Elisangela Melo
CEO da consultoria estratégica comercial Sales for Life
No contexto atual do mercado de matérias-primas e insumos para a indústria de plásticos, observamos uma dinâmica complexa e influenciada por fatores geopolíticos e econômicos globais, em particular o agravamento do conflito no Oriente Médio. Este cenário tem suscitado preocupações entre os transformadores no Brasil, temendo ajustes nos preços devido ao impacto do câmbio. A questão central é se, preocupados com possíveis reajustes, eles optarão por formar estoques preventivos de PP e PE e quais seriam as consequências desse desarranjo no suprimento para o desempenho dos distribuidores da Braskem e dos fornecedores de resinas importadas.
Contrariamente ao que poderia ser esperado num cenário de incerteza, não se observa uma tendência dos transformadores em aumentar seus estoques por medo de escassez de produtos. O cenário de abastecimento global não indica falta de suprimentos. O que temos visto é um aumento nos preços das matérias-primas provenientes da Ásia, impactado pelo encarecimento do frete. Nos EUA, a situação segue relativamente estável, com boa disponibilidade de produto e um abastecimento regular, com previsão de queda nos preços programada para meados de junho. Portanto, ainda em maio, os preços tendem a permanecer estáveis e espera-se que comecem a cair em junho, indicando assim não haver expectativa de desabastecimento no mercado internacional de PP e PE.
No mercado brasileiro, a especulação inicial de que a Braskem poderia reduzir os preços em maio, devido à impossibilidade de novos aumentos após uma temporada de elevações, foi impactada pelo cenário de guerra e aumento do petróleo. No plano específico do Brasil, valorização do dólar (apesar de uma leve retração) sugere que o câmbio médio de abril será maior que nos meses anteriores. Isso decerto levará a uma subida nos preços para quem utilizar a precificação no dólar médio.
A expectativa é de que a Braskem não aumente os preços, mas sim, os mantenha, seguida pelos seus distribuidores. Os revendedores que atuam com importados no mercado interno não seguem a lógica dos distribuidores da Braskem e têm sua precificação também orientada por questões de fluxo de caixa. Assim, se possuem estoque de material com preços menores que os atuais na recompra, podem exercer pressão por necessidade de giro, mesmo com margem menor, o que dificulta a recompra futura e reposição de estoque.
Em resumo, é provável que haja estabilidade por parte da Braskem e seus distribuidores. Mas no compartimento das revendas de importadores, que deveriam acompanhar este cenário, poderemos ver algumas disputas por preços, resultando em quedas em alguns mercados, devido a uma sobreoferta de material e a uma redução da demanda que está abaixo da expectativa. Contudo, isso não se traduz em uma questão de estoque de segurança por parte dos transformadores. Em alguns casos, podemos ver essa reação em indústrias com capacidade de armazenamento e poder de negociação com preços competitivos, mas, novamente, se o preço tende a cair em junho, não faz muito sentido fazer altos estoques neste momento.
Luiz Antônio Nogueira
Presidente da transformadora Poly-Gin Embalagens
Penso que este conflito trata, sim, de uma forte pressão sobre preços, devido a região do Oriente Médio ser a maior produtora mundial de petróleo. Além do mais, a variação cambial será muito afetada. Porém, a formação de estoque de PP e PE esbarra, neste momento, na dificuldade de recursos disponíveis na praça. Os transformadores hoje deparam com um mercado de embalagens muito ofertado, ou seja, de baixa demanda. Fora isso, os juros continuam muito altos, portanto se torna muito difícil para os transformadores poder pensar nesta hipótese de armazenamento preventivo de resinas. Agora, quantos aos preços, acho que deverão subir, principalmente em função da variação cambial, mesmo porque não sabemos a real extensão deste conflito no Oriente Médio. Nesse contexto, a rede de distribuição da Braskem continuará a sofrer, por tudo se resumir ao comportamento da demanda por transformados. Se continuar fraca, o repasse de qualquer aumento de preço recebido na resina fica muito difícil de ser efetuado por nós, transformadores, piorando assim esta fase de baixíssima rentabilidade da cadeia. Trata-se de uma tempestade perfeita para nós porque leva à queda automática nas decisões de investimentos, caso da renovação de maquinário, nos tornando assim cada vez menos competitivos.
