Apesar do ceticismo de gente interessada em empurrar com a barriga a situação atual, o fato é que a indústria plástica mundial está sendo repensada, para não dizer recriada, por força da transição energética, planejamentos falhos, demanda trôpega, guinada demográfica e até da rejeição pública ao material que seu setor permitiu acontecer. Embora perturbadores, todos esses tópicos estão influindo para gestar inovações vitais para a sobrevida do plástico em um mundo de globalização reformulada e que aparenta ter acordado para a urgência do combate às mudanças climáticas, esclarece nesta oportuna entrevista de Paul Hodges, reverenciado CEO da consultoria suíça New Normal em relatórios e blogueiro debruçado sobre os elos entre economia e setor químico no portal da consultoria britânica Icis.
Trecho de um texto seu: “o mundo está se movendo da fase atual da Instabilidade Contínua para a da Disruptura Crescente. Guerras reais estão escalando na Europa e Oriente Médio. Guerras comerciais estão começando”. Quais as consequências desse quadro para o excedente global de resinas (em especial PP e PE) e para os padrões de demanda na indústria petroquímica?
O problema é que estamos vendo uma mudança significativa tomar corpo em ambos os elos finais da cadeia de valor:
Um ponto é que, naturalmente, nós pensamos que o crescimento da população significa mais bebês. Mas isso mudou com uma expectativa mais longa de vida e taxas menores de fertilidade. No Brasil, por exemplo, o grupo de idosos a partir de 55 anos constitui a principal fonte de crescimento da população, um núcleo previsto para aumentar em cerca de 9 milhões de pessoas entre hoje e 2030. Nesse mesmo período, o grupo de 25 a 54 anos, contendo trabalhadores geradores de riquezas, deve aumentar apenas dois milhões de pessoas, enquanto o grupo abaixo de 25 anos não deve expandir além de cinco milhões de habitantes. O primeiro grupo é uma gente adorável, mas já possui mais do que necessita para viver e sua renda diminui na aposentadoria. O quadro geral, portanto, configura uma importante força na mão oposta para o crescimento da demanda de resinas.
Perturbações similares acontecem no elo do suprimento ao final da cadeia de valor. China, Oriente Médio e EUA dedicam-se a expandir suas capacidades petroquímicas por diferentes razões. A China busca a autossuficiência produtiva e engordar exportações para gerar empregos, para compensar os postos de trabalho perdidos com o estouro da bolha imobiliária. Por sua vez, o Oriente Médio persegue a transição do petróleo para petroquímicos. Afinal, a demanda mundial do petróleo caminha para cair à faixa de 6 milhões de barris/dia até 2030, devido à arrancada dos carros elétricos. Por fim, a América do Norte precisa de processar o etano para monetizar os investimentos no gás de xisto. Fica claro, portanto, que o suprimento de resina está crescendo com rapidez enquanto a demanda provavelmente tende a estabilizar, se não cair.
A petroquímica global é liderada por EUA e China, responsáveis pelo excedente mundial de resinas. Como avalia as chances de sobrevida de petroquímicas como a brasileira, com plantas menores e antigas, não integradas upstream e dependentes da rota nafta? Aumento de tarifas de importação e sobretaxas antidumping seriam a solução para a permanência delas sob os atuais padrões de competitividade?
Vejo tudo isso de outra perspectiva. As mudanças demográficas que já mencionei significam que o maciço crescimento da economia global durante o super ciclo Baby Boomer (nascidos entre 1946 e 1970 na Europa, América do Norte e Austrália) acabou. Seus integrantes compuseram a maior e mais rica geração já vista no mundo. Hoje, porém, a demanda anda vagarosa, talvez declinando, de modo que não há mais necessidade de cadeias globais de suprimentos. Ao mesmo tempo, estamos retornando ao muito mais incerto mundo dos anos 1970 – com guerras bélicas e comerciais, Opep e regime de cotas de produção de barris. Desse prisma, tudo sugere que tendemos a presenciar a volta das cadeias de suprimento locais para mercados locais. As plantas do Brasil, menores e de alcance mais local, adequam-se muito bem a este novo cenário. Elas também desfrutarão um apoio em particular para se tornarem mais efetivas através do uso de plástico reciclado, pois então não fará mais sentido exportar resina virgem.
