Os últimos ciclos de expansão mundial da petroquímica não contemplaram PEBD, resina hoje em escassez preocupante inclusive no Brasil. Trata-se de falha de planejamento ou havia justificativas para essa ausência de investimentos e quais as consequências disso?
Carlos Fadigas
CEO da consultoria CF Partners
“Eu acho que a questão da escassez atual de PEBD lembra o ocorrido com PVC nos idos de 2000. Naquele período, PVC começou a perder mercado para outras resinas em diversas aplicações, caso de PEAD, e assim se reduziram então os investimentos em plantas do vinil, estreitando sua gama de usos. Em paralelo, aumentava a oferta e a agressividade de materiais concorrentes com melhores propriedades técnicas e de custos para diversas aplicações antes ocupadas por PVC. Não vejo grandes diferenças no caso de PEBD. Sua produção não foi priorizada nos últimos ciclos de expansão da petroquímica, com clara preferência pelas plantas de PEAD e PEBDL. A propósito, por ocasião do investimento da Braskem no complexo do México, no início dos anos 2010, estudamos o mercado e vimos espaço para PEBD local no mercado interno, usado em combinação com o PEBDL importado da costa do Golfo dos EUA, enquanto os desembarques de PEBD norte-americano não eram tão significativos.
Hoje em dia, ocorre que o descompasso entre oferta e demanda global de PEBD reflete a incapacidade, por ora, de PEBDL suprir a contento o desempenho do PEBD em determinadas aplicações que persistem. Por causa disso, vamos conviver com o PEBD ainda por bom tempo e creio que ainda virão ao mercado plantas pontuais desase polímero para atender à transformação de suas aplicações não atendidas por PEBDL, mesmo que os grades desta resina evoluam na disputa”.
Roberto Marcondes de Mattos
Diretor da Inplac
“É verdade, os últimos ciclos de expansão mundial da petroquímica contemplaram muito pouco os grades de PEBD. O baixo investimento em novas fábricas da poliolefina se deu pelo fato de suas plantas operarem com altítíssima pressão, onerando em demasia o processo, e pelo maior retorno de capital proporcionado pelo investimento em plantas de PEBDL, em especial o tipo metalocênico. Entretanto, não sentimos hoje escassez preocupante de PEBD no mundo e no Brasil, diferindo de determinados momentos alguns anos atrás. Nas últimas décadas. a evolução dos grades lineares, em particular metalocênicos, permitiram sua migração efetiva para diversas aplicações detidas por PEBD, relegando este polímero para o uso em teores reduzidos em blendas com PEBDL”.
Laercio Gonçalves
Presidente do Grupo Activas e da Adirplast
“Descoberto e patenteado na década de 30, PE é a resina mais consumida. Estima-se que 35% da produção mundial de plástico no mundo seja das famílias de PE, seguidas por PP,com participação aproximada de 20% .Em linha com o perfil internacional, o Brasil sempre teve alto consumo de PEBD e PEAD. Por volta de 1970, começou a produção brasileira de PEBDL, tecnologia mais avançada e de produção mais cara que PEBD. Esperava-se que o grade linear tivesse seu consumo incrementado no Brasil , substituindo PEBD, na medida do possível. Dessa forma, investimentos na produção desse polímero foram desde então reduzidos. Para PEBDL avançar com maior ímpeto sobre aplicações cativas de PEBD, a indústria mundial de transformação precisaria investir no aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos em suas operações, o que não aconteceu. No Brasil, em especial, por diversas razões econômicas e políticas, essa substituição de PEBDL por PEBD não ocorreu como esperado e continua lenta. A consequência, como vimos algumas vezes, é uma entrada maior de material importado para melhor nivelar no país o balanço entre sua demanda e oferta”.
Paulo Francisco da Silva
Presidente da consultoria Agora Vai Brasil
“Duas ou três décadas atrás, o mercado mundial recebeu o lançamento de PEBDL. À época o material era considerado uma evolução de PEBD e vinha de encontro a necessidades evidenciadas pelos transformadores havia bom tempo.
