O fator GTM

Venda da quantiQ pode respingar no varejo de PP e PE
quantiQ: pronta para a distribuição multibandeira de poliolefinas.
quantiQ: pronta para a distribuição multibandeira de poliolefinas.

Ao comprar da Braskem, por R$ 550 milhões, a distribuidora quantiQ, a GTM Holdings, fundada na Guatemala e controlada pelo fundo privado Advent International, acende um rastilho de pólvora na direção do varejo brasileiro de resinas. Afinal, a GTM já distribui polipropileno (PP) e polietileno (PE) na América Latina, atuando pelo esquema multibandeira, aliás vetado pela Braskem aos agentes autorizados a revender suas poliolefinas: Activas, Piramidal, Mais Polímeros, Eteno e Fortymil. Marcelo Albuquerque, CEO da subsidiária brasileira da GTM, negou entrevista.
Até hoje há na praça quem estranhe a decisão da Braskem de não ter incorporado a quantiQ, maior distribuidora de produtos químicos do país, em sua estratégia de comercialização de PP e PE no varejo. Qualificação para o negócio a quantiQ tem de sobra. Com faturamento orçado em R$ 1 bilhão, muito bem de saúde financeira e uma infra operacional refestelada em quatro centros de distribuição e sete bases logísticas no território nacional, a musculatura da quantiQ tira de letra os indicadores de pelo menos três dos cinco agentes da Braskem. Familiaridade com o setor plástico também não é empecilho, pois a quantiQ é originária da extinta Ipiranga Química, referência no século passado como varejista de poliolefinas e que caiu madura e redonda no colo da Braskem por ser ativo integrante de duas companhias embolsadas pelo grupo, a Ipiranga Petroquímica e a Quattor. Pela política de distribuição da Braskem, apesar de sua excelência profissional e poderio estrutural, a quantiQ foi alijada da revenda autorizada das resinas de sua controladora, assim como da concorrência importada.

Tumulto à toa
“Trata-se de decisão estratégica tomada muito tempo atrás”, supõe Amarildo Banzan, à frente da consultoria Abazan e ex-diretor da falecida SPP Nemo, mega distribuidora de resinas e químicos do Grupo Suzano e uma das principais concorrentes da Ipiranga Química. “À época, fazia sentido para a Braskem separar o comércio de químicos, pois sua rede de distribuição de PE e PP estava bem estruturada e não faria sentido o próprio produtor das resinas ter seu canal no varejo”.
Analista da consultoria Townsend Solutions e antes responsável por gerenciar a distribuição da Suzano Petroquímica, Quattor e Braskem, Simone de Faria envereda por raciocínio contíguo ao do colega Bazan. “A quantiQ chegou ao controle da Braskem como uma herança dos processos de fusões e aquisições no setor petroquímico”, ela interpreta. “No passado, era comum deparar com distribuidoras de sócios de companhias petroquímicas, casos da SPP e Ipiranga, pois havia então uma razão para isto e hoje a situação é outra, marcada por briga de preços e risco de conceder crédito a determinado tipo de cliente. Para quê a Braskem teria essa dor de cabeça verticalizando-se na distribuição?” Portanto, ela sustenta, foi correta a decisão de barrar a quantiQ do baile das resinas. “Criar mais um concorrente numa distribuição com agentes em demasia só tumultuaria o mercado sem proporcionar grandes resultados e daria muita margem a questionamentos de políticas de preços e condições diferenciadas para o agente da casa. E se a opção fosse decepar os cinco agentes em prol apenas da quantiQ, decerto a participação da Braskem no varejo de poliolefinas cairia”.
Apesar da sensatez emanada das conjeturas de Simone e Bazan, sobra no mercado gente que deglute com estranheza o fato de a companhia petroquímica ter esnobado o uso de uma distribuidora sua pronta para brilhar, de alta capilaridade e cuja montagem demandaria tempo e investimentos massudos se começasse do zero hoje em dia. Além do mais, seu grau de capitalização paira muito acima da saúde financeira da maioria dos membros da rede da Braskem. Segundo uma corrente de analistas, a quantiQ poderia substituir numa boa pelo menos os três menores do quinteto. Em relação às eternas querelas sobre suspeitas de preços favorecidos pelo controlador, o nome do filme é o passado não condena. Afinal, Suzano e Ipiranga tiveram outros agentes além de suas próprias distribuidoras de resinas e nenhum deles deixou de faturar e tocar o barco por causa disso.