Frederico Fernandes
Especialista em petroquímica da consultoria Argus
Em meio ao atual cenário de incertezas, alguns transformadores plásticos no Brasil têm dito que o foco das produtoras de polímeros é sempre o reajuste de preços para cima. “Há pouco tempo, a preocupação era com a pirataria dos houthis no Mar Vermelho e, na próxima semana, outra questão surgirá’, me disse um transformador baseado no sul do Brasil. De acordo com ele, as petroquímicas, cientes de que suas margens de lucro serão afetadas pela atual abundância de materiais existente nos mercados globais de polímeros, estão alimentando essa tensão. A leitura geral é de que a China e o Oriente Médio continuarão a fornecer resinas. Se os preços subirem no Oriente Médio, outras regiões produtoras seguirão esse movimento, impactando todo o mercado. Enquanto os importadores se veem obrigados a aumentar seus estoques, os compradores de resinas nacionais, em sua maioria, não estão seguindo essa tendência. No entanto, conforme assinalou o transformador, o setor mais afetado é a distribuição de resinas nacionais, que precisa tomar decisões arriscadas sem garantia de retorno em um mercado volátil.
Wilson Cataldi
Sócio executivo da distribuidora Piramidal
Dou esse depoimento um dia (17/4) após o ataque de revide de Israel ao Irã. Na situação atual, considero a hipótese levantada pela pergunta, sobre formação de estoques preventivos pelo transformador, altamente improvável. Para começar, o Irã é um produtor de petróleo de menor porte e Israel, por sua vez, não tem qualquer influência sobre preços e mercado petrolífero e petroquímico. Se o conflito escalar e envolver países como a Arábia Saudita, gigante no petróleo e gás, aí a conjuntura obviamente será outra e prefiro não ficar fazendo futurologia. Retomando o quadro da vida real, o Oriente Médio influi pouco em importações brasileiras de PE, dominadas pelos EUA com seu excedente da resina a preços mais em conta, efeitos da superoferta e da rota do gás natural mais barato. No caso de PP, o Oriente Médio pouco participa das nossas importações, lideradas pelo restante da Ásia. No momento, portanto, os preços de PP e PE seguem estáveis, o barril do petróleo não disparou e o único fator perturbador é o câmbio, devido ao impacto político do conflito no mundo e em virtude da política monetária dos EUA, cujos juros valorizam o dólar. Por causa desse cenário, minha empresa, a Piramidal, não trabalha tendo em mente uma alta de preços indutora de compras antecipadas pelos transformadores.
De outro ponto de vista, o fato é que os volumes de PP e PE importados e as vendas da Braskem implicam a constituição de estoques maiores de matéria-prima ofertada aos clientes.Trata-se de uma decorrência de um excedente mundial de poliolefinas, uma situação cíclica ditada pela atuação de novas plantas de competitividade determinada por novas tecnologias, rota do gás e capacidades da ordem de 1.5 milhão de t/a. Acredito que a situação começa a se normalizar em 2025, mediante o fechamento de fábricas menores e antigas, sem condições de obter custos e praticar preços no nível de disputa do mercado atual. Como suas fábricas estão fora desse perfil de atualização e diante da disputa por um mercado interno hoje morno com importações impulsionadas pela superoferta mundial, a Braskem tem rodado com carga menor. Ou seja, ela produz menos e pratica preços de venda de PP e PE que lhe permitam coexistir com a resina do exterior. Se os preços subirem por algum fato novo, como a piora da situação no Oriente Médio, a Braskem tem todas as condições de reajustar sua atuação em alta velocidade.
Fernando Esteves
Diretor de desenvolvimento da transformadora Injequaly
Na realidade já estamos vivendo uma gigantesca insegurança, tanto no abastecimento de resinas commodities quanto na compra de produtos importados, principalmente moldes da China e Europa. Em meio ao caos e à incerteza, a continuidade das nossas operações industriais depende da disponibilidade constante de recursos internacionais – e PP e PE decerto estão entre eles, são materiais fundamentais para uma ampla gama de produtos que atendemos hoje. A guerra no Oriente Médio só agravou um cenário caótico e que já estava critico, desde 2022, com o conflito na Ucrânia.