O processo de obtenção da resina linear é muito similar ao de PEBD. Este marca pela polimerização sob temperatura e pressão altas, sendo baixas na produção de PEBDL, este é copolimerizado para formar cadeias laterais que impedem a proximidade de cadeias lineares, evitando em decorrência o aumento da densidade do material. Produzido dessa forma, PEBDL confere maior brilho e resistência (inclusive ao rasgo) que PEBD na confecção de fios, folhas e filmes com paredes mais finas. Por ser mais cristalino, tem lugar em produtos com boas necessidades ópticas e dependentes de superfície mais lisa e deslizante. Em algumas aplicações na mira de ambas as resinas, PEBDL leva vantagem, caso de veículo de master, por aceitar concentração maior de pigmento.
Desconheço novos projetos de plantas de PEBD. A tendência mundial é caminhar para sua substituição plena pelo tipo linear, que já beira aliás os 70% do mercado mundial antes abastecidos 100% pelo seu ‘irmão’ mais velho. Os últimos nichos exclusivos de PEBD irão se adequando ao processamento com PEBDL ou ficarão isolados e em oferta estagnada com o passar dos anos. Afinal, pela imutável lei da oferta e procura, os preços já tornam PEBDL mais atraente que o menos disponível PEBD. A única exceção para a qual não vejo alternativa de médio e longo prazo para PEBDL deslocar PEBD são os blancks (chapas moldadas a quente para configurar carpetes automotivos). A característica deslizante, identificada a PEBDL, não é bem-vinda no caso, por desalinhar as pilhas na movimentação para a moldagem”.
Cecilia Kuk
Diretora da Nold Politech
“Há algumas justificativas para não haver investimentos numa petroquímica exclusiva de PEBD. Desde a entrada de PELBD no mercado brasileiro através da extinta Politeno (incorporada à Braskem), muito do consumo antes exclusivo de PEBD migrou para uma blenda com alto percentual ( 70% ou mais ) de PELBD. E uma das razões para a ausência de mais unidades de PEBD foi porque, com esta mudança deflagrada por PEBDL , resolveu-se uma serie de deficiências ocorridas de hábito no envase de produtos como alimentos. Entre as referências, a resina linear proporciona melhor hot tack; dobrou no mínimo a capacidade de produção no envase; – diminuiu a gramatura/espessura das embalagens e as significativas perdas de itens nas gôndolas dos supermercados. Com isso houve uma guinada no consumo de PEBDL, impactando nos investimentos em sua produção nos polos petroquímicos. As preferências por uma unidade de PEBDL em detrimento de um projeto de PEBD são justificadas ainda pelo aporte de recursos menor na construção das fábrica e maior controle de segurança (reator de PEBD opera com altíssimas pressão e temperatura). Hoje em dia, as petroquímicas globais estão mais focadas em produtos de maior giro e pouco em especialidades.
E PEBD tem se tornado cada vez mais uma especialidade.
Aqui no Brasil essa troca de resinas transcorreu mais lenta porque o mercado não estava preparado para extrusar PEBDL em teores acima de 40% na blenda com PEBD. Mas à medida em que se atualizou o portfólio de extrusoras no mercado nacional, o consumo interno de PEBDL explodiu. Hoje em dia, no mercado de filmes com barreira onde atua minha empresa, a Nold Politech, a necessidade aponta para o consumo maior de PEBDL, de modo que a escassez de PEBD não é sentida como em campos específicos cativos desta resina, como shrink.
Domênico Macchia Junior
Diretor de novos negócios e desenvolvimento de novos mercados da Videplast
Precisamos analisar a questão como se estivéssemos sentados na cadeira do investidor. No plano macro, vamos considerar este quadro projetado pela minha empresa: do total de plásticos consumidos no mundo em embalagens flexíveis, PEBDL pega 44%; PEBD, 24%; PEAD, 14% e PP, 18%. Tocando em frente, vamos conjugar os seguintes fatores: o custo de investimento em reatores para produção de PEBD x PEBDL; capacidades nominais e plantas swing que abrem a possibilidade de produzir outros grades de PE, tipos média e alta densidade, lineares metalocênicos etc. Em suma, os empreendimentos em PEBD e PEBDL apresentam valores próximos. Mas as plantas swing, tipo PEBDL/PEAD, levam a vantagem de contar com capacidades superiores ao padrão de PEBD. Algumas delas em atividade operam com potencial para 650.000 t/a num único reator. Pois mesmo assim foram realizados em passado não tão distante investimentos em mais plantas de PEBD ao redor do mundo, para melhorar o balanço entre oferta e demanda, mas não na mesma velocidade e capacidades observadas em plantas da resina linear. A título de referência, apenas entre 2017 e 2024 nos EUA, um levantamento da petroquímica Nova Chemicals aferiu a implantação de 15 fábricas de PE, das quais apenas duas de PEAD e as demais swing ou 100% de PEBDL.
