Lombadas na ecovia
No mundo inteiro, governo e empresariado unem-se para fortificar o desenvolvimento sustentável. No Brasil, esse trabalho conjunto tropeça numa dívida pública, insegurança jurídica e sobrecarga tributária que inibem a adoção de medidas oficiais de praxe em países desenvolvidos, como a taxação de resíduo plástico e subsídios à reciclagem. Nesse quadro de lacunas a descoberto, a iniciativa privada toca, na medida do possível, sua agenda de circularidade, seja com brand owners empenhados em prestigiar a reciclagem, seja com a cadeia industrial se empenhando em elevar a oferta e a qualidade do plástico pós-consumo reciclado e, junto com fabricantes de bens de consumo, em disseminar as práticas de conscientização Ambiental. A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) é hoje o principal megafone da reciclagem do material e de seu alinhamento com a circularidade, como demonstra o balanço de sua atuação feito pelo seu presidente José Ricardo Roriz Coelho nesta entrevista.
Quais avanços no desempenho da reciclagem de plástico a Abiplast constata nesses 11 anos de vigência da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)?
O levantamento do PicPlast referente ao exercício de 2019 situa a indústria nacional de reciclagem de plástico em 695 empresas em funcionamento e o setor atrai atenção crescente como elo fundamental na circularidade do material. Nesse contexto, a PNRS tem contribuído para a estruturação das cooperativas de catadores e avanço da reciclagem, abordando toda a logística reversa de embalagens.
Na primeira fase do Acordo Setorial de Embalagens em Geral, aferiu-se aumento acima de 200% no número de pontos de entrega voluntária (PEVs), além de apoio a mais de 800 organizações de catadores e quase 4.500 ações no âmbito de capacitação, gestão, estruturação e adequação entre 2012 e 2017. No mesmo período, o volume de embalagens dispostas em aterro foi reduzido em 21,3% (meta original de 13,3%). Em 2017, a taxa de recuperação de materiais, na fração seca, foi aumentada em 28,6% em relação a 2012 (meta original de 19,8%). O investimento no setor acumulou em R$ 2,8 bilhões entre 2012 e 2017, contemplando também campanhas de conscientização, novas tecnologias e aumento da capacidade instalada para incremento da reciclagem. Hoje em dia, o Acordo Setorial se encontra “entre fases”, com a segunda delas em discussão junto ao poder público, mas seguindo com suas ações.
Quais os flancos ainda expostos nesse balanço?
Entre as lacunas pendentes, consta o conceito da responsabilidade compartilhada. Apesar de visceral, delimitando a competência de toda a cadeia pelo ciclo de vida dos produtos, ainda não são claros os deveres de cada elo participante. Além disso, um persistente desafio para a viabilidade econômica da reciclagem e comercialização da matéria-prima recuperada é a frequência de volumes de resíduos pós-consumo com a qualidade necessária. Outro exemplo de pendência: em prol da atualização, a PNRS deveria incluir em seu escopo questões ligadas à economia circular como redesign e reciclabilidade. Uma forma de preencher esses claros é a atuação da Rede de Cooperação para o Plástico, mobilizada pela Abiplast e integrada por mais de 50 empresas de todos os elos da cadeia estendida do plástico. Ela visa aumentar a reciclabilidade das embalagens e a disponibilidade de resíduos pós-consumo para reciclagem. Para este semestre, por sinal, a rede agenda a introdução de uma ferramenta de reciclabilidade e do seu guia de design de embalagens.
De volta aos entraves sistêmicos ao progresso da reciclagem de plástico, reiteramos a necessidade de foco na gestão de resíduos como um todo, contemplando descarte correto, acesso à coleta seletiva, formas de otimização e uso de PEVs, triagem e disposição final. É essa visão abrangente que buscamos no convênio firmado com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), para trazer soluções eficientes de logística reversa em linha com os preceitos de economia circular, elaborando inclusive uma modelagem de viabilidade técnico-econômica em três localidades no país. O convênio tem duração de 24 meses e a execução do projeto começou em agosto passado.
Quais as ações pró-reciclagem tomadas pela Abiplast no campo da regulamentação pelo Legislativo?
Temos dois projetos de lei em tramitação no Senado. O primeiro deles é o do senador Luis Carlos Heinze (PP) e regulamenta os incentivos fiscais e tributários previstos na lei (12.305/2010) da PNRS, com o objetivo de garantir créditos tributários para a cadeia de resíduos. O segundo projeto de lei, do deputado federal Carlos Gomes (Republicanos), já aprovado na Câmara, cria fundos e incentivos para pessoas físicas ou jurídicas apoiarem iniciativas de reciclagem.
O mercado brasileiro é dominado por plástico pós-consumo reciclado (PCR) commodity, de baixa qualidade. Quais medidas a Abiplast defende para seduzir investimentos na produção de PCR de alto valor agregado, de modo a tirar dele a conotação de produto de nicho?
A indústria de reciclagem, como já disse, enfrenta dificuldades na obtenção de volumes constantes de resíduo plástico pós-consumo. É um problema relacionado ao engajamento da população no descarte correto, ao acesso de coleta seletiva e a questões de qualidade do refugo disponibilizado para reciclagem. Como forma de resolver esses desafios, estamos trabalhando nas ações e projetos já mencionados. Hoje em dia, as recicladoras rodam com ociosidade enquanto fabricantes de bens de consumo, demandam embalagens contendo PCR. É imprescindível, portanto, que todos os elos atrelados à logística reversa sejam eficientes e que marcas e consumidores enxerguem o valor desse resíduo. Além disso, os custos tributários da reciclagem inviabilizam a oferta do material a preços competitivos. Para isso, a Abiplast atua com veemência para criar mecanismos fiscais incentivadores da cadeia de reciclagem. É uma alternativa para que os outros custos envolvidos na atividade, como investimentos que se façam necessários, se viabilizem para criar melhores condições de qualidade e preço para a matéria-prima reciclada. Daí porque é fundamental a participação do poder público.
O Brasil é país de baixa renda e nível educacional, reduzida conscientização ambiental, coleta seletiva incipiente e sem incentivo do governo à reciclagem. Nesse ambiente, como vê as chances de expansão do PCR de melhor qualidade, diante do preço e escala da resina virgem?
Sustentabilidade e economia circular são caminhos sem volta. Como já falei, as recicladoras operam hoje com ociosidade diante de uma demanda acesa dos brand owners por produtos com teores de resina recuperada. Equalizar esses dois pesos na balança é tão vital quanto o incentivo à cadeia recicladora pelo poder público. Muito mais que preço do PCR, portanto, é a economia circular quem norteia hoje as estratégias do empresariado. Pensando nisso, em junho próximo a Abiplast promove o Summit de Economia Circular. Ele vai mostrar como a circularidade da cadeia produtiva é e pode ser aplicada aos negócios. O Brasil estaria ficando para trás se não buscasse soluções nesse sentido.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.