Se 2015 já foi um purgante, 2016 caminha para a decretação de estado de calamidade pública na jugular da indústria automobilística, o xodó dos plásticos de engenharia. Os horrores se acumulam. O primeiro trimestre foi o pior em 13 anos na produção nacional de veículos, reles 482,3 mil unidades montadas. As vendas de janeiro a março caíram 28,6% perante o mesmo trimestre em 2014. O ano passado, crava pente-fino da Serasa Experian, fechou com 15 pedidos de recuperação judicial e 10 falências decretadas de fabricantes de autopeças. Em janeiro e fevereiro últimos, uma falência foi formalizada e sete empresas do setor solicitaram recuperação, dando um trailer do pesadelo até dezembro.
O rolo compressor esmaga, sem distinção, de indústrias menores e familiares de componentes automotivos a subsidiárias de múltis, respirando pelos aparelhos pelo oxigênio de capital remetido das matrizes, dadas as vendas internas insuficientes para elas honrarem compromissos de curto prazo. Colossos nacionais no ramo, na linha de frente da transformação de injetados, têm sido levados de roldão na degringolada do mercado. Sistemista fera do Brasil, o Grupo Arteb pediu recuperação judicial. Outro medidor das desgraças é a Plascar, totem da autopeças plásticas no país. Ela já fechara duas plantas em São Paulo em 2014 e hoje renegocia contratos bancários vencidos e busca linhas de crédito de perfil mais alongado para equacionar seu problema de liquidez, declarou no balanço publicado.
Compostos de polipropileno
“Este é o momento para redefinir estratégias com base num futuro ainda muito incerto”, constata Leonardo Harsch, presidente da Borealis Brasil, bússola do mercado de compostos de polipropileno (PP), reduto dependente em cerca de 70% do clima nas montadoras de carros. Para reagir à crise, ele conta, o complexo da Borealis em Itatiba, interior paulista, tem intensificado a atuação técnica e comercial na América do Sul “para entender e atender a demanda dos mercados automotivo, de linha branca e aplicações inovadoras para compostos de PP e polietileno”, descortina o dirigente. No entanto, reitera, o setor automotivo polariza as atenções da Borealis. “Apesar da crise, continuamos a crer no futuro do Brasil”. Dos energizantes do seu portfólio que ganham a rua este ano, Harsch distingue compostos à base de reciclado pós-industrial e tipos destinados a deslocar outras resinas nobres em componentes estruturais, “mas com possibilidade de emprego em peças ligadas ao acabamento superficial”.
A recessão morde na carne, mas Celso Ferraz, diretor comercial da Produmaster, nem pensa em jogar a toalha, apesar da freada sofrida em suas vendas de compostos de PP, por conta da Sibéria na demanda de bens duráveis, carros à frente. “Com ou sem crise, é vasto o campo de oportunidades no Brasil”, ele contrapõe. “Em momentos bons, elas tendem a ser menos exploradas e, nas horas ruins, ou você trata de realizá-las ou será apenas mais um a lamentar a situação”. Na transposição do discurso á prática, a Produmaster se desdobra em ações a quatro mãos com clientes para nacionalizar peças e baixar custos. Também espreita as exportações vitaminadas pelo câmbio. “São factíveis,embora complexas em nosso negócio devido às aprovações técnicas”, nota o diretor. Nesse ponto, aliás, a empresa tem a favor o respaldo da tecnologia e presença internacional da acionista japonesa Prime Polymer. Ferraz retoma o fio, destacando ainda o envolvimento da componedora em projetos “onde o preço é crucial, mas o conjunto da obra é o driver”. Sem dar nomes aos bois, ele evidencia que o combustível desses movimentos é a evolução da tecnologia automotiva na performance, design, segurança e sistemas de infomídia.
As revendas de plásticos de engenharia, julga Ferraz, andam hoje pelo fio da navalha de um embate: o encarecimento das importações contra os preços baixos que o mercado topa pagar, tendo como pano de fundo o risco de inadimplência a reboque de reajustes muitas vezes movidos pela variação cambial. “O quadro pende para baixar este ano os volumes importados e, por tabela, para enfraquecer o poder das revendas para financiar negócios”, pondera Ferraz. “Se a retomada tardar em demasia, tanto muitas dessas revendas como descapitalizados componedores menores carecerão de fôlego para operar, pois o fluxo financeiro pode ser negativo e o risco do crédito põe o negócio em xeque”.
Poliamidas
“É um cenário triste, muitas empresas fechando ou se endividando para sobreviver”, lastima Jane Campos CEO da italiana Radici Plastics para a América do Sul e com fábrica de beneficiamento de poliamidas (PA) em Araçariguama, interior paulista. “As revendas de produtos importados sofrem com as perdas cambiais e falta de perspectivas a curto prazo. Deve sobreviver apenas quem já trabalhava com custos enxutos e controle pesado sobre estoques e crédito”, ela antevê.
