O peso da idade

População madura: consumo reduzido repercute nos preços do petróleo e químicos.

A população mundial está envelhecendo, processo por ora mais forte em economias maduras, significando um novo patamar de demanda e investidores precisam considerar esse fato se não quiserem perder rios de dinheiro. O alerta é aceso por Paul Hodges, presidente da consultoria londrina International eChem, responsável pelo lidíssimo blog sobre indústria química e economia do portal inglês Icis e membro do conselho da agenda global sobre o futuro dos produtos químicos, materiais avançados e biotecnologia do Fórum Econômico Mundial. Para Hodges, a queda no preço do petróleo nada mais é do que um retorno a níveis mais aceitáveis na realidade atual, como detalha na entrevista exclusiva a seguir.

PR – Em qual patamar o senhor espera que o preço do barril do petróleo se estabilize nos próximos dois anos? Acredita que o barril voltará à cotação de US$ 100?
Hodges – O preço do petróleo irá se estabilizar em seu patamar histórico abaixo de US$ 40/barril, pois o mundo agora possui um excesso de oferta de energia, segundo a International Energy Agency. Existe hoje excedente de petróleo, gás natural, carvão e materiais renováveis. Além disso, não devemos negligenciar o impacto da demografia na redução da demanda futura. A população do mundo está envelhecendo, com expectativa de vida acima dos 70 anos pela primeira vez na história. Pessoas mais idosas precisam de menos para viver comparado a quando eram jovens. Essa faixa de consumidores gasta menos e possui, da mesma forma, renda menor. Por isso, a não ser em caso de mudança drástica na geopolítica mundial, há poucas justificativas em termos de fundamentos da relação oferta e demanda para que os preços retornem a US$ 100/barril.

PR – Julga que a manutenção dos preços do petróleo abaixo de US$ 50/barril irá inviabilizar economicamente a exploração de óleo e gás natural pela rota do gás de xisto, bem como as anunciadas expansões na produção de eteno nos EUA?
Hodges – Algumas empresas que atuam na exploração do gás de xisto com dívidas muito altas irão à falência, enquanto outras comprarão esses ativos a preços mais baratos e os operarão pelo retorno financeiro. Criou-se muita confusão com relação a esse assunto em anos recentes. Ainda falta compreensão sobre o custo real de produção e o preço necessário para gerar o retorno do investimento. Outra área sem clareza está associada aos números que os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) usaram para balizar os preços do petróleo de forma a equilibrar seus orçamentos. Na realidade, o único número que é válido, uma vez que o capital foi aplicado, é o do custo real de produção. Claro, investidores buscam retorno de seu capital e países querem balancear seus orçamentos. Mas os mercados não funcionam dessa forma. Outra questão importante: os custos aumentaram dramaticamente durante a bolha, por isso o salário de soldadores qualificados na região do Golfo dos Estados Unidos, por exemplo, estava em US$140.000/ano. Naturalmente, esses custos estão diminuindo de forma rápida, pressionando ainda mais para baixo os custos reais de produção do óleo.

PR –A sobreoferta de petróleo, combinada a preços baixos, tornará a exploração em águas profundas, como existe no Brasil, economicamente inviável?
Hodges – Esses fatores levarão empresas a pensar seus investimentos de forma diferente. Pelos últimos 30 anos predominou a mentalidade de “se construirmos, pessoas virão e comprarão a produção”. Os dias de foco na oferta acabaram. Em vez disso, as empresas precisam pensar sobre questões relativas à demanda. “Se eu construir, alguém irá comprar a produção?”. E isso os levará a uma segunda pergunta: “alguém irá comprar de mim e não de meu concorrente?”. Em outras palavras, as empresas terão de desenvolver seu foco no mercado. Nesse contexto, a exploração em águas profundas no Brasil pode ainda fazer sentido, mas terá de ser avaliada a partir de uma nova perspectiva que inclui projeção de demanda e de crescimento econômico.

PR – A indústria petroquímica brasileira é dependente de nafta, além de não ser formadora de preços internacionais. Como avalia a competitividade global desse setor?
Hodges – Se partirmos do princípio, como tenho defendido há certo tempo, de que os preços do petróleo retornarão à histórica relação com o gás natural, baseado em seu valor energético relativo de 6:1, a indústria petroquímica brasileira voltará a ser razoavelmente competitiva com relação a outras regiões. Ao longo dos anos, tem faltado foco a esse setor e, apesar de seu entusiasmo, ele nunca possuiu o tamanho necessário para alcançar estatura global. Uma mudança de foco em oferta para foco em demanda poderia ser o catalisador para essa transformação acontecer – assim esperamos.

