Não é mais ficção científica

Luiz Falcon braskem

A consultoria Icis arquiva em torno de 200 projetos de reciclagem química de plástico no mundo, o grosso deles na Europa e EUA, e prevê para essa tecnologia de cinco a 10 anos para ganhar escala comercial. Petroquímicas se acotovelam para embarcar nessa canoa, vendo nela uma tábua de salvação pelo acesso dado a matérias-primas abençoadas pela economia circular e sucessoras da hoje excomungada fonte fossíl, o petróleo. Em poliolefinas, a predileção geral é pelo processo da pirólise catalítica, pelo qual resíduos plásticos dão forma a commodities como petroquímicos básicos, diesel, nafta ou ceras industriais. Única produtora de polietileno (PE) e polipropileno (PP) no país, a Braskem também não tem pares na petroquímica brasileira em sua prospecção da reciclagem química. No Brasil, ela vasculha, em parceria com o meio acadêmico, soluções para aprimorar a catálise na pirólise. Já nos EUA, firmou acordo com a empresa Encina visando uma unidade para gerar propano destinado à polimerização pela Braskem, monômero resultante da queima pelo calor das ligações químicas das cadeias orgânicas de sucata plástica. No mais, estuda com a startup norte-americana Agilix a reciclagem avançada de resíduos para obter insumos de PP. Nesta entrevista Luiz Alberto Falcon, responsável pela plataforma de reciclagem química, desnuda como é estratégico para a Braskem marcar território na vanguarda da sustentabilidade.

Em meio à gradual ascensão internacional de plantas de reciclagem química, brand owners alardeiam a substituição de embalagens plásticas flexíveis por papel em vários produtos. A seu ver, a reciclagem química tem condições de frear ou atenuar esse movimento?
A reciclagem química permite a produção de resinas plásticas a partir de resíduo plástico pós-consumo com qualidade da resina virgem. Esta forma de produção traz grande vantagem às aplicações, pois não necessitam de investimento em mudanças nas embalagens utilizadas. É sempre importante considerar todos os aspectos de impacto ambiental e econômico dos materiais alternativos, se comparados com o uso de uma matéria-prima que permite ciclos sucessivos de reciclagem sem perda de qualidade.

Poliolefinas grau alimentício obtidas por meio da reciclagem química reúnem condições de competir com PET grau alimentício obtido da reciclagem mecânica em mercados fora do sopro, como embalagens termoformadas para alimentos?
Sim, as poliolefinas obtidas por meio da reciclagem química possuem condições de competir com o PET. Sendo a reciclagem química de poliolefinas uma tecnologia em desenvolvimento, sua adoção no início não será massiva, ainda que as resinas resultantes tenham capacidade para uso em aplicações diversas. No longo prazo e com ganho de escala, a tendência natural é termos uma competição similar à que existe no mercado de plástico virgem, onde não só o custo individual da resina, mas sua performance em máquina, adequação às necessidades dos brand owners e às expectativas do consumidor final tenham um peso relevante na tomada de decisão da escolha do material.

A reciclagem química admite trabalho com resíduos plásticos de baixa qualidade e misturados ou, tal como ocorre na reciclagem mecânica, requer medidas prévias como a separação de elementos contaminantes?
A reciclagem química é mais robusta que a mecânica e pode trabalhar com resíduos plásticos misturados e de menor qualidade. Para isso, só é preciso manter alguns parâmetros da matéria-prima dentro de certos limites que algumas tecnologias requerem. O que não tem sido um problema nas unidades que já operam em escala comercial.

A reciclagem mecânica opera, mundialmente, com suprimento irregular e insuficiente de resíduos plásticos de melhor qualidade. Com a escalada da reciclagem química, a tendência é de disponibilidade mais escassa desses resíduos plásticos superiores para a reciclagem mecânica?
O diferencial da reciclagem química é que ela consegue processar muitos materiais plásticos que não podem ser mecanicamente reciclados. Importante ressaltar que existe um grande potencial do uso integrado das duas tecnologias, aumentando os níveis de circularidades dos materiais plásticos como um todo.

Numa estimativa média com base no mercado internacional, qual é hoje a diferença entre o preço de um PP ou PE virgem e o do contratipo originário da reciclagem química?
Por ser um produto ainda com baixa oferta e com demanda crescente, é natural que exista uma diferença relevante entre a resina originária de matéria-prima reciclada quimicamente e a alternativa virgem. A tendência natural é que, no médio-longo prazo, o mercado se equilibre em um novo ponto, a depender do crescimento da oferta e sua adequação à demanda futura.

Braskem hoje estuda no Brasil aprimoramento de catalisadores para o processe de pirólise. Se o trabalho corresponder às expectativas, qual a possibilidade de a empresa implantar uma unidade de pirólise próxima de suas unidades de PP ou PE no país para gerar propeno ou eteno via reciclagem química para posterior polimerização?
O estudo para a produção de catalisadores, em parceria com a FCC S.A., o SENAI/FCCSA e UFRJ, deve concluir sua primeira fase em 2022. O principal objetivo é a disponibilização da alternativa de pirólise catalítica para empresas que hoje atuam no segmento de reciclagem química. Para viabilizar uma solução de reciclagem química, a Braskem busca as melhores tecnologias e parceiros, e esperamos ter avanços relevantes em 2021. Um recente progresso foi o credenciamento das nossas plantas de São Paulo e Rio Grande do Sul pelo sistema alemão ISCC (Certificação Internacional de Sustentabilidade e Carbono).Seu foco é a produção de resinas recicladas certificadas como de fonte circular.

Em qual estágio tramita hoje nos EUA o projeto da Braskem EUA em parceria com a empresa Encina para pirólise de resíduos para gerar químicos como propeno destinado à polimerização pela Braskem?
No momento, Braskem e Encina estão definindo as especificações de qualidade dos produtos que poderão ser utilizados como matéria-prima nas unidades de PP da Braskem, além de estudarem a logística para poder receber esse insumo e quais as certificações necessárias para permitir o uso dessa matéria-prima circular. Como proprietária da tecnologia de pirólise, a Encina é responsável pelo financiamento, engenharia e construção do projeto. De acordo com o cronograma traçado, deve ser inaugurada no segundo semestre deste ano a unidade de pirólise catalítica destinada a transformar 175.000 t/a de resíduo plástico em 90.000 t/a de químicos reciclados.

Qual a possibilidade de, com base na sua baixa escala e preço acima da resina virgem, a poliolefina originária da reciclagem química não sair da redoma de um caro produto de nicho?
A economia circular é uma realidade ao longo de toda cadeia de valor que produz e utiliza resinas plásticas. Petroquímicas, transformadores, empresas de bens de consumo duráveis e não duráveis tem divulgado metas robustas na adoção de materiais com conteúdo reciclado. Globalmente, cada vez mais players têm investido a fim de poder oferecer produtos reciclados, sejam eles obtidos pelo processo mecânico ou químico. Considerando esse contexto, existe potencial para o crescimento na oferta de matérias-primas alternativas providas pela reciclagem química. Isso passa pelo desenvolvimento e consolidação de tecnologias que apresentem escala e custos mais próximos aos que a indústria está acostumada. O processo requer tempo e comprometimento, mas já é possível visualizar um cenário em que esses produtos venham a ter participação importante no consumo mundial de resinas.

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