O futuro levado a sério
O adjetivo verde corre para o desuso na designação de bens e serviços. Afinal de contas, legisladores e investidores tendem cada vez mais a aprovar apenas ações e produtos que preencham os requisitos da sustentabilidade. Desse modo, termos como prédios verdes, carros verdes, empresas verdes, embalagens verdes ou matérias-primas verdes logo se tornarão redundantes, pois sem os devidos atributos sustentáveis eles nunca virão à luz.
O futuro do plástico está nas mãos de quatro vetores. Além da sustentabilidade, decidem a sua sorte a demografia, geopolítica e a pandemia. Eles agem sempre em conjunto, como ilustra o hiper aquecimento das vendas de produtos essenciais no período de distanciamento social, vitaminando por tabela a demanda de embalagens plásticas e suas resinas. Desse efeito dominó resulta a substituição do excedente mundial de poliolefinas, surgido em 2018 com a guerra comercial EUA x China, pela mirrada disponibilidade internacional dessas resinas iniciada em 2020. Ou seja, uma confluência dos vetores da geopolítica e pandemia no âmago da cadeia plástica.
Mundo mais complexo
A sustentabilidade passou de chofre de polida simpatia a amor verdadeiro. A opinião pública mundial comprou a briga contra as mudanças climáticas e a poluição ambiental. Mesmo com bons argumentos para rejeitar a injusta pecha de covid da natureza, a situação recomenda à indústria plástica correr para se provar identificada com o clamor social que nutre a economia circular. Afinal, brand owners e varejistas mundo afora hoje reavaliam suas necessidades de embalagens, proclamam seus esforços para reduzir o uso de resinas virgens e, do outro lado do balcão, consumidores finais são conclamados a abolir o uso de plásticos de uso único, processo também atiçado por leis que proíbem o fornecimento de artigos como sacolas e demais descartáveis plásticos.
A pandemia também tem um dedo nessa mexida. Mesmo quando a vacinação banir o vírus, as mudanças na mentalidade e hábitos de vida que ele inoculou atestam que nada será como antes no universo dos plásticos. No passado, por exemplo, a régua da demanda dos polímeros era como o PIB se portava e pronto. Pois a economia circular, pandemia, facilidades digitais e a globalização repensada tornaram o cálculo do mercado muito mais volátil e complexo. No passado pré-corona, por exemplo, o fraturamento hidráulico do xisto tornou os EUA autossuficientes em petróleo e gás natural, ativando por tabela um surto de investimentos na produção do eteno e polietileno (PE) mais baratos do planeta. Corte para hoje: a ideia desse tipo de ciclo expansionista na petroquímica tromba de frente com o repúdio geral às embalagens plásticas de uso único, sem falar na crescente autonomia em PE do seu maior importador mundial, a China. Por essas e muitas outras condições subjacentes, uma tribo de analistas defende que a geopolítica e a sustentabilidade enterraram de vez aqueles ortodoxos investimentos em mega capacidades de resinas concebidas de olho no mercado global, dando vez daqui por diante a plantas menores, de alcance regional.
Perdas e ganhos
A demografia também encosta o plástico na parede por dois lados. Um deles é o crescimento mundial da população idosa e que, em regra, consome bem menos com a limitada renda da aposentadoria e sem filhos em casa. Do outro lado, interagindo com o vetor da sustentabilidade, estão os millenials, a nova geração identificada pelos aplausos à economia circular e pelo desinteresse pela posse de veículos. No Brasil, por sinal, já são lançados prédios sem garagem para moradores jovens, em regra adeptos do compartilhamento automotivo e usuários de uber, e desponta nas concessionárias a oferta de carros por assinatura. Por sinal, a rejeição sustentável a combustíveis de origem fóssil e a consequente ascensão do carro elétrico, impelida por regulamentações ambientalistas e compromissos das montadoras, já levam ao fechamento ou venda de refinarias petrolíferas mundo afora. Isso, aliás, alimenta a crença de analistas da petroquímica no encarecimento da nafta a médio prazo, por causa da redução da sua oferta, e de seus derivados, a exemplo de propeno, em grande parte provido por refinarias. Divindade da economia circular, o carro elétrico também prenuncia baixas sensíveis em aplicações tradicionais de plásticos. Entre os exemplos de peso, está a multidão de peças do motor a combustão interna, menina dos olhos das resinas de engenharia. Em PE, fim de linha para o sopro de tanques de combustível e embalagens de óleo lubrificante. Em contrapartida, polipropileno (PP) já é citado como o termoplástico de maior presença nos carros elétricos.
Em meio a essa enxurrada de reviravoltas com pé no fundo, a conciliação de crescimento econômico com o apreço à natureza deixou de ser mostra de bom mocismo empresarial para constituir uma força motriz de negócios em todos os setores. Entre eles, sobressai o setor plástico, hoje alvo de inédito escrutínio da sociedade, pois visto como poluidor do planeta. Por essa razão, a reciclagem e a comprovação de circularidade dos materiais estão hoje no cerne da evolução do modelo de atuação sustentável da indústria plástica. Em decorrência, o emprego de teores de resina reciclada em produtos transformados vem se tornando com rapidez uma exigência para se fazer negócio com plásticos. Organizações de alcance mundial, como a fundação norte-americana Ellen MacArthur têm reunido um contingente significativo de múltis de bens de consumo entre os signatários de um pacto em favor do progresso no uso de plástico reciclado em embalagens até 2025. Este comprometimento embute o empenho dos envolvidos em aumentar a produção e qualidade do plástico pós-consumo reciclado, qualificando-o para usos de maior valor agregado, inclusive como alternativa à resina virgem. A União Europeia, por sua vez, tem mergulhado no detalhamento de normas como as relativas à taxação de resíduos plásticos e regras para o transporte e padronização deles, de modo a ampliar os volumes coletados e facilitar e aprimorar a reciclagem.
A União Europeia é reverenciada como modelo para o mundo de regulamentação sustentável, de modo que suas leis costumam ser replicadas e amoldadas às peculiaridades de países fora desse bloco político e econômico. Seja pela sua biodiversidade como pela globalização dos valores da sustentabilidade, o Brasil acompanha o desdobrar desse combate às mudanças climáticas dentro dos limites permitidos por sua infraestrutura, economia e conscientização ambiental da população. Do seu lado, o setor plástico brasileiro procura fazer a sua parte, como demonstra a recente leva de investimentos na modernização de indústrias recicladoras e o número crescente de portas abertas para aplicações de reciclados de qualidade superior, fruto da ação conjunta dos segmentos recicladores de poliolefinas e PET (em especial o reciclado de grau alimentício) com marcas formadoras de opinião em bens de consumo.
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