Outro ponto muito importante a levar em conta: as extrusoras e coextrusoras foram aprimoradas com muita rapidez, facilitando assim a utilização de PEBD com boa performance, e capacidade produtiva e melhoria das propriedades ópticas conferidas aos novos grades. O que permite reduzir o teor de PEBD em blendas para se conseguir o brilho requerido pelo mercado, assim como obter resinas com predomínio do linear de fluidez facilitada ou formulações de shrink mais ricas em linear e alta densidade. Muitas aplicações migram de formulações ricas em PEBD para outras ricas em PEBDL, devido a novos grades, tecnologias de catalizadores, equipamentos de extrusão etc. Já aplicações com extrusion coating, ainda são mais dependentes de PEBD baixa, porém considerando o processo coextrusions coating, o teor de PEBD também pode ser reduzido, para esta aplicação.
O investimento levantado na pergunta deve, portanto, ser analisado por região e com base no balanço para cada tipo de resina. Para locais de grande desnível entre oferta e demanda, o investimento num reator de PEBD, devido ao valor futuro de comercialização, pode se justificar mais do que num de PEBDL, mesmo considerando os dados mencionados acima. Ao final das contas, o que interessa é o retorno futuro do investimento.
Chegando aos finalmentes, o que interessa para uma petroquímica é o payback futuro do investimento, ou então, show me the money in short time. Veja o caso da Braskem no México (complexo Braskem-Idesa, ativado em 2016) onde, além de uma planta de PEAD, investiu numa fábrica de PEBD, motivada pelo déficit do país o e o restante da América Central nessa resina de oferta norte-americana restrita”.
Gisele Barbin
Gerente comercial do Grupo Extrusa
“Procede a informação de escassez de PEBD no mercado nacional e internacional. Mas essa insuficiência resultou do ajuste para a demanda, pois a alternativa de PEBDL tem melhor performance que PEBD na produção e solda, garante maior soldabilidade, passando a ser utilizado preferencialmente nas fábricas de embalagens flexíveis. Aqui no Grupo Extrusa, dedicado a sacolas, sacos como os de lixo, bobinas como as picotadas, stretch e plástico bolha, nós compramos muito mais PEBDL que PEBD. Com a produção mundial da petroquímica para atender a necessidade do mercado, os investimentos foram mobilizados por PEBDL, implicando ganhos de escala e, em decorrência, custo inferior ao hoje escasso PEBD. A incipiência de novas plantas de PEBD, atualizadas em tecnologia e capacidade, é um fato e daí porque, nessa conjuntura, o mercado mundial ainda mostra petroquímicas que, em polietilenos, produzem apenas PEBD, como a israelense Carmel”.
Zolder Stekhardt
Gerente de produto/polietileno da Braskem
“A despeito do investimento mais elevado, em relação as outras famílias de PE, a expansão dos ativos para produção mundial de PEBD vem ocorrendo a taxas equiparáveis ao crescimento da demanda. Ou seja, a taxa de operação para os próximos anos para PEBD deve se manter em patamares semelhantes aos de anos anteriores. É reconhecido que o crescimento da demanda de PEBD desacelerou, principalmente em função da substituição pelas demais famílias de PE. Há que se observar que desbalanceamentos entre oferta e demanda podem ocorrer pontualmente pelos mais diversos motivos. Mas não existe, do ponto de vista estrutural e globalmente, escassez de PEBD que se justifique pela ausência de investimentos”.