Os CEOS da ExxonMobil e Saudi Aramco disseram recentemente que a transição energética está falhando e que legisladores deveriam abandonar a “fantasia” da eliminação do óleo e gás, dado o crescimento da demanda por combustíveis fósseis nos próximos anos. Também afirmaram que as fontes renováveis não conseguem desalojar os hidrocarbonetos por causa das escalas e da recusa de brand owners e consumidores em pagar a mais por algo em prol da transição energética. Ressaltaram ainda a falta de infraestrutura e competitividade econômica para novas tecnologias e fontes de energia. Concorda com eles?
Eles estão vendo a questão sob a perspectiva errada. A evidência científica sugere que encaramos uma ameaça existencial proveniente das mudanças climáticas. Desse modo, nossa prioridade 1 tem de ser reduzir o uso de combustíveis fósseis sob pena de não cumprir as metas Net Zero. Ninguém está sugerindo parar de usar petróleo e gás, algo impossível sob a infraestrutura atual, mas assegurar (e isso já acontece) que toda nova capacidade de energia seja baseada no vento, água, sol e baterias. Eu disse antes aqui que estamos retornando aos anos 1970 em muitas áreas e o escritor norte-americano Mark Twain nos lembra que “a história pode rimar, mas não se repete”. O ponto crítico para para os mercados do petróleo na década de 1970 era ausência de opções de energia. Hoje, porém, as fontes renováveis são uma alternativa real, como mostram as capacidades crescentes de geração de energia solar, hídrica e eólica e seus custos caem substancialmente. Daí porque os produtores de petróleo têm embarcado na estratégia errada:
Aumentaram o preço do petróleo. Isso decerto ampara a transição energética, por tornar muito mais competitivas as fontes renováveis.
Os membros da OPEP + (extensão do maior cartel petrolífero mundial) tornaram-se fornecedores inconfiáveis e não estão mais focados em apoiar a economia global e cuidar de clientes.
A invasão da Ucrânia pela Rússia e os altos preços da OPEP estão fazendo mais que qualquer cientista para acelerar a transição energética.
Os governos, em particular os europeus, movem hoje céus e terras para apressar suas mudanças para combustíveis renováveis e adquirir independência energética.
Eu tenho um perfil comercial e julgo estratégias pelo potencial de sucesso. A meu ver, as atuais estratégias das petrolíferas acabarão concretizando o objetivo oposto ao pretendido.
Como vê o impacto sobre o negócio e a imagem do plástico causado por ativistas ambientais e grupos comunitários nos EUA com ações contra novos projetos petroquímicos e contra petroleiras por prejuízos locais causados por mudanças climáticas agravadas pela exploração de fontes fósseis?
A pergunta destaca a grande tragédia dos anos recentes – como a indústria plástica perdeu a confiança do consumidor. E o resultado percebido às claras é a indústria ameaçada de perder a licença para operar. Temos ótimos argumentos sobre as vantagens do uso de plásticos versus outros materiais em termos de emissões de dióxido de carbono, custo, segurança e conveniência. Mas as pessoas não sentem a indústria ouvindo suas preocupações a respeito do lixo plástico e seu amplo impacto ambiental. Qualquer um que tenha feito curso de técnicas de vendas sabe que não se consegue vender benefícios até se ter resolvido as objeções.
