O vinho desandou

Consumo argentino de resinas reflete o pior momento do governo Macri

Praxe no Brasil dos últimos tempos, as estimativas para o PIB da Argentina assoviadas em janeiro entraram em obsessiva revisão para baixo antes mesmo da virada do semestre. Abriram 2018 com previsão de avanço de 3% sobre o aumento de 1,7% no PIB de 2017 e há analistas antevendo contração da ordem de -1% para o de 2018 e a economia rumo à quinta recessão em 10 anos. Compõem a nitroglicerina da conjuntura a inflação em torno de 30%, taxa de 45% do juro básico, abrupta desvalorização do peso e a dívida total de US$ 253 bilhões, levando o governo Macri ao guichê do Fundo Monetário Internacional para contrair empréstimo de US$ 50 bilhões concedidos sob compromissos tipo podar US$ 7,1 bilhões dos gastos públicos no próximo ano.

Como plástico é um espelho da economia, o vai da valsa atual não prenuncia, para 2019, um mercado argentino de resinas mais sarado que o assim assim de 2017. Pelo levantamento anual da Câmara Argentina da Indústria Plástica (Caip), o consumo per capita do material ficou em 41,9 kg no ano passado, patamar de leve acima dos 39 kg registrados em 2006. Entre termoplásticos commodities, nobres, termofixos e intermediários, a entidade chega ao saldo de 1.631.032 toneladas em 2017, o segundo pior desde 2013, perdendo apenas para o bem próximo consumo aparente de 1.597.963 toneladas em 2016. Na esfera dos termoplásticos, a Argentina passa ao largo da produção de resinas de engenharia, exceção feita ao raquitismo dos números de poliamidas 6 e 6.6. De uma produção orçada em 40.000 toneladas em 2013, os volumes gerados quase zeraram nos últimos anos – 800 toneladas em 2016 e 500 em 2017, atesta a Caip.

O banho-maria na economia permeia os indicadores do desempenho dos termoplásticos commodities (ver quadro abaixo). No plano geral dos polietilenos (PE), analistas situam em 665.000 t/a a capacidade nominal argentina. Em 2017, no cômputo do polímero de baixa densidade (PEBD) somado ao tipo linear (PEBDL), o relatório da Caip constata consumo aparente de 355.590 toneladas, o pior indicador desde 2013. Quanto à resina de alta densidade (PEAD), o consumo aparente de 2017, pincelado em 284.814 toneladas, foi o segundo mais baixo em cinco exercícios. Em contraste, PVC, com capacidade local de 230.000 t/a, teve em 2017 o melhor consumo aparente – 175.084 toneladas – anotado pela Caip a partir de 2013. Em polipropileno (PP), cuja capacidade argentina paira em 310.000 t/a, o consumo aparente foi o segundo melhor em cinco anos. No compartimento de poliestireno (PS), polímero cuja capacidade limita-se a 66.000 t/a no país vizinho, o consumo aparente de 57.648 toneladas em 2017 sinaliza estagnação face aos quatro anos precedentes. Por fim, a CAIP evidencia no consumo aparente de PET em 2017, projetado em 190.119 toneladas, o maior recuo desde 2013. A Argentina dispõe de capacidade para prover 190.000 t/a do poliéster grau garrafa e de 67.525 para o grau têxtil.

No mirante do comércio exterior, o analista argentino Jorge Bühler-Vidal, dirigente da consultoria Polyolefins Consulting, atenta para o fato de as importações argentinas de PEBD/PEBDL no ano passado terem sido as maiores em cinco anos. Conforme esclarece, o saldo decorre da explosão, em 2 de novembro de 2015, ocorrida na planta de 95.000 t/a de PEBD da Dow, paralisada em Bahia Blanca para reparos na maior parte de 2016. “Daí as importações na faixa de 250.000 toneladas computadas pela CAIP no exercício de 2016 e que refluíram para cerca de 218.000 em 2017, volume ainda superior as compras externas de PEBDL e PEBD nos registros de 2013 a 2015”, ele argumenta.

Bühler Vidal deixa claro que a política econômica de Macri na primeira metade do seu mandato, iniciado em 10 de dezembro de 2015, causou escoriações involuntárias no mercado do plástico argentino. “Nos primeiros tempos de sua gestão, Macri adotou uma estratégia de gradualismo, da qual fez parte a revogação de limites para a compra de moeda estrangeira e seu envio e recebimento no exterior”, ele observa. “Com esta liberação, unificaram-se o câmbio oficial e informal, uma medida de simplificação regulatória que a oposição traduziu como desvalorização do peso e foi aproveitada por muitas empresas para aumentar preços, mesmo com base em insumos com pouca ou nenhuma relação com moedas do exterior”. Vidal acrescenta que, para poder reduzir o déficit fiscal e incentivar investimentos no setor de energia, o governo encareceu as tarifas de gás e eletricidade, entre outros serviços, alimentando assim consequentes reajustes nos preços para o consumidor final. “Embora visassem solucionar o desarranjo da economia deixado pela era Kirchner, essas medidas penalizaram o comércio e consumo e, por extensão, afetaram a demanda de plásticos”.

