipamentos de controle de qualidade em processo, para avaliar também possíveis contaminações por PCR. Estes são alguns dos nossos investimentos nos últimos anos prevendo essa ‘virada de chave’”.
Frederico Fernandes
Especialista em petroquímica da consultoria Argus
“Mesmo com a atual superoferta de resina virgem, a aprovação no Brasil de uma lei que exija o uso de teores de reciclado em produtos plásticos deveria estimular investimentos na reciclagem. Empresas seriam obrigadas a cumprir a nova legislação, o que pode levar a um aumento na demanda por materiais reciclados, independentemente dos preços da resina virgem. Além disso, muitas empresas estão cada vez mais comprometidas com práticas sustentáveis e podem ver a nova lei como uma oportunidade para melhorar sua imagem e atender às expectativas dos consumidores e investidores.
A lei poderia vir acompanhada de incentivos fiscais ou subsídios para empresas que investirem em reciclagem, tornando o investimento mais atraente. A promoção de uma economia circular, na qual os materiais são continuamente reutilizados, pode criar um mercado mais robusto e estável para plásticos reciclados, reduzindo a dependência de resinas virgens. Apesar da pressão dos preços baixos delas, a combinação desses fatores pode criar um ambiente favorável para investimentos na reciclagem. Entretanto, participantes do mercado brasileiro de resinas plásticas são, em sua maioria, enfáticos em afirmar que trata-se sobretudo de uma questão econômica. Se a conta não fechar, o mercado preferirá, se puder, continuar utilizando resinas virgens por seu custo mais baixo e qualidade comprovada”.
Patrick Gulli
Diretor Comercial para a América do Sul da transformadora Alpla
“A aprovação de uma lei no Brasil que determine o uso obrigatório de teores de reciclado (PP e PE) em produtos plásticos transformados não apenas faz todo o sentido, como já é uma realidade em regiões como a Europa. Esse tipo de regulação tem mostrado resultados positivos lá fora e, com o Brasil seguindo essa tendência, vemos um movimento importante de adequação do mercado.
No Brasil, os recicladores estão se preparando para atender a essa demanda futura, investindo em capacidade e tecnologia. O desafio será integrar o material reciclado de forma competitiva, especialmente considerando o contexto atual de superoferta de resina virgem a preços mais baixos. Isso vai exigir uma adaptação tanto dos recicladores quanto das empresas que utilizam esses materiais. O sobrecusto gerado pelo uso obrigatório de plástico reciclado pós-consumo será inevitável, mas é uma questão de tempo até que o mercado se ajuste e incorpore esses novos parâmetros de sustentabilidade na precificação.
Empresas que estiverem à frente nessa transição, enxergando o valor agregado em termos de responsabilidade ambiental, certamente colherão benefícios a longo prazo. Não se trata apenas de seguir uma regulação, mas de perceber o potencial transformador que essa mudança traz para o futuro do setor e do planeta”.