Muita calma nessa hora

Sobressaltos do mercado global não descarrilam a indústria petroquímica, confia o presidente da Braskem

Guindado à presidência da Braskem em 2016, já no seu sexto ano na companhia, Fernando Musa mostrou ter pé quente. Sob sua batuta, os balanços da maior petroquímica do país têm gorjeado na roseira, que o diga o do ano passado, quando o exercício fechou com lucro acumulado de R$ 4 bilhões, recorde desde a largada da empresa em 2012, e EBITDA de R$ 12,3 bilhões. No embalo desse pique da Braskem, Musa confirma a intenção de ampliar sua capacidade de polipropileno (PP) nos EUA e engrossa a aposta em derivados de fontes renováveis. É mais que provável, porém, que o oceano hoje pacífico fique em breve algo revolto na carta de navegação da Braskem. Efeito de nitroglicerina em dose tripla: 1) a entrada em peso, até 2020, do acréscimo calculado em 5,8 milhões de toneladas à capacidade norte-americana de polietileno (PE), uma engorda cujo excedente será exportado em sua maior parte; 2) os prenúncios da guerra comercial entre Trump e Xi Jin Ping e 3) o recrudescimento global da ojeriza ambientalista a descartáveis de plásticos, por sinal ancoradouros imemoriais dos iates de PP e PE em embalagens. Na entrevista a seguir, Musa perpassa em tom moderado grau zen essa conjuntura nervosa que vem repaginando o mercado global do plástico com rapidez estonteante.

Fernando Musa Braskem
Musa: spreads de PE permanecem em patamares saudáveis
este ano.

PR – Indorama e Unilever investem na reciclagem química de PET pós-consumo. LyondellBasell adquiriu indústrias de reciclagem e compostos. Basf montou startup para impressão 3D e Evonik pôs recursos na impressão digital. Como encara esses movimentos de global players da química/petroquímica em negócios downstream e na manufatura aditiva?
Musa – A questão da sustentabilidade e o uso consciente do plástico são alguns dos maiores desafios da indústria nos dias de hoje. Trata-se de uma tendência e é natural que a indústria se posicione em busca de soluções e alternativas. Do seu lado, a Braskem olha ativamente estas oportunidades, como ilustram algumas vertentes da nossa atuação. A primeira delas é o uso de fontes renováveis, produzindo polietileno (PE) verde (rota alcoolquímica) desde 2010, e a busca de produtos químicos de origem não fóssil. Criamos em 2017 a área de Reciclagem & Plataforma Wecycle, ligada à Unidade de Poliolefinas. Visa reforçar nosso posicionamento estratégico e alavancar o incentivo de iniciativas, negócios e soluções sustentáveis relacionadas à economia circular do plástico, em especial à reciclagem. Hoje, por sinal, temos grades de resina reciclada incorporados ao portfólio. Além disso, ampliamos o projeto “Imprimindo o Futuro”, para possibilitar aos astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS) que utilizem uma recicladora de artefatos plásticas no espaço.
Retomando o fio da pergunta, as iniciativas de manufatura digital e o uso de inteligência artificial também começam a ser empregadas em alguns dos nossos processos. Demonstram uma tendência natural de adaptação e modernização da indústria do plástico e chegaram para ficar.

PR – A guerra comercial EUA x China agrava o desafio da desova a contento do previsto excedente norte-americano de PE (acréscimo de 5.850 milhões de toneladas até 2019) e, manda a lógica, afeta preços e rentabilidade da resina. Em decorrência, esse cenário deve ou não catalisar fusões e incorporações entre petroquímicas, em especial as integrantes do ciclo de expansão de capacidades de PE no Nafta?
Musa – As recentes discussões entre EUA e China poderão alterar o fluxo de resinas petroquímicas ao redor do globo, mas não alteram o balanço entre oferta e demanda. Em relação à adição de capacidades na América do Norte, cabe frisar que o aumento da demanda global por termoplásticos tem se mostrado maior do que se estimava dois ou três anos atrás. Os EUA são importantes fornecedores para a China, mas, ao tomar 2017 como exemplo, vemos que apenas cerca de 5% das importações chinesas de PE couberam à resina norte-americana. Ou seja, somaram cerca de 700.000 t/a. Além disso, é relevante destacar que apenas algumas famílias de PE (grades de baixa densidade e lineares) estão na lista de sobretaxas aventada pelo governo chinês, reduzindo esse volume para 230.000 toneladas, com base no cômputo do ano passado.

PR – No Reino Unido, o supermercadista Iceland quer banir plástico das prateleiras em cinco anos. A União Europeia se compromete a reduzir o uso de plásticos descartáveis. Analistas notam que o avanço do comércio on line na China penaliza as embalagens sofisticadas, para impulsionar a compra na gôndola, em prol de uma solução básica, destinada apenas a proteger o conteúdo e mais fácil de reciclar. Por fim, alastram-se no mundo as proibições de sacolas plásticas no comércio. Quais as mudanças que a indústria de PE deve passar em razão da soma desses fatores com a guerra de preços esperada com o excedente norte-americano?
Musa – A discussão sobre o uso do plástico está presente em grande parte dos países, principalmente no que tange ao uso das embalagens descartáveis. Ao mesmo tempo, o material tem demonstrado ser extremamente benéfico para a qualidade de vida e o meio ambiente. Características como custo reduzido e leveza permitem o acesso de parcela da população aos mais variados produtos, o caso da preservação de alimentos. Os benefícios do plástico são inúmeros, o que não significa que não haja desafios. Seu uso consciente e as iniciativas para o descarte correto e a reciclagem são determinantes para sua continuidade. Acreditamos na discussão equilibrada e na responsabilidade de todos os elos da cadeia em oferecer as soluções que a sociedade exige para a contribuição do plástico ser mais efetiva e menos questionada no futuro.