Para cimentar sua visão das perspectivas para o mercado argentino a curto prazo, o consultor se vale de projeções do grupo espanhol Banco Bilbao Viscaya Argentinaria (BBVA). Por esta fonte, o PIB argentino deve fechar o ano com avanço de 0,5% e de 1,5% em 2019. Na mesma linha, o dólar deve ser cotado em 28,9 pesos ao final de 2018 e em 32,9 pesos na virada do período seguinte. Por fim, a inflação argentina caminha para pairar em 29,6 % no exercício atual e em 20,8% no ano que vem. Na interpretação do BBVA, “ao efeito negativo da seca em 2018 se soma o impacto contrário à expansão econômico trazida pela crise cambial e as necessárias políticas – mais restritivas que as anteriores – de ajuste monetário e fiscal”, avalia a pesquisa. “O crescimento menor do Brasil é outro empecilho significativo e, por isso tudo, revisamos para baixo (de 2,6% para 0,5%) a previsão de avanço do PIB para 2018 e 2019”.Vidal retoma o fio condicionando à esperada estabilidade econômica nos dois países à volta de uma tendência ascendente no consumo argentino de resinas, contribuindo para justificar novas capacidades de poliolefinas no país, com vistas ao consumo doméstico e exportações.

Com chancela da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), a aduana nacional registra que, quanto a PEBD, o Brasil exportou para a Argentina 72.801 toneladas em 2016; 69.829 em 2017 e 24.446 no primeiro semestre deste ano. Na mesma progressão no âmbito de PEBDL, foram remetidas 48.563 toneladas em 2016; 48.110 em 2017 e 21.252 de janeiro a junho último. Em PEAD, foram remetidas 62.970 toneladas em 2016; 645.313 em 2017 e 29.539 no semestre passado. No front de PP, o Brasil despachou para a Argentina 52.343 toneladas em 2016; 75.765 em 2017 e 33.590 na metade inicial de 2018. Em relação a PS, as exportações totalizaram 7.231 toneladas em 2016; 4.591 em 2017 e apenas 2.449 no primeiro semestre do exercício atual. Os volumes tíbios estendem-se a PVC: o Brasil mandou ao país vizinho 11.078 toneladas em 2016; 13. 687 em 2017 e 5.138 nos primeiros seis meses deste ano. A mesma discrição transparece na seara de PE: remessas para a Argentina de 4.802 toneladas em 2016; 5.346 em 2017 e meras 1.938 no semestre passado.

Por seu turno, rezam as mesmas fontes, o Brasil importou da Argentina, no tocante a PEBD, 16.272 toneladas em 2016; 36.147 em 2017 e 23.658 no primeiro semestre de 2018. Em PEBDL, foram trazidas 10.901 toneladas em 2016; 11.187 em 2017 e 7.330 na primeira metade deste ano. Quanto a PEBD, vieram da Argentina 95.565 toneladas em 2016; 88.411 em 2017 e 53.525 de janeiro a junho último. Em PP, entraram 57.698 toneladas em 2016; 75.073 em 2017 e 45.880 no semestre passado. Em termos de PAS, ingressaram aqui 72.570 toneladas em 2016; 55.005 em 2017 e 32.926 nos seis meses iniciais de 2018. No compartimento de PVC, a Argentina internou no Brasil 84.673 toneladas em 2016; 64.813 em 2017 e 36.455 de janeiro a junho último. No arremate, o Brasil importou do vizinho 4.763 toneladas de PET em 2016; 8.734 em 2017 e 4.523 no semestre passado.

Ainda nos meandros desse comércio exterior, chama a atenção uma percepção da consultoria MaxiQuim: no saldo de 2017, as importações brasileiras de PE da Argentina, mesmo à sombra da vantagem logística e das isenções tarifárias do Mercosul perderam em volume para a resina dos EUA. Vice-presidente da Unidade de Negócio de Poliolefinas, Renováveis e Europa da Braskem e coordenador da comissão setorial de resinas termoplásticas (Coplast) da Abiquim, Edison Terra interpreta essa mudança. “Sob a retomada do mercado brasileiro em 2017, o consumo de PE expandiu em volume ao redor de 6%”, ele expõe. “Com o aumento da oferta do polímero produzido na América do Norte, algumas petroquímicas buscaram criar uma estratégia regular de exportação e a América do Sul, Brasil incluso, é um dos principais destinos desse adicional da produção norte-americana”. Como a produção argentina de PE ficou estável no ano passado, amarra as pontas o dirigente, “é natural que haja mais espaço para crescimento na região das importações vindas dos EUA. A propósito, nota-se cada vez mais, no mercado brasileiro de PE, o crescimento do número de competidores responsáveis por boa parte do recente ciclo de investimentos na capacidade norte-americana da resina”.

Flexíveis puxam as exportações brasileiras de transformados para a Argentina, atestam indicadores oficiais repassados pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Em 2017, foram remetidas 5.800 toneladas de chapas, folhas, tiras e lâminas, equivalentes a 14 % do total de artefatos plásticos do Brasil então embarcados para o país contíguo. Em contrapartida, o sopro lidera as importações brasileiras de transformados argentinos, com garrafões, garrafas e frascos detendo 24% dessas embalagens internadas no ano passado. No semestre passado, o Brasil exportou 21.318 toneladas de artefatos plásticos para a Argentina e importou 13.415.

José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast, calibra com moderação sua expectativa de que a cadeia plástica argentina volte logo aos eixos. “No geral, projetamos para este ano aumento da ordem de 4% nas exportações brasileiras de transformados sobre 2017, movimento que refletirá incremento dos embarques para o nosso maior mercado, a Argentina”, ele assinala. “Para as importações, prevemos aumento de 17% em relação ao ano passado, mas essa estimativa ainda deve considerar o arrefecimento da demanda brasileira desde maio”. •

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