Após o período pandêmico, julgamos que um investimento em estoque de matéria-prima, apesar de entender que é um custo alto, não é uma alternativa a ser totalmente descartada, pois gera um pouco mais de segurança para trabalhar. Em 2020 tomamos essa iniciativa e não sofremos tanto com as restrições durante as ondas da pandemia. No entanto, não vemos o cenário atual tão grave quanto a conjuntura sob a covid 19, de 2020 a 2022. Por essa razão, o investimento atual em armazenagem preventiva de resina não é tão alto quanto naquela época. Hoje em dia, nosso estoque de segurança não passa de 60 dias.
Simone de Faria
Diretora da consultoria Townsend Solutions responsável pela América Latina
Não fosse um período atual de demanda global enfraquecida e coincidente com o aumento nas capacidades de PE e PP colocando mais resinas no mundo, o impacto da guerra no Oriente Médio decerto seria maior. Nem mesmo o preço do petróleo tem se sustentado em alta e opera em soluços, subindo a cada míssil disparado, mas perdendo força com a oferta abundante e as preocupações com a economia internacional.
Mesmo com essa gangorra no petróleo, os preços de propeno na Ásia vêm se mantendo praticamente inalterados desde o início dos conflitos. Isso se reflete também no valor do PP que, nos últimos sete meses, aumentou menos de US$ 20/t no continente. Já o preço de PE tem seguido um comportamento um pouco diferente, devido à força das ofertas norte-americanas produzidas pela rota do gás de xisto, muito mais competitivas. Com o eteno custando atualmente cerca de US$ 430/t, quase 50% da poliolefina dos EUA vêm sendo exportados e o Brasil é um de seus melhores destinos. Aumentamos em 40% nosso volume de PE importado no primeiro trimestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano passado. Trata-se de um incremento de 49%, se considerarmos o volume médio anual. Mais de 84% desses desembarques originam-se dos EUA e Canadá. Quanto a PP, as importações também tiveram 50% de elevação trimestre contra trimestre e, nesse caso, a maior parte vinda do Oriente Médio (37%), seguida por Ásia (27%) e América do Sul (27%).
Então, respondendo enfim a pergunta, as importações já estão pesando bastante no mercado brasileiro, ganhando market share e pressionando as margens de venda da resina nacional, motivo pelo qual existe um pleito setorial para elevação da tarifa externa comum e que pode puxar o imposto de importação de 12,6% aos 20%, a depender do parecer da Camex. No momento, a preocupação com uma escalada nas hostilidades no Oriente Médio parece estar perdendo relevância, entre os transformadores brasileiros, para questões internas mais imediatas. Por exemplo, o possível aumento nas alíquotas, a alta do dólar e um mercado interno ainda não totalmente aquecido. Em decorrência, os importadores reduziram o apetite pelas compras de poliolefinas nas últimas semanas, esperando para ver o que vai acontecer por aqui.
Ricardo Guerreiro Mason
Diretor da distribuidora Fortymil e da recicladora e componedora Plastimil
Estamos vivendo senão o pico, a proximidade dele, no que se refere ao desbalanço mundial entre oferta e demanda de poliolefinas, em consequência, no mercado brasileiro. Mesmo com toda essa possibilidade de volatilidade internacional, não acredito que a cadeia transformadora local vá se movimentar no sentido de estoques estratégicos em detrimento de um pouco provável desabastecimento externo.
Os mercados mundiais continuam com demanda relativamente baixa, pois as taxas de juros não têm recuado da forma antes imaginada. A expectativa de queda delas não se cumpriu no primeiro semestre, tanto nos EUA como na Europa, sendo postergada para a segunda metade do ano. E tudo isso entra em choque direto com a contínua entrada de novas plantas de resinas, seja na China ou na petroquímica norte-americana atrelada à rota do gás de xisto. Em termos de Brasil, a perspectiva de queda acentuada de juros também está mudando e o consumo continua morno.
