O imemorial déficit do saneamento básico vem sendo tratado como um espécime a caminho da extinção desde 2020, quando foi homologado seu novo marco regulatório. Projeções de que as necessárias obras de infraestrutura atraiam investimentos da ordem de R$700 bilhões extasiam a indústria do plástico, siderada pela antevisão de colossal demanda por materiais de construção, em especial PVC na tubulação de coleta de esgoto e redes de adução e distribuição de água potável. Tudo poderia mesmo florir numa boa não fosse um risco de retrocesso à espreita na esquina, a depender da eleição presidencial, alerta na entrevista seguir Sérgio Vale, renomado economista-chefe da consultoria MB Associados.
1Lula vem marcando sua candidatura com um discurso estatizante e avesso à presença da iniciativa privada em áreas que considera de cunho exclusivo do poder público. Se ele vencer a eleição presidencial e dada a crônica insegurança jurídica do país, como avalia a possibilidade de seu governo revisar o novo marco regulatório do saneamento?
O grande risco de um futuro governo Lula é não ter tido o aprendizado dos erros que foram cometidos no passado. Um deles foi atrasar o processo de concessões e privatizações na falsa crença de que o Estado faria melhor esses investimentos. Na verdade, o que o governo Lula no passado deixou de investir foi na regulação. As agências reguladoras criadas no governo FHC foram continuamente destituídas de poder e os ministérios começaram a ter muito mais força regulatória do que as agências, culminando muitas vezes em falta crônica de diretores por falta de indicação do governante de ocasião. Investimento público é importante, mas precisa ser focado no que de fato o governo tem que estar presente, que é educação, saúde e o social. No caso da educação, o investimento em ciência básica é o melhor que o governo poderia fazer. O ideal seria que um futuro governo Lula resgatasse o papel das agências reguladoras e mantivesse as concessões e privatizações. Mas certamente nem um nem outro desses procedimentos vai ocorrer.
2A experiência dos governos de Lula e Dilma demonstra empenho e competência no combate ao constrangedor déficit nacional do saneamento básico? E mais: o poder público pode viabilizar a universalização dos serviços de saneamento básico, prescindindo da iniciativa privada?
O saneamento não teve a devida atenção histórica, mas isso não começou nos governos petistas. O Brasil tem déficit crônico no setor e o novo marco regulatório é promessa de investimento importantes no futuro. Mas, novamente, é necessário, mais do que nunca, em um setor sem competição no local em que a rede de saneamento está instalada, que a regulação ocorra com a mesma eficiência para impedir abusos privados. Historicamente, o setor público não conseguiu entregar resultados satisfatórios no setor e seria interessante essa combinação de investimento privados, mas com regulação bem feita. Esse é o desafio.
3Quais seriam as principais consequências para o Brasil decorrentes de uma eventual reestruturação do marco regulatório do saneamento com o intuito de consolidar e ampliar a participação estatal?
O impacto seria muito ruim, pois, além de voltar atrás em uma política que já começou a funcionar, daria muito insegurança jurídica não só a esses investidores, mas a outros setores também. A dúvida que ficaria é se o governo não mudaria a regulação de outros setores como pode fazer no saneamento. Causaria impacto geral nos investimentos e atrapalharia a recuperação da economia. Investimento público, aqui nesse caso, não é o caminho e o PT parece continuar entendendo o contrário. Quem paga a conta é a própria população, infelizmente. •