O Brasil é sinônimo de economia fechada, atesta o consenso internacional, e suas alíquotas de importação estão entre as maiores do planeta. Elas são o pivô de imemorial queda de braço entre a petroquímica nacional e transformadores de resinas, inconformados com o protecionismo. Nos últimos anos, porém, a rixa engrossou no âmbito dos polímeros mais consumidos – PP, PE e PVC – em razão de um entrelaçamento de fatores internos e externos. Quanto aos primeiros, constam a demanda superando a capacidade doméstica para o vinil e determinados grades de poliolefinas; a vinda incessante a Manaus de plantas transformadoras (em especial de flexíveis), para surfar nas doçuras fiscais e resinas importadas pelo porto livre e, para não alongar a lista, as plantas brasileiras de poliolefinas e PVC saíram dos padrões globais de competitividade. Além da idade avançada, acusam defasagem em escala, tecnologia, custos operacionais e dependência da rota mais cara da nafta. Nesse ponto, entram em cena os percalços de alcance global. Em essência, envolvem o ciclo de expansão, ainda em curso, de capacidades de resinas na América do Norte e Ásia (Oriente Médio e China), com plantas gigantescas e mais produtivas, adeptas da rota acessível do gás natural e em grande parte integradas no petróleo. Esse surto de investimentos trombou com a economia mundial em fogo baixo, com o fim dos mega saltos de crescimento da China (1990-2021) e com sua corrida para a produção autossuficiente de PP, PE e PVC. Dessa trepidação resulta o mercado atual, atolado na superoferta torturante para preços e margens da petroquímica mundial – e o Brasil não é exceção. Na entrevista a seguir, José Ricardo Roriz Coelho, presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), pondera sobre os reflexos desse impasse, até aqui sem final previsto.
As alíquotas brasileiras de importação já estão entre as mais altas do mundo. Qual o nexo para o setor químico/petroquímico pressionar o governo para aumentar as taxas ainda mais?
Nexo, a nosso ver, não tem nenhum. A petroquímica busca elevar as taxas de importação com a óbvia intenção de aumentar margens e melhorar os resultados da indústria, haja visto o baixo desempenho do setor químico como um todo ao longo do ano, por conta da fraca atividade industrial brasileira. Além disso temos atividades dentro do setor químico muito mais afetadas com a fraca demanda brasileira, como a área de fabricação de defensivos (-24,4%), de intermediários para fertilizantes (-19,6%), produtos químicos orgânicos (-9,4%), do que o setor de resinas e elastômeros que apresentou uma retração (-4,6%) mais decorrente de movimentos conjunturais e política de manutenção de altos preços. Isso leva o mercado a buscar alternativas competitivas.
Diante das alíquotas de importação crescentes, os transformadores capitalizados, de maior porte e alcance nacional, têm a possibilidade de instalar plantas em locais incentivados, como Manaus, para continuar obtendo resina importada a custos inferiores. Mas qual a saída para os transformadores médios/menores e de limitado fôlego financeiro continuarem na ativa?
Os pleitos de aumento de alíquotas de importação apresentados são tecnicamente a inclusão desses produtos na lista de exceção à Tarifa Externa Comum (TEC/LETEC), um instrumento temporário de aumento de alíquota de importação. O efeito da medida é conjuntural e, apesar de poder estimular alguns movimentos de players (transformadores) que já tinham intenção de fazer alguma reação dessa natureza (nota: produzir em Manaus), tal fato não é determinante para definir o investimento em mudança de localidade, uma mudança que é mais permanente. Sendo assim, entendemos que o impacto mais relevante causado pelo encarecimento das importações será a alta de preços generalizada ao longo das cadeias em toda a indústria brasileira.
Pelos padrões atuais, as plantas brasileiras de resinas são, em regra, menores, defasadas, sem custos competitivos e dependentes da rota nafta, mais cara que a do gás. Desse ponto de vista, elevar as barreiras de importação seria justificável por se proteger uma importante indústria nacional ou seria um caso de se premiar a ineficiência de um setor aliado do governo e obrigando assim o consumidor a pagar a mais por isso, no final das contas?
A questão das rotas base gás/nafta são questões estruturais da indústria petroquímica brasileira e reforçamos que o equívoco está em tentar tratar questões estruturais com medidas conjunturais que impactam os setores a jusante da economia.
Os números de produção comprovam que, depois da catástrofe geológica em Maceió, a capacidade real de PVC da Braskem, a maior do país, ficou abaixo da nominal e o Brasil passou a importar o vinil cada vez mais. Diante da produção interna assim restringida, por quais razões o governo mantém sobretaxas antidumping para PVC importado, caso da resina da China e, há mais de 30 anos, os grades dos EUA e México?