Isto posto, há vários sinais encorajadores de que a indústria está aprendendo com seu erro e começa a abraçar a mudança. A chave óbvia é acelerar a transição para o plástico reciclado. Em minha carreira no setor eu dirigi negócios de maior porte, como PVC, e, com base nisso, sei discernir a existência de um desafio real no desenvolvimento da tecnologia de reciclagem, organização da coleta e separação da sucata plástica; são 1.001 detalhes no que ainda precisa ser feito. Mas, francamente, tendo me envolvido com a reciclagem de plástico nos últimos 10 anos, constato nada haver que a pare. O setor apenas requer gestão para implantar planos quinquenais para sanar as principais pendências. A seguir, pode tornar claro que essas metas estão alinhadas com o anseio do público – a solução para o lixo plástico. Assim que as companhias começarem a demonstrar que estão voltadas para esta promessa, você se surpreenderá como o público muda rápido de opinião. As pessoas querem que a indústria resolva o problema e ela não pode decepcioná-las.
Plásticos de uso único são cada vez mais proibidos em países desenvolvidos e sub. A proposta de reciclagem deles não é bem aceita por legisladores. A eliminação mundial desses produtos é caminho sem volta?
É difícil para mim enxergar um argumento favorável à maioria dos usos de plásticos descartáveis, exceto aplicações médicas e similares. Mas sacolas de supermercado de uso único? Copos de uso único em áreas de lazer? Não há razão ou necessidade para isso. Arenas esportivas estão nessa direção, como as de críquete. É um dos meus esportes favoritos, embora longe dos preferidos no Brasil. Pois os principais campos de críquete (nota: em especial no Reino Unido) vêm adotando a venda de bebidas em copos de plástico reciclado com preço acrescido de depósito reembolsável e o público está feliz com o resultado. O estádio não fica mais cheio de lixo plástico e se você não pedir o reembolso no fim do jogo, a equipe da arena recolhe os copos para seu proveito e o dinheiro vai para caridade. É um esquema ganha-ganha para todo mundo.
Por que os volumes globais de plástico reciclado, em especial nos EUA e Europa, ainda são considerados insatisfatórios após décadas dessa atividade?
A pergunta tristemente confirma a discussão assinalada em respostas anteriores. Muitas companhias falharam em reconhecer a reciclagem como criticamente importante para manter a confiança dos consumidores no plástico. Então, elas têm continuado a fazer o que é mais rentável a curto prazo e, assim, cada vez mais põem em risco o futuro a longo prazo do seu negócio. Mas creio que essa atitude está mudando, como ilustra uma nova geração de gestores, como Peter Vanacker da LyondellBasell e Alfred Stern do grupo OMV. Eles realmente compreendem a necessidade de reconquistar a credibilidade pública, um desafio difícil e de resolução morosa. Mas eles estabeleceram metas e criaram a infra de organização para atingí-las. É um caminho marcado por solavancos, mas a direção da rota está mudando, o que já é boa notícia.
A reciclagem de plástico é economicamente viável competindo com crescente superoferta mundial de PE e PP virgens e baratos?
Sim, é totalmente viável, mas é preciso ser realista. Minha antiga empresa a (extinta) ICI, inventou PE em 1933 e desde então a resina tornou-se o plástico mais consumido. Foram necessários quase 100 anos para sair da curva da experiência e do aprendizado para baixar custos em paralelo com o aprimoramento da qualidade do polímero. É absurdo total imaginar que o plástico reciclado fique competitivo da noite para o dia perante um material bem consolidado (PE virgem). E ainda mais absurdo é acreditar que isso se concretize através de startups mal capitalizadas e conduzida por gente de pouca bagagem no setor químico. Adotar esse modelo de negócio é condenar a indústria recicladora ao fracasso e, portanto, não é surpresa que ela esteja no insatisfatório estágio atual.
Da mesma forma, é claro, o amplo excedente na indústria de resina virgem é outro sinal de falha num modelo quebrado de negócio. Então, há uma oportunidade real para companhias líderes como a Braskem para construir expansão no que já foi conquistado com bioplásticos e gerar receita e lucros a longo prazo desenvolvendo um negócio bem sucedido com plástico reciclado. •