PR – Na voz corrente dos analistas, transformadores e componedores sairão ganhando com a prevista guerra de preços de PE. Como vê a possibilidade de, para compensar de alguma forma a erosão das margens, petroquímicas ingressarem na transformação ou beneficiamento de PE, tal como fizeram no passado?
Musa – A indústria petroquímica é cíclica e é natural que no ciclo de expansão de capacidades exista uma compressão de sua margem. Nossa visão é que os spreads ainda permanecerão em patamares saudáveis em 2018. Vejam os dados da consultoria IHS para PE: para o exercício de 2018 é esperada uma alta de 3,6% em comparação com 2017. Isso deve reduzir de forma gradativa, à medida em que as novas capacidades norte-americanas entrem efetivamente no mercado. Para nós, a atuação próxima aos clientes, atendimento customizado, grades tecnológicos e mais competitivos serão fundamentais para a manutenção de boas margens. Transformadores e componedores também terão seus desafios de competitividade e precisam estar atentos às mudanças tecnológicas que afetarão seus negócios no futuro.

PR – Devido à oferta local mais restrita de PP nos EUA, a praxe é que petroquímicas sigam o plano da Braskem de investir na produção do polímero. Quais as lições aprendidas com o excedente de PE para melhor fundamentar as próximas decisões de investimentos em PP nos EUA? Por exemplo, os investimentos em PE lastrearam-se principalmente na convicção da permanência do barril a US$100 e nos saltos elásticos de crescimento da China, além da visão de um mercado mundial sem guerras comerciais. Nada disso aconteceu.
Musa – A evolução do mercado de PP tem seguido uma trajetória diferente do histórico nos últimos anos. A participação da nafta como fonte de propeno para alimentar as fábricas do polímero tem se reduzido ao longo do tempo. Isso acabou dando espaço ao propeno de refinaria e, em especial, ao desenvolvimento das unidades de desidrogenação de propano, as PDHs, de intensivo investimento de capital. Atreladas às PDHs estão fontes de matéria-prima base gás natural. Como resultado, acreditamos que a adição de capacidades de PP ao redor do globo não se dará em grandes ondas, mas, sim, acompanhando o crescimento da demanda por PP nas diferentes regiões. Trata-se de um mercado onde os aspectos regionais para a obtenção do propeno serão os determinantes para definir o acréscimo de capacidades de PP ao redor do globo.

Neste caso, portanto, não se espera a mesma configuração do contexto competitivo do PE. Em função da crescente variedade de aplicações do PP e por sua demanda, vemos com otimismo este mercado. A decisão da Braskem quanto a investir até US$ 675 milhões em nova planta de PP nos EUA foi bem fundamentada e reforça a liderança da empresa na produção dessa poliolefina num país onde já possuímos cinco outras unidades de PP, além da linha de produção de polietileno de alta densidade e ultra alto peso molecular (UTEC).

PR – No relatório do quarto trimestre de 2017, a Braskem comenta que a demanda global supera a produção de PVC. Por que, apesar desse descompasso, o vinil não atrai investimentos em sua capacidade na mesma intensidade presenciada em poliolefinas?
Musa – Globalmente, a taxa de utilização dos ativos produtores de PVC ainda é baixa quando comparada à das capacidades de poliolefinas. O crescimento da demanda deve superar o de capacidade previsto para PVC, levando a uma subida na taxa mundial de utilização. Mas ainda serão necessários vários anos com este cenário para gerar necessidade de novos investimentos no polímero. No Brasil, por estar ligada à construção civil e infraestrutura, a cadeia vinílica foi a que mais sofreu com as recentes crises econômicas. De acordo com a consultoria Tendências, a demanda interna de PVC deverá voltar a patamares de 2014 (demanda estimada em 1,2 milhão de toneladas) somente em 2022. Assim, o cenário atual inibe mais aportes de recursos, seja no exterior ou por aqui.

PR – Como a Braskem pretende reorientar suas vendas externas de PE de 2020 em diante, quando todas as unidades responsáveis pelo excedente de PE via gás estarão operando nos EUA?
Musa – O lançamento de produtos, a expansão do portfólio de materiais renováveis e a atuação crescente na América Latina e Europa, a partir da operação de PE no México, fazem parte das estratégias da Braskem para enfrentar esse cenário competitivo. A linha de ação também passa por reforçar o apoio a clientes cada vez mais exigentes e melhorar nossas operações industriais e logísticas. Também seguiremos avaliando as oportunidades de investimento no Brasil e em outros países para sustentar e incrementar nossa atual posição de mercado.

PR – Qual a definição de negócio estratégico para a Braskem e como sua participação minoritária numa componedora de PP (Borealis Brasil) se enquadra nesta moldura?
Musa – Nossa proposta de crescimento busca oportunidades de diversificação, ganhos de competitividade e garantia de fornecimento de matéria-prima nas regiões onde operamos. A participação (20%) na Borealis tem uma relação histórica e não se trata de qualquer mudança de orientação estratégica de Braskem. O modelo de joint venture adotado na planta de PE México (Braskem e Idesa possuem participações respectivas de 75% e 25%) ou os das parcerias com a Basf no complexo acrílico em Camaçari e com a Haldor Topsoe na Dinamarca, para produção piloto de monoetileno glicol renovável (a partir do açúcar) se enquadram melhor no planejamento da Braskem. •

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