Um antidumping que vigora por 30 anos já é algo injustificável, condição reforçada por um cenário onde a oferta brasileira não é suficiente para atender a demanda.
As importações brasileiras de resinas commodities da China são pouco expressivas. Por quais motivos a petroquímica nacional pressiona o governo para elevar as barreiras contra produtos dessa origem?
Existe uma expectativa de que, mais à frente, as novas capacidades na China poderão “inundar” o mercado de resinas importadas. Porém este não é o cenário que vemos hoje. No caso dos polietilenos, as importações da China representam 0,5% do total desse polímero importado, 1% no caso de PVC e, em termos de PP, já falamos em 9%. Mas ainda assim, a China representa um impacto para as resinas bem inferior ao aferido nos transformados plásticos.
Neste segmento podemos considerar que existe uma invasão de importações chinesas, pois 53,7% das importações de produtos acabados plásticos são provenientes da China e tal número tende a aumentar, haja vista que a China vem ampliando sua capacidade de produção de resinas e usará sua estrutura produtiva para agregar valor a seus produtos.
Entre os argumentos do nosso setor químico para levar o governo a agravar as barreiras às importações da China, consta a declaração de que sua indústria é poluente. É uma alusão à rota do carvão seguida pela China e sem objeções ambientalistas a suas exportações em qualquer lugar do mundo. Por sua vez, a petroquímica do Brasil também depende de uma rota de energia fóssil ainda mais prejudicial para o aquecimento global, a rota do petróleo. Teríamos aqui o caso do roto falando do esfarrapado?
É fato que a rota carvão é mais poluente e que a pegada de carbono da indústria chinesa é pior que a do Brasil, que conta com energia hidrelétrica. Porém, não nos parece que a roupagem ambiental deva ser justificativa nesse caso, para elevar barreiras às resinas da China. Já pontuamos acima que os principais volumes de importação brasileira de resinas não são provenientes da China. O excedente daquela região é mais direcionado à própria Ásia, Europa e EUA.
Além do Brasil, países como Índia, Coreia do Sul, EUA e o bloco da União Europeia hoje promovem investigações antidumping sobre importações de resinas da China. Se as sobretaxas forem homologadas, isso acaba de vez com a globalização no setor? Quais os possíveis efeitos disso sobre o mega excedente global de resinas e sobre novos investimentos petroquímicos que são anunciados na China?
A estratégia do setor de transformados plásticos é agregar valor à matéria-prima, seja ela proveniente de onde for. Tal estratégia deveria ser a do Brasil, considerando a política industrial NIB – Nova Indústria Brasil.
Continua a aumentar o excedente mundial de resinas virgens a preços próximos das recicladas. Diante desse quadro mundial sem final previsto, a reciclagem mecânica ou química tem condições de alcançar viabilidade econômica sem o amparo de governos com subsídios e leis ambientalistas? E o que acha do descrédito mundial da reciclagem por dar resultados insatisfatórios há décadas?
A resina reciclada ainda é muito vista como um substituto direto e muitas vezes “mais barato” que a resina virgem. Entretanto já existe uma tendência de inversão desses valores. Na Europa por exemplo, temos alguns grades de PET reciclado a preços mais altos que os do poliéster virgem por conta das “vantagens em termos ambientais” de se usar reciclados.
Incentivos para uso de materiais reciclados devem fazer parte da agenda de qualquer governo que entenda as externalidades positivas ao meio ambiente em se incentivar a reciclagem dos materiais. No Brasil está preconizado desde 2010 na lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos a possibilidade de criação desses estímulos. O que falta ao Brasil é priorizar de fato a atividade de reciclagem e implementar as diversas medidas que já estão na mesa para discussão no Congresso e valorar essa atividade. Ou seja, é preciso efetivamente tratar a questão tributária do reciclado, ampliando as possibilidades de creditação e uso de créditos presumidos para estimular o uso do reciclado. A criação de legislações que, de forma sóbria e salutar, incluam a exigência de conteúdo reciclado nos produtos e a ampliação do uso de plásticos reciclados (nota: além de PET bottle to bottle) em embalagens de alimentos por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – em linha com critérios internacionais de qualidade e aplicações desses materiais – são temas que podem impulsionar a reciclagem.
Quanto ao possível descrédito da reciclagem mencionado na pergunta, entendemos que a visão é oposta. A reciclagem é tida como alternativa em diversos estudos relevantes que tratam do tema da poluição plástica, bem como é perseguida como solução por grandes marcas (brand owners) usuárias de plástico. Em políticas públicas, o foco no estímulo ao uso do material reprocessado na reciclagem potencializará os impactos positivos dessa atividade na sociedade.