Como prova de seu empenho em embarcar na economia circular, a holandesa Unilever, colosso em produtos de rápido consumo, articulou o lançamento em diversos países de frascos cinza de sabão líquido soprado com polietileno (PE) reciclado, advindo do descarte incorreto em praias. A estreia aconteceu no Reino Unido e arribou em julho último no Brasil, nas vestes da embalagem de 3 litros de Omo Multiação, produzida com refugo plástico coletado na orla do Rio e Pernambuco. Para o restauro da resina para brilhar no segundo uso, a Unilever laçou a brasileira Wise, empresa que não faz por menos na meta postada em seu site: “ser referência na reciclagem de plásticos com alto valor agregado”. Este foco, aliás, também levou a Braskem a escalar a indústria sediada em Itatiba, interior paulista, para recuperar PE pós-consumo em condições de dar forma à embalagem do tira-manchas Qualitá, marca do Grupo Pão de Açúcar. Nesta entrevista, Bruno Igel e Amarildo Bazan, respectivamente CEO e diretor executivo da Wise, detalham a experiência com a Unilever e a busca de sua empresa por descolar-se da vala comum em seu ramo pela atualização tecnológica.
1 Qual é a capacidade instalada de reciclagem da Wise e como a nova linha importada de lavagem e secagem deve influir no processo?
A capacidade é de 25.000 t/mês de reciclagem de aparas industriais e plásticos pós-consumo e contamos com sete extrusoras. A nova máquina evidencia um movimento de verticalização. Em lugar de comprar material já lavado, integramos o processo dentro da planta, conferindo assim muito mais qualidade e constância ao produto acabado. Com isto, inauguramos mais uma rota de abastecimento, utilizando material diretamente originário do resíduo sólido urbano. Os investimentos nos últimos anos, inclusa esta linha alemã de moagem e secagem, contemplam a Wise com materiais mais estáveis, com especificações técnicas mais restritas, maior índice de rastreabilidade e garantia de não migração. Isso significa que conseguimos atingir muito mais segmentos que demandam resinas com propriedades muito próximas do polímero virgem e com certificação de origem da matéria-prima, rastreabilidade, idoneidade trabalhista e ambiental. Estamos, enfim, vendendo um material aliado a um conceito de transparência e boas práticas. Isso inclui, além dos reciclados para frascos e tampas de uso fora da seara alimentícia, materiais para segmentos novos para a empresa, como bens de consumo, automotivo, mobiliário, eletroeletrônicos e eletrodomésticos. A linha de moagem e lavagem deve ser ocupada de todo em até 12 meses.
2 Como a Wise participou do lançamento, pela Unilever, da série de 18.000 frascos de 3 litros de Omo Multiação,à base de refugo plástico coletado em praias do Brasil?
A Wise é a única indústria recicladora selecionada para este projeto iniciado há cerca de dois anos como um desafio colocado pela Unilever apara adicionar resinas recicladas pós consumo às suas embalagens, uma ideia com o intuito de chamar a atenção da sociedade para as externalidades do descarte incorreto do plástico e de servir como marco para o início da utilização de plástico reciclado pós-consumo pela companhia. A iniciativa da coleta do plástico em praias vingou como parceria da Unilever com o World Wildlife Fund e, a seguir, a Wise empregou cooperativas litorâneas para complementar o volume de plástico necessário. A quantidade é pequena, mas o impacto do passo seguinte, colocar reciclado em todas as embalagens do Omo, é enorme. O frasco de polietileno reciclado de Omo Multiação foi soprado pela Brasalpla. A tampa ainda é de polipropileno virgem, injetada pela Plastek, mas está em curso a intenção de produzí-la com reciclado. A Unilever, aliás, já comparece com duas embalagens sopradas com PE pós-consumo reciclado pela Wise – além do Omo, o frasco do xampu da linha Seda Pretos Luminosos.Já no âmbito das aparas industriais, está nos planos entrarmos com reciclado na injeção de componentes para eletroportáteis.
3 Entre as peças de reciclado produzidas sob a marca Wisewood dormentes sofrem com o crônico descaso pelo modal ferroviário e cruzetas com a expansão sempre minguada das linhas de transmissão. Como a Wise cogita lidar com a calmaria nesses segmentos?
A infraestrutura brasileira sofre há bom tempo com falta de investimentos não só na expansão, mas até em manutenção. Infelizmente os grupos privados atuantes em ferrovias e transmissão de energia costumam ter pouca visibilidade e grandes doses de incertezas regulatórias e contratuais os impedem de efetuar apostas maiores do que já fazem. Mesmo nessas condições, conseguimos estabelecer um negócio com escala razoável, além de nos prepararmos para um futuro que, se o Brasil quiser crescer, decerto contará com fartos investimentos. •