Normas restritivas
Para Bazan, a distribuição de químicos, onde a quantiQ reina, remunera melhor que a de commodities como termoplásticos convencionais”. Afinal, ela possibilita a venda de especialidades”. No arremate, encaixa, a infra física de estocagem e transporte estabelece por si uma barreira de entrada ao varejo de químicos. “Ela restringe e seleciona novos players nesse comércio”.
Simone aborda o negócio por outro enfoque. “A análise de rentabilidade depende de muitas variáveis”, considera. “Prefiro então comentar que a distribuição de químicos é muito mais especializada que a de plásticos, em virtude da regulamentação específica e capital intensivo para armazenagem e comércio, limitando assim a entrada de empresas no ramo e tornando esse segmento mais organizado que o da distribuição de resinas, onde basta alugar um galpão e contratar uma Kombi para se começar a revender”.

A noiva da vez
Projeção da Townsend Solutions aponta que a capacidade norte-americana de PE será acrescida de 7,3 milhões de toneladas nos próximos três anos, convergindo para a formação de mega excedente a ser atenuado mediante um esforço exportador, um quadro de esperada guerra de preços complicado pela verborragia protecionista de Donald Trump e, devido à vantagem logística, a América do Sul pinta no atlas entre os canais de desova mais suculentos para os polímeros norte-americanos.
Mesmo açoitado por três anos a fio de recessão, o Brasil ainda é tido como hiper mercado na região, razão pela qual investidores nos novos complexos de PE nos EUA, a exemplo da ExxonMobil, já ciscam por aqui sequiosos por representantes locais bem estruturados, capitalizados e traquejados nas singularidades do nosso varejo do plástico. Um cenário que torna a quantiQ, agora livre, leve e solta, uma noiva a ser cobiçada por esses pretendentes do exterior, raciocina Bazan. “O advento do gás de xisto nos EUA, culminando este ano na partida de novos e volumosos complexos petroquímicos, a ponto de o país passar de importador a exportador agressivo de PE, abrirá caminho em nossa região para as resinas americanas”, ele julga. “Além do mais, o ‘comportamento importador’ dos transformadores brasileiros desenha um ambiente propenso à entrada de um novo player de peso na distribuição. A estrutura logística e o conhecimento do país capacitam a quantiQ a ser um excelente parceiro no mercado local de produtores de PE dos EUA”. A curto prazo, acredita Simone de Faria, a GTM deve manter o foco da quantiQ em produtos químicos. “Mas a longo prazo, com maior familiaridade de características como perfil dos clientes e a parte fiscal, pode ser que a GTM parta para distribuição local de resinas”.

Sonegação na revenda
Se a GTM transpuser para a quantiQ sua política multibandeira de distribuição, a quantiQ debutará na comercialização de polietileno e polipropileno das mais diversas marcas e origens internacionais. É uma roupagem que colide com o modelo monobandeira desde sempre em vigor na rede Braskem. “Num ambiente onde a escala é fator de competitividade e, muitas vezes, de sobrevivência, o termo monobandeira combina apenas com outro radical da mesma família: monopólio”, interpreta Bazan. “Na qualidade de único produtor de poliolefinas no Brasil, a Braskem tem condições de dar à sua cadeia de distribuição o volume necessário para mantê-la rentável e com capacidade de investimento em estrutura e serviços”. Para a consultora da Townsend o confronto entre os modelos mono e multibandeira é secundário. “Um agente pode ser monobandeira e ainda assim competitivo, graças ao excelente relacionamento comercial com seu fornecedor”, ele argumenta. “O grande problema no varejo brasileiro do plástico são as manobras fiscais da revenda informal”.
O negócio de resinas e derivados figura entre os 18 que a GTM Holdings opera na sua chamada área industrial, com apoio em centros próprios de compras e logística na Índia, China e EUA. Um portfólio vestido para engrossar o poder de fogo da quantiQ. Do outro lado do ringue, os distribuidores da Braskem têm em PE e PP o coração do seu negócio, em regra complementado pela comercialização de outros polímeros e materiais auxiliares, todos de olhos fixo somente na transformação de plásticos.
“A alienação da quantiQ está em linha com a estratégia de reforçar nossa atuação no setor petroquímico, otimizando o portfólio de ativos da Braskem dentro do nosso compromisso com a disciplina financeira”, declarou Fernando Musa, presidente da Braskem. Fica no ar se o passo seguinte desse planejamento será a venda da participação minoritária (20%) da empresa na componedora de polipropileno Borealis Brasil S.A. •

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