Jane vê os chamarizes das especialidades intactos à ira da crise, uma razão para manter a fé no setor. “Os materiais chegam para reduzir custos de manufatura ou solucionar alguma deficiência”, considera. “Em momentos como este, fica mais fácil partir para desenvolvimentos, pois temos espaço para a criatividade e tempo para testes”. Na esfera específica da Radici, ela conta, para atravessar a zona de turbulência econômica, com os materiais que o grupo lançará em outubro, na feira alemã K’2016, e com a renovação em curso no parque fabril de compostos em Araçariguama. “As crises passam e o Brasil é um gigante sedento por consumir, à espera apenas de o cenário ser reajustado”, confia a CEO.
PA 6.6 e PA 6 puxam o catálogo de materiais nobres importados pela Thathi Polímeros, completado por poliacetal (POM) e polibutileno tereftalato (PBT). “Não é a taxa de câmbio que afeta nossas operações, mas a demanda em queda nos sistemistas de autopeças e fabricantes de eletrodomésticos e peças técnicas, entre outras indústrias de bens duráveis”, nota o gerente de negócios João Rodrigues. Conforme esclarece, “determinados clientes, produtores de injetados em moeda nacional ou parcialmente indexados ao câmbio, sofrem nas margens com o custo de matérias-primas importadas”. A situação preteja, ele continua, com o acréscimo de ingredientes como a árdua conciliação da folha de pagamentos com capacidade ociosa e a consequente escassez de capital de giro convergindo para a inadimplência”. Rodrigues não vê em seu mercado, onde é intensa a pressão por redução dos preços em dólar, a presença de concorrentes menores. “A Thathi tem encarado a disputa com múltis no compartimento dos volumes mais robustos de vendas de plásticos de engenharia”. Em resposta, aponta o gerente de negócios, a empresa se esforça por seduzir clientes com a lapidação do atendimento e um portfólio de formulações mais rentáveis e menos convencionais, capazes de conferir um plus na produção e performance final. “Nosso foco é o binômio qualidade /custo e volumes maiores”, deixa patente Rodrigues.
Especialidades
Distribuidora e componedora de polímeros nobres, a Petropol não cruza os braços na pasmaceira. “Aumentamos o efetivo dos gerentes de conta”, abre o sócio executivo Fernando Tadiotto.”Agora temos quatro para atender o mercado paulista, com suporte de quatro estagiários. Completam as novidades no quadro uma supervisora, um gerente comercial e um diretor comercial”. Fora da área de RH, segue o executivo, a Petropol abriu-se à prestação de serviços de beneficiamento (tooling), cuja procura ele frisa ser ascendente.
A principal preocupação da Petropol é o câmbio mutante, elege Tadiotto, que também responde pelas atribuições da gerência comercial. “Os insumos de matéria-prima são responsáveis por 60% das entradas na empresa”, explica. “Com a volatilidade do dólar, temos que fortalecer mais o controle nos fechamentos de câmbio, registros de importações e programações junto aos fornecedores”. Por sinal, encaixa, a economia no atoleiro tem causado “uma redução nos preços dos materiais com que trabalhamos, exceto PA 6.6, que tem mantido nível de preço constante”. PA.6.6 é, aliás, um dos raros polímeros de engenharia produzidos aqui, no caso um monopólio da Solvay.
A vocação da Sabic Innovative Plastics (SIP), divisor global de águas em materiais de engenharia, não é a venda da matéria-prima, mas de soluções de valor agregado, distingue Ricardo Knecht, gerente geral para a América do Sul da corporação saudita com planta de beneficiamento em Campinas, interior paulista. “Essa abordagem estende-se pelo desenvolvimento de aplicações, produtos e tecnologias de processos que nos ajuda a amenizar os efeitos da atual erosão do volume de vendas”, ele considera. Como prova dos nove, ele tira da manga o fruto de um bem bolado da SIP com a Fiat Chrysler Automobiles (FCA): o reforço de piso do Jeep Renegade montado em Pernambuco. “Com geometria em colmeia e flanges de metal, a peça é montada na altura do piso do chassis, logo abaixo da coluna B, e é injetada com Noryl GTX, blend de PA e éter de polifenileno, dispensando adesivos estruturais ou espumas”, descreve Knecht. Essa solução híbrida de plástico e metal, como ele rotula, substitui várias peças de aço e o resultado é a redução de 45% no peso “sem prejuízo para a necessária resistência a impacto e capacidade de absorção de energia”,salienta Knecht.
Fora da seara automotiva, Knecht fisga como avanço recente desembarcado pela SIP no Brasil um desenvolvimento de prototipagem rápida para luminárias. “A empresa recorreu à engenharia preditiva e impressão 3D para criar um termoplástico integrado de luminária LED que reduz de forma significativa o peso total, a quantidade de componentes e o tempo de montagem perante uma convencional luminária de metal”, confronta Knecht.
O fato de a maior parte dos mercados de especialidades hoje penar com demanda no fosso e câmbio errático não implica queda na procura por esse tipo de atendimento da SIP, atesta Knecht. Apenas a escala mudou. “O câmbio volátil impõe novas ponderações na decisão de importar grandes quantidades de resinas”, percebe o executivo. “Acreditamos que nosso serviço local, através da produção de pequenos lotes customizados em prazos muito competitivos, torna-se uma alternativa ainda mais atraente em tempos de incerteza”. •