PR – Os Estados Unidos conquistaram a sonhada autonomia na produção de petróleo e gás com a rota do xisto. Acha que o país abrirá mão de desfrutar essa autossuficiência e voltará a importar petróleo em razão dos preços mais baratos de fornecedores como a OPEP? Ou acredita que produtores norte-americanos de óleo baseado em xisto investirão na melhoria da tecnologia para reduzir custos e não perder mercado, inclusive com apoio do governo Obama?
Hodges – A recusa de os Estados Unidos permitirem a perfuração em terra, em algumas partes do país, sempre me intrigou. Além disso, a dependência de importações parecia não incomodar. O furacão Katrina em 2005 foi o sinal de alerta e os norte-americanos de repente perceberam que não havia lógica em ser contra a exploração de petróleo e, ao mesmo tempo, o maior consumidor global do produto. Os Estados Unidos já investiram desde 2009 mais de US$ 1 trilhão em exploração de petróleo e gás e o custo variável de produção, como resultado, caiu a um nível muito baixo. Mais reduções são ainda possíveis porque a agitação no setor continua. Ao mesmo tempo, a demanda por petróleo nos Estados Unidos já está em uma rota de desaceleração, devido à combinação de melhor eficiência no consumo de combustível com o envelhecimento da população. Como o Ministério dos Transportes dos Estados Unidos nos lembra, cidadãos acima de 70 anos somente dirigem a metade da quilometragem em comparação a quando tinham 30 anos. E o milagre do aumento da expectativa de vida, junto do declínio mundial das taxas de fertilidade, significa que indivíduos acima dos 70 estão aumentando em uma velocidade muito maior do que aqueles em seus 30 anos. Por isso, a dependência norte-americana de importações irá continuar diminuindo, com base nesses dois fatores.

PR – A petroquímica brasileira Braskem estuda projeto de produzir polietileno (PE) com eteno do gás de xisto nos Estados Unidos. Ainda há lugar para esse tipo de investimento diante da atual situação dos preços do petróleo e da perspectiva de sobreoferta do polímero, pois cerca de 8 milhões de toneladas deverão ser agregadas à capacidade de PE no bloco Nafta até 2017?
Hodges – Vejo tempos muito difíceis para todos esses novos projetos, devido à questão da demanda, ponto que tenho constantemente debatido. Se olharmos a produção norte-americana de eteno, ela está menor do que foi há 15 anos. Todo mundo concorda que o mercado de PE e de outros derivados é muito maduro nos Estados Unidos, apresentando crescimento de no máximo 1% ao ano. Da mesma forma, estatísticas de comércio exterior mostram que exportações norte-americanas de PE estão diminuindo desde 2010 e ficaram em apenas 1,5 milhão de toneladas em 2014. A única área de crescimento tem sido o Brasil (com relação à demanda para a Copa do Mundo e Olimpíadas) e América Latina – porém, é difícil acreditar que o mercado latino-americano conseguiria absorver importações dos Estados Unidos uma vez que o projeto da joint venture Braskem-Idesa, Etileno XXI, comece a operar no México no próximo ano. Enquanto isso, a China está aumentando seu nível de autossuficiência e, portanto, precisará de um volume menor de importações no futuro. Empresas conduzindo projetos de PE nos Estados Unidos terão de reexaminar a viabilidade considerando o aspecto da demanda e o retorno dos preços do petróleo a níveis mais normais.

PR – Com a queda do preço do petróleo, desaceleração da China e o aumento da população idosa na Europa e Estados Unidos, qual o risco de um choque mundial de deflação e qual deve ser o impacto dele sobre os BRICS?
Hodges – É quase certo que diversas regiões do mundo chegarão à deflação. Acredito que o colapso do preço do petróleo e seus impactos mais amplos nos mercados financeiros desencadearão uma deflação sustentada. Essa situação irá, de forma efetiva, reverter o choque inflacionário ocasionado pelos preços do petróleo em 1973, quando o aumento da demanda dos ‘baby boomers’ (nascidos entre as décadas de 40 e 60) criou elevada escassez de oferta. As mudanças demográficas são a causa de ambos os desenvolvimentos. Hoje em dia, o envelhecimento fez com que essa população não precise mais nem possua recursos para manter seus níveis anteriores de consumo.

PR – Poderia explicar seus conceitos da nova normalidade e de grande ruptura dos estímulos de ordem política na conjuntura mundial e o impacto desses dois fenômenos em mercados emergentes, como o Brasil?
Hodges – Essencialmente, bancos centrais estão tentando compensar o colapso nas taxas de fertilidade imprimindo dinheiro e inundando mercados financeiros com liquidez. Mas eles não podem imprimir bebês. E o fato é que mulheres no mundo agora só têm metade do número de filhos em comparação à década de 1950 – elas têm 2,5 versus 5 filhos no passado. Essa mudança tem sido recentemente camuflada por dois fatores. Um é a liquidez dos bancos centrais, que colocaram muita energia nos mercados. O segundo é a consequência da bolha imobiliária na China pós-2008 em grandes cidades como Pequim e Xangai, onde preços de imóveis correspondem a 30 vezes o salário médio. O impacto foi a criação do efeito riqueza, no qual o valor de ativos financeiros alcançou níveis insustentáveis mundo afora. O conceito da grande ruptura, que possibilitou que eu previsse o colapso do preço do barril do petróleo e o aumento do dólar norte-americano em agosto último, está baseado na decisão da nova liderança chinesa de mudar o curso do país. Os mercados estão, portanto, começando a reencontrar seu papel na descoberta de preços com base nos fundamentos de oferta e demanda. Será um processo doloroso, mas inevitável. Trata-se do Novo Mundo Normal de crescimento menor e de deflação, como descrevi no livro Boom, Gloom and the New Normal (www.new-normal.com). O impacto no Brasil e em outros mercados emergentes já é muito severo e ficará pior. A China não irá mais sustentar níveis anteriores de crescimento, essencial para as exportações de commodities brasileiras. Assim, o Brasil precisa seguir os passos da China e buscar uma nova direção para sua política econômica, se quiser evitar uma danosa e permanente desaceleração. Vamos acreditar que isso não irá acontecer.•

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