A atuação dos países membros do bloco forte da economia mundial para evitar um confronto mais intenso no Oriente Médio tem sido, por enquanto, rápida, constante e assertiva por hora. Esse tipo de interferência minimiza o stress nos índices econômicos globais, a exemplo do preço do petróleo. Por último, o custo de capital ou até mesmo o custo de oportunidade não fazem com que um movimento de estocagem especulativa seja atraente. E a necessidade de fôlego financeiro para se estocar com resina importado é muito representativa.
Resumindo, somando-se todas as visões acima, acho muito pouco provável que o movimento de estocagem preventiva de PE e PP possa acontecer. Mas impossível também não é. Resta para nós torcer pelo surgimento de uma equação de oferta e demanda mais equilibrada no mercado.
Cleber Motta
Diretor comercial da revendedora de materiais importados Place Resinas
A possibilidade de formação de estoques preventivos de PP e polietileno por transformadores no Brasil, em resposta ao risco de agravamento do conflito no Oriente Médio, exige uma análise cuidadosa, devido a várias implicações interconectadas. O Oriente Médio, grande fornecedor de petróleo e derivados petroquímicos, desempenha um papel crucial no fornecimento de matérias-primas para a produção de resinas plásticas como poliolefinas. Uma guerra intensa na região poderia levar a um aumento nos preços internacionais dos dois polímeros. Antecipando elevações de preços, transformadores brasileiros podem optar por acumular estoques para se protegerem contra futuros aumentos de custos. No entanto, a formação de estoques significativos não só requer um capital de giro substancial, mas uma capacidade de armazenamento adequada, o que pode ser mais viável para empresas maiores, potencialmente causando distorções competitivas no mercado.
Se muitos transformadores no Brasil adotarem a estratégia de estocagem de PP e PE em resposta à instabilidade no Oriente Médio, isso poderá aumentar os preços no curto prazo, devido ao crescimento abrupto na procura pelas resinas e assim exacerbando justo o problema de elevação de custos que se pretende evitar. Essa pressão sobre os preços poderia afetar a estabilidade do mercado, criando um ciclo de compras antecipadas que distorce a demanda e a oferta normais.
Por outro lado, a Braskem, como uma das principais fornecedoras dessas resinas no Brasil, poderia inicialmente se beneficiar desse aumento na demanda, o que impulsionaria suas vendas a curto prazo. Contudo, essa situação poderia ser rapidamente revertida, à medida em que os transformadores começassem a utilizar os estoques acumulados, resultando em subsequente baixa na demanda, fator que, por extensão, complicaria a gestão de vendas e estoques da Braskem. Da mesma forma, os fornecedores de resinas importadas enfrentariam desafios semelhantes, com potenciais interrupções no fornecimento devido ao conflito eventualmente acirrado no Oriente Médio, afetando sua performance e podendo levar a rupturas na cadeia de suprimentos. Além disso, o aumento nos preços das resinas devido à estocagem preventiva poderia inflacionar os custos em vários setores industriais, resultando em encarecimento de preços para o consumidor final e impactando a economia em um sentido negativo mais amplo.
Portanto, a formação de estoques preventivos de PP e PE no Brasil, em resposta a um potencial agravamento do conflito no Oriente Médio, apresenta-se como tática defensiva que pode temporariamente resguardar os transformadores contra elevações nos preços. Contudo, esta estratégia traz consigo desafios significativos que podem influir negativamente tanto na estabilidade do mercado quanto a economia em geral. Se a guerra afetar diretamente as rotas e a disponibilidade de resinas do Oriente Médio, seria prudente que as empresas considerassem estratégias alternativas de mitigação de riscos, como a diversificação de fornecedores e rotas de importação. Nesse cenário, é aconselhável que o governo reconsidere temporariamente as barreiras comerciais que limitam a competição externa para PE e PP nacionais, facilitando assim o equilíbrio do mercado enquanto persistirem as dificuldades logísticas. Além disso, diante da possibilidade de aumento dos impostos de importação para essas resinas, seria crucial reavaliar essas políticas para evitar uma escalada incontrolável nos custos de produção.