Após comemorar o mais baladado réveillon do país, um público calculado em dois milhões de pessoas, de todas as classes sociais, deixou nas praias cariocas 694 toneladas de lixo, cuja coleta requisitou mais de 3.000 garis. No restante da orla nacional, esse lixão da virada também deu as caras e em seu conteúdo bateram ponto as garrafas de PET, copos descartáveis e sacos e sacolas.
Na reportagem de capa da edição de 20 de janeiro, a revista Exame insere entre as tendências em produtos vigentes no Brasil este ano um mimo em forma de nota intitulada “O Novo Consumo Racional”, cujo trecho inicial merece transcrição aqui. “O consumidor está mais consciente de que suas ações têm um impacto no meio ambiente. E, quando pode, procura alternativas para evitar gastos desnecessários. O excesso está dando lugar ao racional. Uma pesquisa recente mostra que nunca foi tão grande o número de pessoas a pagar mais por um produto de uma marca sustentável – 72% dos brasileiros entrevistados pela consultoria Nielsen estão neste grupo, o maior nível em três anos”.
Há pelo menos duas frentes de interpretação dessa nota. Ou fomos anexados sem saber à Suécia ou, como alertava o falecido Roberto Campos, estatística é igual biquíni: mostra tudo, menos o essencial. Acontece, porém, que o mundaréu de lixo pós-réveillon é um fato e, pior, é tradicional . Diz mais sobre a realidade da nossa conscientização ambiental do que as odes ao consumo racional. A vida como ela é, aliás, escancara uma mentalidade tão xucra em relação à sustentabilidade que enaltecer plástico verde, energia renovável, reciclagem, ciclos de vida, polímeros biodegradáveis ou banimento de metais pesados equivale a jogar pérolas aos – literalmente – porcos. Sai fora do radar da compreensão geral.
O xis da questão está em duas sequelas de políticas públicas ineficientes, vaticina o jurista Marcelo Buzaglo, verbete vivo do Direito Ambiental brasileiro. “Uma delas é a falta de política de educação ambiental efetiva e adequada em todos os níveis de ensino”, ele aponta. “O outro problema é a ausência de política fiscalizatória eficaz”. No mundo desenvolvido, provido de educação ambiental e punições severas, ninguém atira resíduo da janela do carro, exemplifica o advogado. No Brasil, contrapõe, apesar da ampla informação disponível sobre os danos do descarte largado ao relento, deu o que continua dando. Embora a educação ambiental tenha logrado algum progresso, reconhece Buzaglo, ainda está longe de um saldo a contento por aqui. Nesse caso, ele julga, a única forma de ter resultados efetivos a curto prazo passa pelo bolso. “Se alguém que joga na praia uma garrafa de cerveja ou palito de picolé for abordado e multado em valor expressivo, da próxima vez vai procurar a lixeira ou levar o resíduo consigo e assim farão todos que presenciarem essa cena. É assim que se cria uma nova cultura enquanto a educação ambiental não deslancha”.
No plano geral, a mídia também tem culpa no cartório por concentrar a culpa da poluição no refugo (o plástico que o diga), preferindo não enfiar o dedo direto na cara do causador do descarte incorreto, a população. “É sempre mais fácil responsabilizar o poder público (que tem sua parcela de culpa) do que a sociedade”, pondera o jurista. Embora seja praxe no Brasil responsabilizar o Estado por todos os males que nos afetam, o que procede em searas como o mau uso do dinheiro público, Buzaglo não vê o mesmo ocorrer no caso da preservação ambiental. “Todos falam no artigo 225 da Constituição Federal, mas poucos se deram ao trabalho de ler a íntegra do dispositivo. Ele impõe não só ao poder público, mas à coletividade, o dever de defender e preservar o meio ambiente. Em outras palavras, é obrigação de nós agir de maneira ambientalmente sustentável”, ele reitera.
Enquanto isso, aqui em Estocolmo…