Não é mais sopa no mel

É preciso pensar e repensar para se investir em resina virgem daqui por diante

Nos últimos anos antes da pandemia, a petroquímica mundial chorava para digerir um batráquio-golias: o excedente de polietileno (PE), a resina mais consumida, proveniente em sua maior parte dos EUA, cuja produção dessa poliolefina, visando os mercados regional e global, havia saltado feito Michael Jordan numa enterrada. O gatilho do pulo foi o surto de investimentos no rastro dos derivados do gás natural mais barato do planeta, abundante em jazidas de xisto e petróleo da Costa do Golfo. A hiper oferta norte-americana de resinas se nutria de crenças como a de que o barril se eternizaria na casa dos US$100, viabilizando custos produtivos imbatíveis do gás e derivados, e de que a economia chinesa cresceria dois dígitos anuais para sempre.
Foi então que o Sobrenatural de Almeida bateu às portas. Instaurada por Trump em 2018, a guerra comercial EUA X China, ainda em curso, resultou em fatores como a sobretaxa decretada pelo governo de Pequim (maior importador mundial seja lá do que for) a mercadorias norte-americanas e PE entrou logo no listão. Foi quando os EUA descobriram não haver canal de desova para seu excesso de PE capaz de substituir a China. Por dois anos, a petroquímica dos EUA, pêndulo do setor mundial, passou um cortado até o inesperado aprontar de novo. Dessa vez, veio na forma do alastramento da pandemia que enxugou a disponibilidade internacional de resinas ao incendiar o consumo de produtos essenciais, como alimentos e saneantes, e de artigos médico-hospitalares e de proteção individual contra o corona. Além disso, nevascas e furacões paralisaram a petroquímica norte-americana (situação ainda não resolvida), o frete marítimo também escasseou e encareceu e, por essas e outras armações da lei da oferta e da procura, as cotações dos termoplásticos dispararam. Deu no que está dando.
Pelo antigo breviário do planejamento estratégico, estaria armado o cenário, mesmo com a continuidade da guerra comercial contra a China, para a sopa no mel: montar nos EUA em retomada com Biden mais plantas petroquímicas com demanda garantida. Acontece, no entanto, que as variáveis para decidir essa expansão não são mais aquelas do passado, baseadas apenas no humor do PIB, ocupação de capacidades, preço do barril etc e tal. A compreensão do mercado dos plásticos e do comportamento dos consumidores ficou muito mais complexa por causa da pandemia, demografia, geopolítica e sustentabilidade. Para ficar apenas no âmbito dos ativos em resinas, fala por si, recente relatório do grupo americano de investidores As You Sow (Como Você Semeia, em tradução livre). O documento diz que com as inquietações com mudanças climáticas e grandes marcas de bens de consumo cortando o uso de resinas virgens, instituições financeiras devem ficar ressabiadas quanto a investir em petroquímicas. O relatório assinala também que a ida para uma economia carbono zero converge para expressiva queda na demanda por produtos baseados em combustíveis fósseis, criando assim o risco de ativos encalhados a longo prazo para plásticos e petroquímicos. Por fim, o As You Sow sublinha como a pressão por reduzir o uso de resinas virgens pode desinflar premissas demasiado otimistas para o crescimento da demanda de plásticos zero bala.
Não existe poção milagrosa. No I Mundo, embalagens contendo menor volume de plásticos e o crescimento da reciclagem mecânica e química são bons passos, mas não matam o risco do colapso ecológico. Ele segue assombrando através das inatacadas precariedades de infraestrutura, economia e política dos países subdesenvolvidos. Para o historiador israelense Yuval Harari a saída, à parte a evolução da tecnologia, está em regulamentações e incentivos de abrangência internacional, capazes de criar novas oportunidades para indústrias como as do plástico. “Há, portanto, muitas coisas que governos, corporações e indivíduos podem fazer para evitar a mudança climática”, sustenta o pensador. “Mas, para serem eficazes, devem ser feitas num nível global. Quando se trata de clima, os países simplesmente não são soberanos”. Local não rima mais com global. •

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